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'Juíza amiga minha, se a gente acerta ela faz'; PF vê privilégios de lobistas no STJ

Estadão Conteúdo

A Polícia Federal vê claros indícios de "acesso privilegiado a documentos decisórios e de influência externa" exercida por lobistas em gabinetes de ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os autos da Operação Sisamnes mostram o avanço da investigação robustecida a cada diligência com informações que dão 'cara' a um suposto mercado de venda de sentenças que se teria instalado em tribunais estaduais e no STJ.

Os ministros que relataram processos sob esquadrinho da PF - Isabel Gallotti, Nancy Andrighi e Og Fernandes - não são investigados no âmbito da Operação Sisamnes, que busca esmiuçar o envolvimento de servidores da Corte com lobistas e advogados que, juntos, transformaram processos judiciais em um verdadeiro "leilão", como cunhou o relatório da PF ao qual o Estadão teve acesso.

Por sua assessoria, Og afirmou que 'não tem conhecimento desses novos fatos e reforçou que, respeitando o direito ao contraditório, quem cometer ato ilícito deve assumir as consequências legais cabíveis'.

O gabinete de Nancy Andrighi afirma que 'os processos de responsabilização encontram-se em andamento, a fim de que os fatos sejam devidamente esclarecidos e os responsáveis punidos de forma exemplar'.

Isabel Gallotti informou que 'desconhece o conteúdo da investigação, porque tramita em sigilo, e que seu gabinete está à disposição para auxiliar, no que seja necessário, a fim de que sejam cabalmente apurados os fatos ocorridos e responsabilizados todos os envolvidos'.

'Está por conta dela'

A análise de diálogos coletados pela PF entre os lobistas Andreson de Oliveira e Roberto Zampieri - advogado assassinado em dezembro de 2023 à porta de seu escritório em Cuiabá - põe em evidência, nas palavras dos federais, "o acesso antecipado e a manipulação indevida do conteúdo jurisdicional" de processos que correram ou ainda tramitam no STJ.

O trecho anexado pelos investigadores que escancara o suposto "acesso privilegiado" ocorreu em 28 de outubro de 2019.

"Quem vai fazer o voto vai ser a juíza extrutora amiga minha", escreveu Andreson a Zampieri, fazendo referência à função de juíza instrutora e auxiliar de ministro.

"Ela falou que vai pegar pra fazer. Se a gente acerta ela faz a favor e entrega pra mim", garantiu Andreson a Zampieri.

A investigação mostra que o lobista ainda dispunha de documentos internos do gabinete de Gallotti relacionados ao processo que estaria em 'negociação'.

Essas minutas foram enviadas a Zampieri na mesma conversa em que tratavam da suposta 'amizade' com a juíza instrutora, aponta a PF.

"Tais arquivos encaminhados por Andreson continham as siglas de identificação do servidor que editou o documento, o que indica se tratar de uma minuta, enviada antes mesmo de sua publicação", diz o relatório de 426 páginas, subscrito pelo delegado Marco Bontempo, da equipe que toca inquéritos sensíveis e estratégicos de atribuição dos tribunais superiores

A conversa entre os lobistas continuou, dessa vez com menção a outros ministros do Superior Tribunal de Justiça.

"Você mostrou o voto do Buzzi a ele?", questionou Andreson, citando, segundo a PF, o ministro Marco Aurélio Buzzi.

"Esses dois vão sair essa semana", completou Andreson, se referindo às duas minutas antecipadas e endereçadas a Zampieri.

"Quando ele paga para o Salomão ir com a gente", seguiu o lobista em mais uma menção nominal a um ministro da Corte - o vice-presidente do STJ, Luís Felipe Salomão.

"E depois a Gallotti", prosseguiu Andreson.

A PF deu sua interpretação à frase de Andreson. "No intuito da viabilidade, o lobista Andreson encaminhou duas minutas de decisões que têm como relatora a ministra Isabel Gallotti e que sairiam naquela semana. Na sequência, Andreson perguntou a Zampieri quanto ele pagaria para que os ministros Salomão e Galotti os favorecessem, sendo citado, ainda, o ministro Buzzi."

Esse trecho do relatório da PF, com citação a Salomão, tem origem diretamente em um documento produzido pelo próprio ministro. Em agosto de 2024, então exercendo a função de corregedor nacional de Justiça, ele encaminhou para a Procuradoria-Geral da República relatório que o citava, dando início a toda a investigação.

O documento subscrito por Salomão foi repassado à PF justamente para subsidiar a investigação sobre a atuação de servidores e empresários envolvidos com o suposto esquema, abrindo caminho para identificação de outras possíveis ações do grupo.

Buzzi e Salomão não são investigados. Eles não se manifestaram sobre as mensagens.

É comum, no âmbito de muitas ações judiciais, advogados adotarem a antiga estratégia da 'venda de fumaça' para levar clientes a acreditarem em uma suposta influência de seu defensor nos gabinetes forenses.

'Quero ver os meus bandido'

Ao todo, sete processos sob relatoria da ministra Isabel Gallotti estão na lista das ações que teriam sido 'compradas' com ajuda de minutas antecipadas e manipulações judiciais feitas por servidores do STJ.

"A proximidade temporal entre os diálogos e a movimentação dos atos processuais (separados por poucas horas e alinhados no mesmo dia) constitui indício relevante de que informações sobre a tramitação das minutas já circulavam no ambiente dos investigados antes da sua publicação oficial, o que reforça a hipótese de acesso privilegiado a documentos decisórios e de influência externa sobre o gabinete da Ministra Isabel Gallotti", crava a PF.

O delegado Bontempo segue o relatório. "Por coincidência, no dia seguinte, 29 de outubro de 2019, conforme antecipado por Andreson para o advogado Zampieri, a ministra Isabel Gallotti assinou as decisões nos processos, ambas publicadas no dia 4 de novembro de 2019, e com o mesmo conteúdo das minutas compartilhadas pelo lobista."

A conversa entre Andreson e Zampieri teve sequência no dia da assinatura das decisões.

"Zamp. Cadê o povo. Só duas hoje Zamp", provoca o lobista.

"Você tá foda!!!!!! Quero ver os meus bandido!!!!!", respondeu Zampieri.

"Já fez esperando passar. No crivo dela. Fica em paz. Tá tudo ok", tranquilizou Andreson, encaminhando novamente de forma antecipada as decisões assinadas por Gallotti.

Atuação coordenada

Pelo menos três servidores que atuaram em gabinetes de ministros são alvo da Operação Sisamnes, mas a Polícia Federal avalia que outros nomes ainda podem ser identificados.

Eles são suspeitos de manipular decisões, interferir em processos e vazar informações sigilosas sobre investigações que atingiam magistrados envolvidos na suposta venda de sentenças.

Entre os citados estão Daimler Alberto de Campos, ex-chefe de gabinete da ministra Isabel Gallotti; Márcio José Toledo Pinto, que também atuou com a ministra e outros integrantes da Corte, e foi exonerado após sindicância interna do STJ; e Rodrigo Falcão, ex-chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.

A defesa de Daimler, conduzida pelo advogado Bernardo Fenelon, afirma que o nome dele foi 'utilizado de maneira espúria para gerar uma influência fictícia' (leia abaixo a íntegra da nota de Fenelon).

O Estadão busca contato com a defesa de Toledo e Falcão, além do lobista Andreson de Oliveira. O espaço está aberto.

Para a PF, "o conjunto probatório reunido até o momento demonstra que a atuação do grupo investigado não se limitava a iniciativas isoladas, mas se estruturava em uma sofisticada rede de intermediários, operadores e servidores estratégicos, organizada para manipular decisões judiciais de elevado impacto econômico".

Os federais ainda avaliam em que medida servidores e assessores, "explorando a sobrecarga de trabalho dos gabinetes, podem ter promovido alterações sem ciência direta do magistrado".

As hipóteses criminais apuradas pela PF, sob condução sigilosa do ministro Cristiano Zanin Martins no Supremo Tribunal Federal, concentram-se, sobretudo, em processos de falência de empresas do agronegócio.

COM A PALAVRA, A DEFESA DE DAIMLER ALBERTO DE CAMPOS

"A apuração demonstra claramente que não existe nenhum vínculo entre nosso cliente e os fatos sob investigação. Aqueles que mantiveram relação com grupo investigado, inclusive, já foram punidos e demitidos pelo próprio Tribunal.

O seu nome (assim como o de outras autoridades) foi utilizado de maneira espúria para gerar uma influência fictícia. Isso se comprova nitidamente neste último relatório da investigação: os contatos telefônicos salvos com o nome "Daimler", na verdade, pertencem a terceiros que ele desconhece absolutamente."

Bernardo Fenelon, advogado

COM A PALAVRA, OS OUTROS SERVIDORES DE GABINETES DE MINISTROS DO STJ A reportagem do Estadão busca contato com as defesas dos outros assessores dos ministros do STJ citados nos autos da Operação Sisamnes. O espaço está aberto para manifestação.