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Violência obstétrica pode ocorrer da recepção da maternidade ao pós-parto

Esse tipo de agressão a gestantes e parturientes pode ocorrer de forma física ou psicológica

Victor Furtado

Violência obstétrica é termo relativamente recente, quando se fala em violência contra a mulher. Porém, muito mais comum do que se pode imaginar. Só que não é algo específico dos procedimentos de trabalho de parto. Nem algo que apenas médicos ou enfermeiros obstetras podem cometer. Às vezes, mulheres são violentadas desde a recepção da maternidade. Ouvem piadas de mau-gosto, são forçadas a tomar decisões, a se calarem diante de alguma situação específica ou serem submetidas a manobras e intervenções desnecessárias para agilizar o parto. No Brasil, ainda não há legislação específica sobre o tema.

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Lorena Saavedra Siqueira, enfermeira obstetra e professora mestre, ressalta que a violência obstétrica é uma das muitas violências de gênero sofridas por mulheres. Pode ocorrer antes, durante ou depois da gestação e parto ou mesmo processo de abortamento. Pode se dar de forma física ou psicológica. Em todos os casos, não deixa de ser uma violência contra uma pessoa que está em um estágio vulnerável, que impõe forte influência emocional à pessoa. É algo que pode, inclusive, levar a implicações à família inteira da vítima.

"Precisamos desmistificar que violência obstétrica é apenas algo cometido pela equipe médica. Ou que é algo específico do SUS e rede pública. As pessoas têm essa ideia errônea. E é algo que pode ocorrer em todo o processo. Se foi mal recebida na recepção, mal acolhida, se ficou escutando piadinhas. Antes ocorria até de dizerem que se a mulher gritasse, seria maltratada na hora do parto. Comentários como 'não grita, que na hora de fazer tava bom' ou procedimentos desnecessários, só para abreviar o parto... tudo isso é violência obstétrica", detalha Lorena.

Na rede pública, explica Lorena, há predileção pelo parto natural, pois é o mais seguro para a mãe e a criança. É grátis para a parturiente. Mas não gratuito para quem opera. Logo, associar um atendimento ruim a isso é um erro.

 

Cesáreas têm indicações específicas para aplicação

A justificativa mais comum apontada para cesáreas, que é o cordão umbilical estar enrolado na criança, não é uma delas. A enfermeira e professora diz não haver embasamento científico para essa afirmação quando um profissional recomendar essa manobra. Por sinal, a Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que o ideal seria que 10% dos partos apenas fossem cesáreas. O Brasil é líder em cesarianas, com mais de 50% dos partos dessa forma. Forçar a cirurgia é violência obstétrica.

Há outros procedimentos muito usados, como a manobra de Kristeller, cita Lorena, que consiste em pressionar a barriga da mãe para facilitar o processo de expulsão. A manobra é proibida pelo Ministério da Saúde e pela OMS. Em alguns países, é até crime. Aplicação desnecessárias de substâncias para acelerar o parto, privação de comida, pressões psicológicas... tudo isso é agressivo e em nada ajuda que a experiência do parto seja mais fácil.

Outro procedimento feito desnecessariamente é episiotomia, que é um corte entre a vagina e o ânus para aumentar o canal do parto. Esse procedimento, comenta a enfermeira, com base em estudos, não deveria ser aplicado nem em 10% dos casos. Na equipe dela, em quase oito anos, nunca foi necessário. Há profissionais que tornam esses e outros procedimentos limitados ou restritos em prática rotineira.

A Venezuela, aponta a enfermeira e professora, é um dos países com legislação mais avançada sobre violência obstétrica, devido à "Lei Orgânica sobre o Direito das Mulheres a uma Vida Livre de Violência", promulgada em 2007, que descreve 19 formas de violência contra a mulher. E uma delas é a violência obstétrica. No Brasil, há projetos de lei, como o proposto pela ex-deputada federal Jô Moraes (PC do B - MG), de número 7.867/2017, que não avançaram.

Como a mulher está numa condição vulnerável e que, muitas vezes, não pode responder por si, ela deve estar com acompanhantes bem informados sobre o assunto. Para então ser protegida desses abusos e ter quem possa registrar boletins de ocorrência e buscar orientação jurídica, em casos mais graves.

Devido discussões sobre esse tema, outro termo que surgiu foi o parto humanizado. Diferente do que se pensa, não se trata de um procedimento cheio de rituais, com bola de pilates, piscina, feito em casa, com doulas... é um atendimento acolhedor, no qual a mulher é a protagonista das decisões e com as melhores orientações e cuidados, desde o atendimento inicial ao pós-parto. "O parto é um processo natural. É difícil, demorado, doloroso, mas normal. Às vezes tudo o que se precisa é de paciência para esperar", conclui Lorena.

Belém