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Cemitérios de Belém guardam histórias de fé e devoção aos 'santos populares'

As histórias sobre essas pessoas são repassadas de geração em geração nas famílias paraenses

O Liberal

Às vésperas do Dia de Finados, Belém se prepara para receber milhares de visitantes nos cemitérios, entre os quais um grupo bastante peculiar: os devotos dos chamados “santos populares”. Para muitos fiéis, determinados túmulos se transformaram em locais de peregrinação, onde repousam pessoas consideradas capazes de interceder por milagres e atender pedidos. As histórias sobre essas figuras, cercadas de fé e devoção, são mantidas vivas pela tradição oral, repassadas de geração em geração nas famílias paraenses, que preservam relatos de graças e promessas atendidas.

No centenário Cemitério da Soledade, no bairro de Batista Campos, inaugurado em 1850 e que, recentemente, passou por obras de restauração e conservação, um dos túmulos mais visitados é o do “Menino Zezinho”. Segundo registra a cartilha do Cemitério, documento elaborado pelo Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC), da Secretaria de Estado de Cultura (Secult), Zezinho está associado aos erês das religiões de matriz africana, e seus devotos conferem a ele muitos pedidos relacionados às crianças e aos jovens.

O garotinho chamado José, que faleceu a 13 de fevereiro de 1881, ainda no século XIX, enternece fiéis e visitantes do seu túmulo, com sua figura angelical em uma estátua. Passados mais de 140 anos de sua morte, ainda hoje a sepultura recebe homenagens em forma de brinquedos, bombons, água e alimentos. São presentes de fiéis, em agradecimento por supostas graças alcançadas pela intercessão do menino Zezinho.

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Um dos devotos de Zezinho é o servidor público federal Álvaro Pinto, 71 anos. Não há uma única segunda-feira na qual ele deixe de rezar e agradecer aos “santos populares” cultuados no "Soledade". A devoção começou quando Álvaro tinha apenas 13 anos de idade. Foi desde aí que ele resolveu pedir proteção nos estudos para a “Santa Raimundinha Picanço”, enterrada no Cemitério da Soledade e considerada a Padroeira dos Estudantes no imaginário popular.

Quase 60 anos depois, o servidor público repete, em todas as segundas-feiras, o ritual da peregrinação por cinco túmulos de “santos populares” no Cemitério da Soledade: Raimundinha Picanço, Preta Domingas,Escrava Anastácia, Menina Januária e, por fim, o túmulo do menino Zezinho. “Devo tudo o que sou, como servidor público federal efetivo, a eles. Passei no Concurso da Receita Federal com apenas 18 anos. Como católico, acredito que eles não são santos, porque a Igreja não os reconhece, oficialmente, mas são almas que evoluíram e necessitam de nossas orações e pedidos. Eu só tenho a agradecer a eles por tantas graças alcançadas, na carreira e na vida”, revela o fiel servidor.

O médico caridoso adorado em Santa Izabel

No bairro do Bengui, está localizada a maior necrópole pública de Belém: o cemitério de Santa Izabel. Fundado em 1870, tem mais de 145 anos de história e abriga jazigos e túmulos de personalidades paraenses. Logo na entrada do cemitério, está um dos túmulos mais visitados entre os chamados santos populares do lugar. O do médico Camilo Salgado, fundador da primeira Faculdade de Medicina do Pará. Em 1938, o clínico- geral morreu de infarte, com 48 anos, em casa.

Dr. Salgado foi conhecido por sua imensa bondade, atendia pessoas de graça, e chegou a ter uma farmácia que faliu por doar remédios a pacientes pobres. A partir de sua morte, as pessoas já começaram a venerá-lo. Em seu túmulo, já ocorreram pequenos incêndios proporcionados pelas inúmeras velas acesas, em agradecimento por supostas graças alcançadas. Seguindo os passos do médico que fez história no Estado, estão o neto e bisneto de Dr. Camilo Salgado. Cláudio Salgado, bisneto de Dr. Camilo, conta que, tanto ele quanto o pai, Ubirajara, costumam ouvir muitos relatos de pacientes, ao se depararem com o sobrenome em comum, e a foto de Dr.Camilo em seus consultórios.

O neto e bisneto do Dr. Camilo Salgado se comovem com tantas histórias de curas, através das promessas feitas ao caridoso médico. “Acredito que há algo que não conseguimos explicar, que transcende a racionalidade. Manter viva essa adoração ao meu bisavô, mesmo depois de tanto tempo, sem nenhuma propaganda, nem ninguém da família divulgando isso, é um fenômeno encantador do imaginário popular. Perceber meu bisavô vivo, de uma forma tão carinhosa e grata, me impressiona até hoje”, destaca Cláudio.

Gratidão pela cura da mãe

Entre os inúmeros devotos de Dr. Camilo Salgado, está a psicóloga Karen Mendes, 56 anos. Todas as vezes em que ela visita os túmulos dos parentes enterrados no cemitério de Santa Izabel, faz questão de colocar flores no jazigo de Dr. Camilo. Nos anos 80, quando Karen era criança, viu sua mãe, hoje falecida, se “curar” pela intercessão de Dr. Camilo Salgado. Sofrendo com um problema de pele, que nenhum médico conseguia diagnosticar, dona Maria viu sua doença desaparecer depois que começou a rezar no túmulo de Dr.Camilo.

“O sentimento que me move, toda vez que venho aqui, é o de gratidão a um trabalhador do plano espiritual, pela ajuda tão importante à minha mãe. Que ele possa continuar sendo um intercessor diante dos espíritos maiores, como Jesus e Maria, para continuar ajudando as pessoas”, relata, emocionada, a psicóloga. Dr. Camilo Salgado, o “Menino Zezinho” e tantos outros “santos populares” de Belém não foram canonizados pela Igreja Católica, mas se transformaram em símbolos de fé que atravessam séculos. Refletindo o sincretismo e a religiosidade popular, tão característicos da cultura amazônica. Entre os céus e as florestas, há muito mais do que se possa imaginar (Com informações da Agência Belém).