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Resgate necessário

Elck Oliveira

Belém completou, no último dia 12 de janeiro, 404 anos de fundação. Ao longo desse tempo, nossa quatrocentona senhora acumulou um patrimônio cultural, histórico e arquitetônico único na região amazônica. Mas, será que a sociedade atual tem conseguido preservar e salvaguardar essa memória da maneira mais adequada? Qual o papel dos órgãos públicos nesse trabalho? Essas são algumas das perguntas que fizemos, em busca de respostas coerentes com a importância do patrimônio belenense.

Ao andar pela cidade, não é muito difícil encontrar exemplos de patrimônios que se encontram em situação de degradação. Espaços como o mercado de São Brás; os palacetes Faciola e Pinho; o complexo do Ver-o-Peso; muitas praças, como a Batista Campos, a do Relógio e a D. Pedro II; além de inúmeros casarões, muitas vezes, de particulares, que acabam se deteriorando e, literalmente, caindo aos pedaços, a olhos vistos. 

Para a arquiteta, doutora na área e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Ciências do Patrimônio Cultural da Universidade Federal do Pará (UFPA), Thaís Sanjad, mais importante do que intervir de maneira imediata nesse patrimônio é intervir de maneira correta. 
Segundo a professora, algumas praças e palacetes de Belém são exemplos de intervenções inadequadas ou de falta de uso após o processo de restauração. É o caso da praça Batista Campos e do palacete Pinho. “A praça Batista Campos é um jardim romântico, uma praça histórica, que tem um conceito projetual por trás e esse conceito fez com que ela também se tornasse patrimônio cultural, porque as pessoas se relacionam e veem ela dessa maneira. Então, qualquer intervenção que seja feita lá precisa entender isso, precisa compreender a relação que as pessoas têm com ela. A praça começou a sofrer pequenas intervenções em áreas de ponte e, de certa maneira, estão mudando o desenho romântico, rústico que essa praça preservou até os dias atuais”, explica. 

Em relação ao palacete Pinho, a arquiteta aponta que, nos últimos anos, o espaço sofreu algumas intervenções, mas, até agora, não se deu um uso adequado para ele. “O palacete Pinho sofreu uma intervenção em 2004, mudou o governo e ele sofreu outra intervenção. Agora, ele está se acabando, pois, desde então, não tem uso. Em 2004, ele estava praticamente finalizado. Quantos anos vão aí de abandono? Se você passar hoje lá na frente, vai ver que precisa de uma nova intervenção restaurativa, e ele passou por pelo menos três nesses últimos 20 anos”, detalha.

A diretora do Departamento de Patrimônio Histórico (DEPH) da Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), Tainá Arruda, informou que está em andamento um processo licitatório para a elaboração de projeto de intervenção no Palacete Pinho, que, ao final da obra de manutenção e reforma, deverá ser a nova sede da Fumbel, mas não deu um prazo definido para isso. 

Particulares – No caso das edificações privadas, a professora Thaís acredita que ainda há muito desconhecimento, por parte dos proprietários, sobre como fazer corretamente essas intervenções nos prédios. Em outros casos, há o interesse de que esse patrimônio seja degradado de propósito, para que outras construções, como estacionamentos, por exemplo, sejam implantadas. 

Preservação – A superintendente estadual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Rebeca Ribeiro, explica que as três esferas de poder (federal, estadual e municipal) mantêm órgãos, cujos deveres são preservar e promover a preservação do patrimônio cultural. No caso da União, é o Iphan, no âmbito do Estado do Pará há o Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (DPHAC), ligado à Secretaria de Estado de Cultura (Secult) e, no âmbito do município de Belém, o já citado Departamento de Patrimônio Histórico (DEPH), da Fumbel.  

Segundo Rebeca, as três entidades podem tombar áreas ou imóveis individualmente e estabelecer diretrizes para salvaguarda-los. “Com relação a muitos dos prédios que nós vemos se deteriorando, é importante deixar claro que a responsabilidade e a obrigação de manter o imóvel preservado, conservado e de fazer a manutenção dele é do proprietário. O que o Iphan faz, no caso dessa edificação estar localizada numa área de tombamento nossa, é bater na porta do proprietário e solicitar que ele a mantenha preservada. Em muitos casos, autuamos aquele proprietário e emitimos multa. Às vezes, isso acaba indo parar na justiça. Tem muitos imóveis que estão sendo destruídos em Belém e sobre os quais já correm ações na justiça há dez, vinte anos”, ressalta. 

De acordo com a superintendente, atualmente, há aproximadamente 1.200 imóveis tombados pela União em Belém, na área do centro histórico.

Informações – Já a diretora do DEPH, Tainá Arruda, observa que, além de realizar trabalho semelhante do Iphan, só que no âmbito do município, o órgão também presta informações aos interessados. “Vale ressaltar que o Departamento também faz atendimento a usuários em geral, sejam profissionais, estudantes, proprietários de imóveis ou pesquisadores, dando orientação de usuários quanto às diretrizes para elaboração de projetos e execução de serviços”, acrescenta. 

Da mesma forma, a diretora do DPHAC, da Secult, Karina Moriya, destaca que, hoje, há 73 bens tombados pela Secretaria em todo o Pará. A maioria dos prédios está em Belém, mas também há patrimônios reconhecidos em diversos municípios, como Abaetetuba, Baião, Bragança, Cachoeira do Arari, Cametá, Castanhal, Óbidos, Santarém, entre outros. “O DPHAC presta assessoria técnica e acompanhamento nos projetos de intervenção nos bens culturais de reconhecido valor para o Estado, assim como também nas edificações que estão no seu entorno, uma vez que temos que analisar o conjunto no qual o imóvel está inserido, a fim de que não se perca a leitura de sua importância perante a área urbana como um todo”, aponta. 

Exemplo positivo

Um exemplo de patrimônio cultural que está recebendo restauração e, posteriormente, um novo uso, é o antigo Convento dos Mercedários, localizado no centro histórico de Belém. Cedido para a Universidade Federal do Pará (UFPA), o espaço – cuja construção teve início em 1640 – agora abriga as atividades do Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação (Lacore) e, também, da Faculdade de Conservação e Restauro da Universidade. A responsável pelos dois, professora Roseane Norat, lembra que o primeiro pedido de ocupação do prédio ocorreu em 2015, mas não foi atendido. A ideia era que UFPA e o Iphan dividissem entre si o espaço. Em 2017, a UFPA retomou a negociação com a Superintendência de Patrimônio da União, em Belém, e com a Secretaria do Patrimônio da União, em Brasília, conseguindo, após longa negociação, a cessão do prédio. Posteriormente, o Iphan declinou da ação e a universidade acabou ficando sozinha no pleito.

 
O Lacore é um laboratório de pesquisa da UFPA vinculado ao Programa de Pós-graduação em Ciências do Patrimônio Cultural (PPGPatri), que funciona no Mercedários|UFPA, e dá suporte a pesquisas envolvendo alunos de graduação da Faculdade de Conservação e Restauro (FACORE), da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e do curso de Museologia da Faculdade de Artes Visuais (FAV). Além das pesquisas de mestrado do PPGPatri, seus professores orientam também pesquisas de mestrado do PPGAU (Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo).
 
“A partir daí, o Lacore e a Universidade entraram num acordo maior, projetando-se uma ocupação em que as atividades do pavimento superior ficariam com a graduação e a pós-graduação, os laboratórios de conservação e outros laboratórios que dão suporte à pesquisa científica e, no pavimento térreo, atividades que têm uma dinâmica muito mais voltada para o público, como uma galeria de artes, um espaço museológico, uma escola livre de música e uma livraria da editora da UFPA, além de auditório”, conta.
 
Segundo a professora, no projeto submetido à Secretaria de Patrimônio da União, ficou definido que a Universidade teria cinco anos para o restauro completo do prédio. A ideia, então, foi começar a ocupá-lo e, paralelamente, realizar as obras. “As obras acabam sendo, elas mesmas, um grande canteiro de ensino, de prática, de aprendizado efetivo, tanto para os alunos da pós quanto da graduação”, completa, acrescentando que a cessão só ocorreu em abril de 2018, com outros órgãos da União ainda ocupando algumas áreas do prédio.

Para o reitor da UFPA, Emmanuel Tourinho, a criação do polo UFPA/Mercedários tem múltiplos significados, considerando o esforço para, mesmo com sucessivos cortes no orçamento da Instituição, continuar cumprindo uma das missões da Universidade, que é oferecer mais acesso a serviços de qualidade. “De um lado, trata-se de um esforço de expansão da UFPA, de criação de novas oportunidades de formação e de avanço da produção científica. Além disso, é uma iniciativa de fortalecimento da atuação em uma área, de ciências do patrimônio cultural, que é fundamental para a memória e para a afirmação de nossa identidade. Por fim, é uma aposta da UFPA na ciência e na cultura, em um momento de avanço do obscurantismo no País”, resume Tourinho.

O reitor também enfatiza que o investimento compreendeu ainda a implantação de uma subestação de energia elétrica, que já está em operação. “O que havia lá era uma ligação padrão, de pequeno porte. Com a subestação, o prédio terá uma ampliação da capacidade vinte vezes maior que a anterior, o que significa energia de qualidade para funcionamento pleno, por exemplo, da climatização de todo o espaço, equipamentos dos laboratórios – alguns, muito sofisticados –, de fornos de grande porte e equipamentos de tecnologia da informação”, finaliza.

De acordo com Rose Norat, a UFPA já investiu no espaço mais de R$ 10 milhões, em obras de instalação elétrica, climatização completa, mobiliário e outros serviços, entre os quais, o de manutenção da cobertura. Cerca de 150 alunos, da graduação e da pós-graduação, hoje, têm atividades no local. 

Flexibilização – A arquiteta Maria Dorotea de Lima é ex-superintendente do Iphan e servidora aposentada do órgão. Hoje, integra o projeto Circular, que procura, entre outras coisas, melhorar a apropriação e a utilização das estruturas e edificações do centro histórico de Belém. Dorotea vê com preocupação alguns movimentos que pregam uma maior flexibilização sobre a utilização dos espaços do centro histórico.

“Tem uma proposta circulando pela cidade que prega a redução da área do centro histórico. Qual é o raciocínio das pessoas que defendem essa ideia? Aumentar a arrecadação do município. Mas, também se pode aumentar a arrecadação do município investindo na recuperação do patrimônio. Com isso, também é possível gerar emprego, gerar renda para um número maior de pessoas. Isso não sou eu que estou dizendo, já está sendo feito no mundo, é uma coisa viável. Acho que precisamos entender que, se a área é tombada, não há alternativa, é preciso pensar em outros caminhos”, pontua. 

Espaços em degradação

A Troppo + Mulher solicitou o posicionamento do poder público a respeito de alguns prédios citados nesta reportagem e de outros que estão visivelmente em arruinamento. Vamos às explicações: 

Palacete Faciola – Segundo a Secult, a Secretaria já está com um projeto de requalificação do espaço para que ele passe a funcionar como a sede do DPHAC. O projeto, que está em fase de licitação conta também com as duas casas adjacentes, onde funcionará um auditório e o Museu da Imagem e do Som (MIS).

Ver-o-Peso – De acordo com a prefeitura de Belém, nesta semana começam os preparativos para o início da reforma do mercado do Ver-o-Peso. A primeira etapa será a construção das barracas provisórias na área do estacionamento para abrigar os comerciantes. Tanto a obra quanto o remanejamento se darão por setores da feira. As Secretarias Municipais de Urbanismo (Seurb) e Economia (Secon), juntamente com o Núcleo de Apoio à Comunidade (NAC), estão realizando reuniões com a Comissão de Acompanhamento de Obra e os diversos setores de permissionários para organizar as etapas dos serviços. 

Solar da Beira – A prefeitura de Belém informou que as obras no Solar da Beira contemplam a recuperação da cobertura com telhas de cerâmica, reparo das peças de madeira com tratamento especial para evitar ação de insetos e fungos; reforma do forro de madeira; limpeza das paredes internas de alvenaria e tratamento contra a umidade e salinidade; restauração da fachada mantendo os traços e detalhes originais com prospecção das tintas, entre outras ações. Segundo a prefeitura, o novo prazo da obra é abril de 2020. O prazo inicial era dezembro de 2019, mas precisou ser prorrogado. 

Praças – A prefeitura de Belém esclareceu que está com obras nas praças Dom Pedro II e do Relógio. Já as praças do Carmo e Visconde do Rio Branco terão obras ainda em janeiro. A praça Batista Campos, por sua vez, está recebendo obras de manutenção das suas calçadas, pontes e coreto central, supervisionadas pela Secretaria Municipal de Urbanismo (Seurb). 

Palacete Bolonha – A administração municipal também afirma que concluiu o processo licitatório de restauro do palacete Bolonha, cujas obras estão previstas para começar no mês de fevereiro.

Palácio Antônio Lemos – Segundo o município, o palácio Antônio Lemos já está recebendo obras na parte elétrica e em breve será aberto o processo licitatório para a obra de restauro geral do mesmo, assim como para as obras de restauro do Cinema Olympia.

Mercado de São Brás – A prefeitura de Belém explicou que o prazo da consulta pública sobre a parceria público-privada que será implantada no local foi prorrogado para que se intensifiquem as sugestões e participação. De acordo com a gestão municipal, mediante a concessão, o eventual empreendedor terá que realizar a reforma, restauro e demais obrigações edificantes ou não previstas para o projeto em questão, incluindo a qualificação profissional dos permissionários do complexo que integrarão o empreendimento.

Theatro da Paz – De acordo com a Secult, o Theatro da Paz passou por uma obra emergencial em 2019 para estancar infiltrações provenientes da área externa, contudo, alguns danos só agora estão se tornando visíveis devido à ação da umidade. Segundo o órgão, já estava prevista para janeiro a licitação da obra que incluirá reforma do sistema elétrico, projeto atualizado de prevenção e combate a incêndios, bem como pintura interna e externa do Theatro. A expectativa é de que a obra se inicie em dois meses.

Troppo