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“Sexualidade é um conceito amplo que inclui o nosso jeito de ser no mundo!”

Lorena Filgueiras

Precisamos falar mais sobre sexo. E, por sexualidade, entende-se (ou deveríamos entender) um conceito mais amplo, passando por aspectos de autoconhecimento e nossos papeis neste mundo – desde que pautados em respeito a si e a quem estiver vivendo essa emocionante empreitada ao seu lado. Essas foram algumas das lições aprendidas no bate-papo que tivemos com a psicóloga, especialista em sexualidade, Laura Müller. Laura é um fenômeno no programa “Altas Horas”, da TV Globo, onde mantém, desde 2007, uma participação fixa semanal – suas interações com o público são sempre muito aguardadas e recheadas de surpresas e bom humor, tornando ainda mais interessante e leve sua abordagem ao tema que suscita sempre muitas polêmicas. Tão polêmico quanto necessário, falar sobre sexo e sexualidade é muito libertador, especialmente quando compreende-se que essa orientação/educação é o que pode fazer de nós pessoas ainda mais saudáveis.

Troppo+Mulher: Uma pesquisa, conduzida pela Durex Global Sex Survey, em 2014, ou seja, há 5 anos, afirmava que metade da população sexualmente ativa no Brasil, estava insatisfeita. O brasileiro tem muitos tabus na cama?
Laura Müller: Sim e não só os brasileiros! Outros povos continuam tendo muitos tabus na cama e por quê isso acontece? Porque a gente viveu séculos de uma repressão sexual muito forte, tanto em cima do homem, exigindo que ele tivesse uma performance perfeita, quanto em cima da mulher, exigindo dela muito recato. Essa repressão muito forte ainda deixa resquícios nos dias atuais, então a gente ainda vê tabu com algumas práticas sexuais, pessoas que, por exemplo, não fazem sexo oral ou sexo anal... a gente ainda vê tabus com a masturbação para mulheres, por exemplo; com homens, nem tanto. Mas muitas mulheres e jovens e meninas jovens achando que tocar o corpo é feio, é errado, sujo. A gente vê outras dificuldades na cama que muitas vezes têm, de fundo, o sexo como tabu e que diz que a gente tem sempre que estar disposta – tanto mulheres quanto homens –, elevando o nível de cobrança, gerando uma série de dificuldades.

“Essa repressão muito forte ainda deixa resquícios nos dias atuais, então a gente ainda vê tabu com algumas práticas sexuais”

T+M: Vale tudo na cama, entre quatro paredes, Laura?
LM: Sim, entre quatro paredes vale tudo, mas desde que o casal esteja, realmente, afim. Então esse ‘vale tudo’ é relativo; vai depender do acordo do casal e isso passa por uma palavra fundamental: respeito. Respeito a si mesma ou a si mesmo e respeito com a pessoa que está ao lado, isso em relação aos valores, a crenças, aos limites e às possibilidades.

T+M: Pegando carona na pergunta anterior, por sua experiência no consultório, os casais brasileiros têm conversado mais sobre sexo? Satisfazer o parceiro, buscar compreender suas preferências é prioridade entre eles?
LM: Não posso te falar dessa experiência no meu consultório, especificamente. Eu prefiro te falar da minha experiência circulando o Brasil inteiro com palestras e nessas palestras, eu começo a observar, nas falas dos casais... e são sempre bate-papos, perguntas e respostas, bem do jeito que rola no Altas Horas [programa da Globo do qual Laura tem um quadro fixo semanalmente]. O fato é que nessas palestras, os casais acabam trazendo que sim, que eles ainda têm uma série de dificuldades, de coisas que eles precisam evoluir e o diálogo seria o caminho mais importante, talvez, para a gente começar uma mudança. Cada um conversando sobre o que gosta, sobre o que não gosta; sobre as dificuldades, novos caminhos... tentando que, entre o casal, o assunto sexo não seja um tabu, mas isso é muito difícil ainda hoje, por conta do que a gente falou no começo deste papo, sobre séculos de repressão muito forte e o assunto ‘sexo’ ainda ser complicado na sociedade como um todo, entre os casais, na família, na escola – apesar de a gente já ter se transformado e estarmos muito mais abertos do que na década passada e nas décadas anteriores, ainda existem vários resquícios na cama.
 
“Apesar de a gente já ter se transformado e estarmos muito mais abertos do que na década passada e nas décadas anteriores, ainda existem vários resquícios na cama”.

T+M: Como a chegada do viagra, há mais de 20 anos, mudou a vida sexual dos brasileiros, Laura? O homem, em particular, tem mais necessidade de demonstrar virilidade – achas que a ‘pílula azul’ impactou de alguma forma?
LM: A chegada dos remédios para ereção no Brasil e no mundo impactou muito na sexualidade, principalmente num primeiro momento, na população mais velha, da terceira idade. Os homens encontraram ali uma forma de recuperar, melhorar essa dificuldade na ereção e os remédios para ereção começaram focando nessa população mais velha com dificuldades físicas no mecanismo da ereção. Essa corrida aos consultórios, por parte dessa população mais velha, também fez com que as mulheres – suas parceiras – se abrissem mais a essa questão da sexualidade, então foi realmente um marco. Mas teve um lado aí que foi muito difícil: a população muito jovem também quer usar esse medicamento para ‘turbinar’ o sexo e isso não é legal, porque a população jovem, que não tem dificuldade com o mecanismo físico da ereção, às vezes, fica ansiosa e, isso sim, pode afetar a ereção... mas não é esse tipo de medicamento que vai resolver o problema. Nos casos de ansiedade emocional, de preocupação, cobranças de desempenho, a gente precisa mudar a cabeça e tentar lidar melhor com essa ansiedade e não vai ser a medicação que vai resolver o problema! Sobre o ‘turbinar’, às vezes a gente se cobra muito – pra quê turbinar tanto assim? Ser do jeito que se é, continua sendo o melhor caminho. Quanto à questão da cobrança pela virilidade, sim, os homens ainda se cobram muito para estarem sempre viris e cheios de desejo, embora hoje a gente tenha também uma população feminina que se cobra muito também: das piruetas a dar show na cama... e não pode ser assim. Cobranças são ruins para os dois lados.  

“Das piruetas a dar show na cama... não pode ser assim. Cobranças são ruins para os dois lados”.  

T+M: Durante muito tempo, a literatura médica enfatizou muito o orgasmo masculino, como parâmetro ao feminino, inclusive, o que nem sempre dá certo para a mulher. A mulher contemporânea descobriu o clitóris, mas conhece todo o potencial dele? Aliás, aproveito pra te perguntar, acreditas que as mulheres conhecem mais seus corpos? 
LM: O clitóris é, sim, o principal órgão do prazer feminino e para conhecê-lo, basta a mulher se tocar, tocar o próprio corpo... usar um espelhinho, ficar confortável! Uma parcela da população, cerca de 30% das mulheres, ainda têm vergonha de tocar o próprio corpo e, a partir do momento em que fica mais confortável consigo mesma, aí, sim, o clitóris e todos os outros pontos de prazer vão ser mais ativados na hora do sexo, seja com o movimento dos corpos, com o movimento das mãos, com o boca... o que for!

T+M: Como manter, depois de muitos anos, a chama acesa do casamento? Sexo é imprescindível à saúde de um casamento, Laura? Ou é possível ser feliz sem sexo numa relação longeva?
LM: Olha, se sexo é fundamental ao casamento ou em qualquer outra relação que seja, vai depender da dupla que está vivendo essa relação. Para algumas duplas, isso não é tão importante; para outras, é bastante importante. A gente também precisa ver para cada pessoa individualmente. Às vezes, ocorre um desencontro entre os casais em que um dos parceiros gosta mais de sexo ou acha mais importante e o outro, nem tanto. Quem tá certo ou quem tá errado, não dá pra dizer. A gente precisa respeitar o ritmo de ser de cada um e o mais bacana é tentar um acordo pra tentar acertar essa sintonia! Buscar perfeição não é legal, da mesma forma que querer estar com desejo super em alta não costuma ser legal. Encarar com mais naturalidade a sexualidade abre as portas para o desejo, mas, mais uma vez, a gente precisa respeitar o ritmo de cada um. Talvez o segredo para manter a chama acesa é cada um olhar para si: para o que gosta, para o que não gosta – olhando também para a pessoa que está ao lado e respeitar esse ritmo, pensar em mudanças que precisam ser feitas ao longo do tempo talvez sejam alguns dos segredos da chama acesa no casamento.

T+M: Percebo que a geração dos 40-50 anos fala mais sobre sexo com seus filhos, do que a geração de nossos avós. Nestes tempos de redes sociais, em que nem sempre conhecemos a pessoa/intenções das arrobas virtuais, como falar sobre sexo com nossas crianças e adolescentes? É importante tomar a dianteira ou falar somente quando nos procuram? Como proteger nossas crianças de assediadores?
LM: É importante falar sobre sexo desde que as primeiras perguntinhas começam a surgir e, às vezes, elas surgem bem na infância. Os pais que têm dificuldades de falar sobre isso, precisarão buscar ajuda e qual seria essa ajuda? Buscar Literatura específica. Eu mesma tenho um livro que chama “Educação sexual em 8 lições: como orientar na infância e na adolescência”, que é um guia para professores e pais... mas há muitas outras literaturas. Precisamos buscar, seja na internet, em sites oficiais, em sites educativos, talvez no Ministério da Saúde, que tem um site bem educativo, enfim, a gente precisa buscar informação que é pra passar informação correta para as crianças e aos adolescentes. Educar, na infância e na adolescência, é uma tarefa da casa e, a partir dos 6 anos de idade, também é sugestão dos parâmetros curriculares nacionais que sexualidade seja transversal no ensino. Então, a partir dos 6 anos, a escola também entra nessa empreitada de educar à criança, ao pré-adolescente e o adolescente. Essa educação sexual não vai estimular uma sexualidade precoce – pelo contrário! Vai ajudar esse indivíduo, quando começar sua vida sexual, a conseguir de forma mais saudável, responsável e prazerosa. Essa educação para os pequenos ajuda sim, a evitar e prevenir abusos que podem ocorrer nessas fases. Como? Com os pequeninos, a gente vai falar sobre o corpo, que ‘o corpo é só seu; que ninguém pode tocar nas partes que estão guardadas na calcinha ou na cueca’, né? É importante orientar sobre a sexualidade, sabendo que é um conceito amplo que inclui, principalmente, o nosso jeito de ser no mundo – e isso a gente deve trabalhar desde a primeira infância.

T+M: Por que as pessoas sentem tanto receio de que o tema ‘sexo’ seja discutido no ambiente escolar?

LM: Existem formas criativas de abordar ou a forma transversal, conforme os parâmetros curriculares nacionais sugerem. O tema é necessário! Toda polêmica é porque talvez confundamos o tema ‘sexo’ com o termo ‘sexualidade’. Sexo é a prática em si. Sexualidade é esse conceito amplo, sobre ser homem e ser mulher no mundo. E o jeito de ser no mundo a gente aprende desde criancinha, com nossos principais modelos e primeiros educadores sexuais, que são os nossos pais.

T+M: Nossos jovens têm se protegido durante o sexo? Como quebrar o gelo nas primeiras relações?
LM: Existe uma parcela que, sim, se protege, que usa camisinha em todas as práticas sexuais: oral, anal e penetração vaginal e isso é o coretinho. Mas também existe uma parcela que não usa... sobre quebrar o gelo... bom, falar de prevenção... não sei se existe uma fórmula para quebrar esse gelo, né? O jeito mais adequado é falar francamente, da forma mais honesta possível, entendendo que sexo saudável e prazeroso é sexo seguro.  

T+M: Queria também abordar a hipersexualização das nossas crianças e adolescentes... Como coibir esse tipo de postura e comportamento, Laura?
LM: Qualquer dificuldade que a gente tenha no campo da sexualidade, seja educação sexual na infância ou alguma dificuldade que a gente enfrente no mundo adulto, a gente pode e deve resolver buscando informação. Uma educação sexual adequada, conduzida desde a infância, passando pela pré-adolescência e continuando na adolescência, e uma busca de informação que a gente tenha no mundo adulto, para nossa própria vivência ou para educar os filhos, os alunos, talvez seja a solução para dar um novo significado para o sexo e ser mais feliz neste setor. 

T+M: Muito se fala e há debates acalorados a respeito da identidade de gênero – como explicar as diferenças e qual a importância do respeito ao tema?
LM: Explicar as diferenças é muito reduzido para se responder em apenas uma pergunta... Talvez tenhamos que nos informar mais e ter uma entrevista inteira sobre questões de gênero. O principal a saber, em relação ao gênero, é que cada pessoa tem o direito de ser e se mostrar para o mundo da forma que preferir, então se a gente respeitar o diferente... se houver tolerância à diversidade, ao diferente, já será de bom tamanho. O principal é respeitar a si mesmo/mesma e à pessoa ao lado.
  
T+M: Obrigada, Laura. Para finalizar esse papo, eu não podia deixar de perguntar: uma vida sexualmente feliz é...?
LM: É fazer aquilo que você tem vontade, respeitando os limites e as possibilidades da pessoa que está ao lado!

Para saber mais:
@lauramulleroficial

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