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Mulheres e o mercado de trabalho

Elas movimentam o país e lutam por respeito e resistência

Joyce Cursino

Maria Luísa Nunes, Geraldine, Giselle e Michelle são exemplos desse movimento, mas para falar sobre carreira, desafios e conquistas dessas mulheres é preciso negritar: Mulheres Negras Vivas. Permanecer viva é o primeiro desafio de uma mulher brasileira que se encontra na encruzilhada da opressão: Machismo e Racismo.  De acordo com os últimos dados sobre o homicídio de mulheres no Brasil, elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais para o Mapa da Violência 2015, o número de mulheres negras assassinadas cresceu 54% em 10 anos (de 2003 a 2013), enquanto que o número de mulheres brancas assassinadas caiu 10% no mesmo período.

O âmbito educacional e o mercado de trabalho também são estruturados por gênero e cor. Segundo o IBGE, apenas 10,4% de mulheres pretas ou pardas concluem o nível de superior, enquanto que mulheres brancas pontuam mais que o dobro com 23,5%. Entre 2012 e 2016 o emprego para mulheres brancas caiu de 39,7% para 38,5% dos cargos, para mulheres negras a queda foi de 39,2% para 34,5%. 

As mulheres negras sempre trabalharam

Ao dizer que as mulheres negras são a base da pirâmide social no Brasil, estamos falando não só da estatística que aponta que elas são a maioria no Brasil, mas também da própria construção desse País. Enquanto as mulheres brancas lutavam pelo direito ao estudo e trabalho, as mulheres negras trabalhavam sobre o regime do sistema escravocrata. Com o fim da escravidão, sem garantia de direitos e reparação social, muitas dessas mulheres continuaram a trabalhar em residências com baixas remunerações e péssimas condições de trabalho, perpetuando relações de servidão. Maria Luísa Nunes, de 61 anos, caçula da família, viu todas as irmãs mais velhas trilharem esse caminho e afirma que graças a elas construiu uma trajetória diferente. “Se escapei dessa sina, foi porque as mais velhas batalharam por mim”.

Maria é do Quilombo Boca da Mata, no município de Salvaterra, no Marajó. E é de lá, de um saber repassado pela avó, ainda em sua infância, que a artesã aprendeu a fazer de remendos verdadeiras obras de artes. Mas Maria ainda não tinha noção do valor de suas obras, até que resolveu unir suas habilidades em prol da luta pela vida das mulheres negras. “Em 2015 reuni um grupo de mulheres quilombolas e negras para customizar camisas de algodão à mão com retalhos de tecido africano, o foco da produção foi a autoestima da mulher negra. Vendemos 80 unidades e garantimos as despesas de viagem de um grupo de mulheres do Pará para a primeira Marcha Nacional das Mulheres Negras, em Brasília”. Assim nasceu “Amor Tecido”, um empreendimento que carrega no nome o afeto e a sabedoria que atravessaram gerações e que impulsionou um movimento de mulheres negras paraenses (além de ter integrado, esse ano, o maior evento de moda do país e o mais importante da América Latina – o São Paulo Fashion Week). 

Maria não parou por aí. Ela também é responsável pela coordenação do grupo de empreendedoras negras ‘Pretas Paridas da Amazônia’. “Nosso objetivo é construir uma estratégia coletiva para dar visibilidade à criação de mulheres pretas da Amazônia e, assim, ocupar espaços que são nossos por direito”. Ao todo, são onze empreendimentos que se organizam de forma criativa e política para participar de feiras, festivais e eventos variados. O grupo nasceu a partir de inciativa nacional, o Afrolab, que tinha a mesma lógica, mas era momentâneo e partia de um princípio universal. Foi então que as integrantes resolveram criar esse novo grupo demarcando o empreendedorismo feminino negro feito na Amazônia. “A identidade da nossa economia é afetiva, criativa e solidária”, finaliza Maria Luíza.

África na Amazônia

Um dos empreendimentos do ‘Pretas Paridas da Amazônia’ é a África Vestes, comandado por Geraldine Fadairo, 27 anos, que nasceu em Benim, país da África Ocidental, mas que também é amazônida desde de 2013, quando veio ao Brasil pela primeira vez. “Ao chegar aqui percebi que a maioria da população de Belém era negra, mas eles não se reconheciam, não entendiam que eram descendentes da diáspora africana”, conta. Em 2016, Geraldine percebeu um movimento diferente, em que mais pessoas passaram a criar o sentimento de pertencimento e orgulho pela cultura negra, e ao trazer uma leva de roupas, turbantes e artigos da cultura africana conseguiu realizar uma boa venda. “A ideia é trazer para o público brasileiro, e em específico para o público paraense, parte de sua identidade cultural mãe”, afirma.

Geraldine começou a trabalhar muito jovem, auxiliando o negócio de vendas da família em seu país. Ela veio para Belém para estudar Administração e enfrentou muitos desafios, um deles foi a descoberta do racismo. Ela trabalhava no cinema de um shopping no centro da cidade, vendendo ingressos, quando foi chamada de macaca. “Na época não dei muita importância, porque eu não entendia o que era racismo. Venho de um lugar onde o racismo não existe, então só fui descobrir o que era cor de pele quando cheguei no Brasil”.

Antes da África Vestes, Geraldine se sustentava com a bolsa de mérito acadêmico que conquistou ao longo do curso, também fez estágio e, para complementar a renda, vendia bijuterias no corredor da universidade, no intervalo das aulas. Atualmente, se dedica ao seu negócio e faz Mestrado em Diversidade Sociocultural pelo Museu Emílio Goeldi, em Belém. “Sempre sonhei em ter meu negócio. Meu maior desafio são as taxas de importação dos produtos, e mesmo fazendo Mestrado em outra área, continuo com a vontade de investir no empreendedorismo com a Moda Afro”, sonha.

Trançando o autocuidado 

‘Pretas Paridas da Amazônia’ não agrega apenas produtos da cultura negra, mas serviços. É o caso do trançado adotado por Giselle Ferreira, 34. “O trançado me proporcionou um mundo de conhecimento e empoderamento e, a partir daí, percebi que o que recebi enquanto profissão era lindo, uma arte que me salvou”. 


Antes de investir na técnica, Giselle trabalhava em uma lavanderia hospitalar e quando se deu conta de que era um trabalho desumano, à medida que não se importava com as necessidades de sua maternidade, resolveu investir no talento que tinha experimentado anos antes. Ela revela que passou a ter mais tempo com o filho e com as pessoas à sua volta, numa intensa relação de aprendizado. “É um trabalho voltado à autoestima das pessoas negras. Sempre aprendo muito com todos. Nosso trabalho é tradição e cultura”, afirma. Segundo Giselle, as trançadeiras de Belém estão se organizando cada vez para ter sua profissão valorizada e reconhecida. “O objetivo maior é manter a classe unida e promover autonomia e o bem-estar de todas”.

Transição, aceitação e força
 

Do norte ao sul, encontramos a história de Michelle Fernandes, de 36 anos, mulher negra da periferia de São Paulo que encontrou em sua realidade a realidade de milhares de brasileiras. Em 2012, ela passava por um período de transição capilar e procurava produtos para melhorar sua autoestima. Célio Campos, com quem é casada, trabalhava como carregador de tecido em uma rua têxtil, começou a levar retalhos de tecido para que ela fizesse seus turbantes, logo os seguidores de Michelle ficaram interessados naquele produto.  Ela havia acabado de ser demitida e resolveu investir 150 reais na criação da marca Boutique de Krioula.

“Não sabia que poderia empreender, achava que empreender era coisa de gente com muito dinheiro, faculdade, etc. Eu era apenas uma mulher preta, mãe, da periferia. Poucos acreditavam que o turbante ia fazer eu construir uma empresa, achavam que era apenas um passatempo. Hoje eu emprego duas pessoas! Você tem noção da responsa disso? Então todo dia é um trabalho de resiliência, foco e persistência. Isso me fez ver que eu sou forte, inteligente e que posso também ter uma empresa de sucesso. Fico feliz de fazer parte de uma geração de empreendedores que está mudando o cenário de empreendedorismo no Brasil”.

Michelle revela que não se via representada pelas grandes marcas e que o objetivo de seu empreendimento é criar essa representatividade e resgatar a autoestima da mulher negra brasileira. “São vários fatores, entre eles poder levar para outras mulheres produtos que elas se sintam representadas, que elevem a autoestima. Não tem preço quando uma cliente manda mensagem pra gente dizendo que a partir dos nossos produtos ela se sente mais conectada com suas raízes”, comemora.

Boutique de Krioula está desenvolvendo uma operação em Boston, nos Estados Unidos. O objetivo é ampliar para lojas colaborativas, além de estruturar o e-commerce. “Saber que a partir do meu trabalho eu vou poder dar um futuro melhor pra minha família, paras as famílias de meus parceiros e colocar mais gente aqui da quebrada para trabalhar na BK, me deixa bem feliz!”, conta.

Essas mulheres de diferentes gerações, origens e movimentos ousaram subverter a lógica do sistema patriarcal e racista, que sempre coloca a mulher negra em situação de submissão – e se tornaram donas do seu próprio negócio. Com isso, não só construíram um espaço de autonomia, mas também se tornaram referência e inspiração naquilo que fazem.

Para conhecer mais:
@africa_vestes
@odaraa_atelie
@boutiquedekrioula

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