Caso Ultrafarma: Justiça vê 'risco de destruição de provas' e mantém lobista preso
A Justiça de São Paulo manteve a prisão preventiva do empresário Celso Éder Gonzaga de Araújo, apontado como lobista e operador financeiro do esquema que teria movimentado mais de R$ 1 bilhão em propinas na Secretaria da Fazenda do Estado.
Celso foi preso na Operação Ícaro, deflagrada no dia 12 de agosto. Uma força-tarefa de promotores do Ministério Público estadual e agentes e delegados da Polícia Federal prendeu o empresário Sidney Oliveira, da Ultrafarma, e o executivo Mário Otávio Gomes, diretor estatutário da Fast Shop. Ambos agora estão soltos.
O auditor fiscal de Rendas Artur Gomes da Silva Neto, da Secretaria da Fazenda do Estado, também foi preso sob suspeita de liderar esquema de propinas em troca da liberação antecipada de créditos do ICMS para gigantes do varejo. Ao todo, nove fiscais estão sob investigação.
A Polícia Federal foi até a casa do lobista Celso Éder Gonzaga de Araújo em Campo Grande para fazer buscas e apreendeu mais de R$ 1,2 milhão em dinheiro vivo, além de dólares, euros, criptomoedas e dois pacotes de esmeraldas, o que o levou à prisão por suspeita de lavagem de dinheiro.
A defesa pediu a revogação da prisão preventiva alegando que ele não tem antecedentes criminais, está passando por problemas de saúde e não oferece risco às investigações.
A advogada Suzana Camargo argumenta que a Operação Ícaro resultou na coleta de todas as provas necessárias, no sequestro de bens, na paralisação das atividades empresariais de Celso Éder e na apreensão de documentos, celulares e computadores, "eliminando qualquer risco à instrução processual ou à ordem pública". Suzana ponderou também que outros investigados estão em liberdade, o que segundo ela configuraria "tratamento desigual injustificado".
O Ministério Público se manifestou contra a revogação da prisão. Celso foi denunciado na semana passada por corrupção e lavagem de dinheiro. Segundo a denúncia, auditores fiscais ofereciam uma espécie de assessoria clandestina a empresas que buscavam a restituição do ICMS. Essas empresas tinham tratamento privilegiado do início ao fim do processo, aponta o inquérito. Recebiam orientações detalhadas sobre a documentação necessária e auxílio para protocolar os pedidos na Secretaria da Fazenda. Em uma segunda etapa, os fiscais agiam para acelerar os requerimentos, passados na frente da fila, e para liberar os pedidos de restituição.
A Justiça de São Paulo concluiu que, em uma análise preliminar, há provas suficientes do envolvimento do operador do esquema de corrupção na Fazenda de São Paulo e que, se for colocado em liberdade, ele poderia ocultar provas, combinar versões com outros investigados e até tentar uma fuga.
"A continuidade da custódia cautelar, no momento presente, não se ampara apenas na gravidade em tese do crime imputado, mas, sobretudo, na comprovação de que a soltura do investigado traduz risco efetivo e iminente aos bens jurídicos tutelados pelo ordenamento. Nessa perspectiva, a decretação da prisão preventiva e sua manutenção mostra-se idônea, necessária e proporcional às particularidades do caso concreto", diz o despacho.
A decisão destaca ainda a "expressiva gravidade concreta das condutas imputadas" ao lobista e menciona que Celso "detinha conhecimento integral dos fatos e exerceu participação ativa nas tratativas com representantes empresariais", colaborando com os agentes fiscais Artur Gomes da Silva Neto e Marcelo de Almeida Gouveia, também denunciados pelo Ministério Público, "tanto na percepção de vantagens indevidas quanto na execução de operações destinadas ao branqueamento de valores de procedência criminosa".
"As investigações realizadas demonstram o envolvimento direto e consciente do investigado em complexo esquema delituoso, reforçam o vínculo associativo entre os envolvidos e revela a efetiva participação do acusado no contexto das condutas delitivas sob apuração, demonstrando a conexão direta com as atividades e registros que se relacionam ao núcleo investigado", segue a decisão.
A decisão menciona também que o vínculo de Celso com o fiscal Artur "extrapolava o mero âmbito negocial, configurando-se uma relação de elevada confiança mútua", na medida em que o empresário administrava a carteira de investimentos em criptoativos do fiscal, o que foi descoberto a partir de documentos apreendidos na casa dele na Operação Ícaro.
Artur é apontado como o "cabeça" do esquema. A mãe do auditor fiscal, Kimio Mizukami da Silva, de 73 anos, professora aposentada da rede pública de São Paulo, transferiu R$ 16,7 milhões para empresas ligadas a Celso entre junho de 2022 e janeiro de 2024. A idosa consta de registros formais como dona da empresa Smart Tax, de consultoria tributária, que segundo os investigadores foi criada apenas no papel para incorporar propinas supostamente pagas ao filho.
Segundo a decisão que manteve a prisão, "não se pode ignorar que grande parte dos valores ilícitos ainda se encontra em poder do grupo criminoso, resultando na possibilidade de evasão".
"Os acusados agiram no contexto de um grupo criminoso destinado a prática de crimes envolvendo a movimentação de expressiva quantia de dinheiro, tratando-se de grupo complexo e com facilidade na reinserção de membros nas atividades ilícitas. As particularidades e complexidade do crime evidenciam o risco concreto de destruição de provas, além da comunicação entre os integrantes do grupo criminoso", segue o magistrado no despacho.
A Justiça também concluiu que, apesar da documentação médica apresentada, não ficou comprovada "extrema debilidade" do estado de saúde do lobista, nem a impossibilidade de receber tratamento apropriado na prisão.
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