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'Tenho medo até hoje dele'

Por Lorenna Filgueiras

Embora relacionamentos abusivos sejam formas de violência, perceber-se em uma relação tóxica nem sempre é de fácil diagnóstico e suas vítimas demoram a se recuperar, afinal, foram traídas naquilo que lhes era mais puro e sincero: o amor.

A funcionária pública Laura*, 46, viveu, ao longo de quase uma década, uma relação extremamente abusiva. Embora esteja livre do casamento e de seu agressor há mais de oito anos, ela diz que sempre passa mal quando tem de rememorar aquela época. “Mesmo agora, conversando com você, é duro demais. Felizmente, posso ajudar outras pessoas a partir da minha história, mas ainda ouço que ‘mulher que reclama demais é uma louca’”.

A relação de Laura e do ex-marido sempre foi marcada por extrema violência. “A princípio, eu justificava dizendo que ele tinha sido uma pessoa sem acesso a uma boa educação. Eu justificava que certas atitudes dele eram manifestação dessa pouca educação. Considerava que ele era muito apaixonado por mim e que, da forma dele, sempre cuidava de mim”, relata. Como mulher apaixonada, mas adoecida, Laura acreditava que o ciúme exagerado e violento do ex-companheiro era definitivamente prova de amor. 

A situação ficou ainda mais grave depois que o primeiro filho chegou. “Se por 4 anos, eu apanhei estando sozinha com ele, quando os filhos chegaram, a situação piorou muito, porque eu apanhava na frente dos meus filhos. Eu era agredida no dia das mães, no Natal. Não tinha data especial, de exceção”, conta.

Laura diz que muitas pessoas a viram sofrer e ser agredida publicamente e não esboçaram qualquer reação – muito ao contrário: ela era vilanizada na maioria das vezes. “Me diziam ‘você irrita ele’. Lembro de poucas pessoas que tentaram me alertar, mas o que eu mais ouvia eram críticas relacionadas ao meu comportamento, além de justificativas em relação aos comportamentos dele. ‘Isso é coisa de homem. Todo homem faz isso’, eram algumas das coisas que eu ouvia. Quase ninguém percebia que eu estava doente e que estava destruída. Eu ouvi críticas sobre continuar ao lado dele. As pessoas esperavam que uma mulher como eu, destruída, adoecida, tivesse forças para levantar e dar um basta! Como se eu fosse capaz de ter uma atitude racional. Me diziam que eu estava com ele porque eu queria, que eu permitia que ele fizesse o que fazia. De que forma eu faria isso, se eu era dependente emocionalmente dele? Durante muito tempo eu realmente me culpei por estar com ele. Eu não precisava apanhar, eu precisava de tratamento! Meus vizinhos, amigos e familiares me viram apanhar e nada diziam ou faziam. Também não denunciavam”, desabafa. “Sempre me pergunto por qual razão eles não se meteram. Aquela história de ninguém deve meter a colher em briga de marido e mulher é um absurdo! Minha família diz que não se meteu porque eu ficaria com raiva e é verdade: eu podia ficar com raiva, mas eu estava doente!”.

Quando mudou? 

“Não sei exatamente, mas passei a exercitar duas coisas: a fé e passei a ter acompanhamento psicológico, que é muito doloroso. Passei anos tentando sair dessa relação de oito anos, até o ponto em que ele arranjou outra pessoa e foi embora. Mesmo depois da separação, eu passava por torturas e pressões psicológicas. A fé é um instrumento poderoso, porque a gente precisa se apegar a algo maior, mas o acompanhamento psicológico foi imprescindível”, relembra. 

Troppo