Governos vão acionar agência para romper contrato com Enel
Embora o serviço da Enel seja prestado em São Paulo e em 23 municípios da região metropolitana, a concessão é firmada na esfera federal
Após reunião nesta terça-feira (16) em São Paulo, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) decidiram acionar a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O objetivo é iniciar o processo de rompimento do contrato com a Enel. A agência reguladora, responsável pelo trâmite federal da concessão, não se pronunciou no dia da reunião.
A concessão da Enel abrange São Paulo e 23 municípios da região metropolitana, impactando cerca de 18 milhões de pessoas. Não há prazo previsto para esse processo de anulação.
"Não há alternativa a não ser a caducidade. Os governos estadual, federal e municipal estão na mesma página. Saímos com isso acordado para iniciar o processo", afirmou Tarcísio de Freitas.
Apagão na Grande São Paulo motiva pedido
A decisão ocorre após um apagão na semana passada, que deixou cerca de 2,3 milhões de imóveis na Grande São Paulo no escuro devido a uma ventania recorde. A região viu se repetirem episódios de blecaute que já haviam ocorrido em 2024 e 2025.
Após o incidente, o governador Tarcísio e o prefeito Nunes cobraram intervenção federal na empresa. Nesta terça, seis dias após o evento climático, paulistas ainda relatavam falta de eletricidade.
Somente na capital, 50.498 imóveis estavam sem energia, segundo balanço divulgado pela própria Enel às 17h50. A concessionária, porém, diz que todos os registros de falta de luz causados pela ventania histórica foram resolvidos.
Ações da concessionária e contestações
A concessionária tem apontado investimento recorde para modernização da rede elétrica desde que assumiu a concessão em 2018. De 2025 a 2027, foram R$ 10,4 bilhões.
A empresa também disse ter intensificado manutenções preventivas e duplicado o número de podas de árvores em contato com a rede, chegando a mais de 600 mil podas realizadas por ano desde 2024.
Os números oficiais sobre as podas, no entanto, são divergentes. A Enel destacou que os ventos na semana passada atingiram quase 100 km/h, o que resultou em centenas de árvores caídas.
A empresa diz ainda ter mobilizado até 1,8 mil equipes para os reparos. Esse número é contestado pelo prefeito Ricardo Nunes, que afirma ter identificado menos veículos da empresa nas ruas por meio do sistema municipal de câmeras Smart Sampa.
Na semana passada, moradores de vários bairros relataram diversos transtornos, desde a perda de estoque até dificuldades para trabalhar e interrupções no fornecimento de água, também prejudicado pelo blecaute.
Prejuízos e recomendação do TCU
A nova crise de energia fez a empresa voltar aos holofotes, com pedidos de intervenção federal pelas autoridades de São Paulo. Uma das preocupações é sobre a renovação antecipada da concessão com a empresa italiana, cujo contrato é válido até 2028.
A caducidade é medida ainda mais drástica, porém, não é imediata. Nove dias antes do blecaute, a área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) já havia recomendado que a Aneel avaliasse a possibilidade de uma intervenção federal na Enel.
A auditoria destacou o fato de a concessionária não ter cumprido 7 dos 11 Planos de Resultados firmados. Também disse que penalizações não têm sido eficazes, diante da judicialização das multas do órgão regulador (de mais de R$ 260 milhões).
Hugo Delgado, proprietário de um restaurante em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, relatou ainda estar sem energia nesta terça-feira. Segundo ele, o estabelecimento já soma R$ 40 mil de prejuízo com as perdas do apagão, e a Enel ainda não informava prazo para restabelecer o serviço.
A luz no local acabou às 14h de quarta e chegou a voltar somente às 11h30 de quinta, dia 11. Meia hora depois, uma árvore em frente ao restaurante caiu, derrubando a fiação elétrica.
"O restante da rua está com energia. Só a gente e o sobrado vizinho, com duas casas geminadas, seguimos no escuro", afirmou Delgado. Ele calcula ao menos R$ 30 mil de prejuízo com vendas perdidas e R$ 3 mil com perda de produtos em geladeiras.
Além disso, houve gastos extras de R$ 7 mil com a contratação de um gerador, que usou no sábado. Delgado tem tentado manter o restaurante aberto na hora do almoço com o uso de luz natural e contado com a ajuda de vizinhos com energia para guardar produtos e carregar eletrônicos.
"A situação está muito complicada e não sabemos quando vai normalizar", desabafou. Tentativas de contato com a Enel por todos os canais não tiveram retorno. Após a reportagem questionar a concessionária, a empresa enviou equipes ao endereço.
Unidade entre governos na cobrança
Houve uma mudança de tom do ministro Alexandre Silveira em relação à Enel. Tarcísio já havia dito que a União não pode empurrar a renovação com a empresa "goela abaixo".
Em resposta às queixas que começaram na semana passada, o ministro havia dito que Nunes e Tarcísio faziam "disputa política" com o evento extremo climático.
Nesta terça, o tom foi diferente. "Estamos completamente unidos - governo federal, do Estado e do Município - para que a gente inicie um processo rigoroso regulatório", disse Silveira, após reunião de quase três horas a portas fechadas com Tarcísio e Nunes.
"Esperamos que a Aneel possa dar a resposta o mais rápido possível ao povo de São Paulo", acrescentou o ministro. O prefeito Ricardo Nunes complementou: "A Enel não tem a estrutura e o compromisso para fazer frente às necessidades, principalmente quando tem alguma situação adversa por causa das mudanças climáticas."
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