MENU

BUSCA

A uma tela de distância

A pandemia do Coronavírus, entre vários aspectos, antecipou uma tendência: a dos teleatendimentos. São consultas, aulas e treinamentos realizados remotamente – e que chegaram para ficar

Lorena Filgueiras

Um meme que circulou recentemente na internet trazia as previsões do futuro dos Jetsons (desenho com mais de 50 anos de existência e que foi exibido, originalmente, entre 1962 e 1963, mas que ganhou fôlego com mais episódios duas décadas depois de sua estreia), como delivery de supermercado, limpeza automatizada, robôs domésticos, reuniões e consultas médicas a distância, por monitor de vídeo. 

É bem verdade que pouco se pode precisar sobre o futuro. Aliás, a esta altura, são inúmeras as conjecturas e apenas uma certeza: a de que quando isso tudo passar, os hábitos e valores da sociedade também terão mudado. Terão, não: já mudaram, porque não veremos mais o mundo como antes (e cada vez mais ele se parece com o mundo dos Jetsons). 

Ao alcance dos olhos e perto de um objetivo

A publicitária e estudante de nutrição, Stefânia Costa, 34, teve de rever toda sua rotina, em função da pandemia. Com as atividades profissionais transferidas para dentro de seu apartamento, Stefânia realizou algumas adaptações para que coubesse ali toda a estrutura necessária ao home office, além de organizar seus horários, definindo bem todos os afazeres, permitindo que ela também tivesse tempo para o lazer e para a atividade física. 

“Bem antes de decidirem fechar a academia que eu frequento, decidi não sair de casa. Meu esposo é hipertenso e, embora seja controlado, entendemos desde o início a gravidade e adotamos as medidas necessárias à prevenção”, conta. Com tudo nos seus devidos lugares, ela ajustou seu treino físico para ocorrer por videochamada com um personal trainer, de forma a manter-se em movimento. “Eu estava com mais pique no início da quarentena. Sou muito ativa normalmente e na academia me dedicava a várias aulas: ballet, sapateado, natação, corrida. Inicialmente consegui [manter] uma boa regularidade e as lives da academia foram muito boas pra mim, porque acabei me conectando aos professores e amigas, naquele momento de incertezas. Avançando um pouco, aumentaram os números de casos em Belém e as notícias ruins começaram a chegar com mais frequência. Confesso que deu uma baixada no meu ânimo e busquei a yoga e a meditação. Foi nesse momento em que decidi buscar ajuda de um profissional da área. Estava sem ânimo de fazer atividade com frequência, mas sei que é importante. O corpo já estava reclamando. Ter um profissional me acompanhando gera um compromisso e me motiva. O profissional só veio somar!”, afirma.   

O personal e professor de educação física Igor Silva, 27, foi o responsável por colocar Stefânia novamente no ritmo. Há seis anos no mercado, ele diz que se deu conta da gravidade da situação quando todas as grandes academias nas quais ele trabalha, fecharam as portas, no período entre 19 e 23 de março. A pandemia escancarou a necessidade de reinventar-se para garantir trabalho, já que as aulas presenciais constituíam sua principal fonte de renda. “Está sendo uma fase bem desafiadora, mas isso fez com que eu desenvolvesse outras habilidades, como maior divulgação [do trabalho] nas redes sociais, edição de vídeo, além de ter que desenvolver uma didática específica para aulas on-line”, afirma. 

Antes mesmo de tudo fechar, ela já buscava soluções. Pensando no que fazer, começou a divulgar seus serviços de tele aulas em redes sociais e nos grupos do aplicativo de mensagens. Inicialmente, seriam treinos diários por 15 dias, com vídeos autoexplicativos e, após a quinzena inicial, havia a possibilidade de renovar os serviços, adquirindo um outro pacote. “Inicialmente, [divulguei] apenas para as minhas alunas de personal, que eram 17. Atualmente, são 21”. 

As vantagens vieram para ambos os lados: Igor conseguiu manter a constância de trabalho e as alunas, têm sentido os benefícios na pele (e na mente). “Elas abraçaram o exercício físico não só como forma de manter a saúde física, mas também a saúde mental. A maioria está trabalhando em home office e foi divulgado um estudo preliminar sobre trabalhar em casa, que mostrou o aumento de dores musculoesqueléticas, bem como que dieta e exercício físico estão diminuindo. Todos esses fatores causam um sono ruim. Além disso, a maioria relatou não estar em equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Então, exercícios físicos, como forma de combater esses sintomas e o estilo de vida sedentário, se tornam importantíssimos”, explica ele.

Igor acredita, inclusive, que este será um momento divisor de águas para sua atividade e para a própria humanidade, que deverá se cuidar mais. “Acredito que temos muita oportunidade de crescimento ainda e que devemos estar em constante evolução, sempre buscando novas formas de impactar positivamente a vida das pessoas. No meu caso, através do exercício físico”, finaliza.

Se os sintomas persistirem, é só ligar

A funcionária pública Danúzia Oliveira, 35, é uma paciente estreante da telemedicina. “Nunca havia me consultado e achei simplesmente fantástico! Superou minhas expectativas”, conta eufórica.
Antes de todo o momento atual, Danúzia estava em tratamento com o médico endocrinologista. “Tinha uma meta estabelecida para o corpo e, como tenho nódulos, fazia acompanhamento frequente”, inicia. Por causa das medidas preventivas estabelecidas pela Organização Mundial de Saúde, Danúzia imaginou que seus objetivos teriam de ficar para depois da pandemia, mas a clínica ofereceu a possibilidade de atendimento remoto, via telemedicina. Quando conversamos com Danúzia, ela tinha acabado de sair da consulta. “Mostrei os resultados dos meus exames para ele, me pesei em casa e cheguei no resultado, o que já nos fez estabelecer novas metas”, comemora. “A vida continua e o médico consegue manter essa relação, transmitindo segurança para o paciente”, elogia. Entusiasta da modalidade, ela é bem realista e sabe que a telemedicina supre uma necessidade mais imediata, “mas não substitui a consulta ao vivo, que é um importante meio de manutenção das relações humanas de maneira mais concreta, além dos instrumentos específicos, que só estão disponíveis no consultório”.

Embora novata nas consultas remotas, Danúzia é uma adepta, de longa data, de resolver tudo pela internet. “Pago as contas sem sair da minha residência. Tenho feito supermercado pela web e compro frutas por meio das mensagens instantâneas”, ressalta, explicando ainda que só põe os pés na rua em último caso. “Só quero que tudo passe logo, mas fiquem em casa!”.

O profissional responsável pelo tratamento de Danúzia é o médico endocrinologista Leandro Nascimento, 39. Com quinze anos de carreira, ele conta que foi desafiador dar andamento às consultas por meio de plataformas on-line – nada que persistisse após alguns dias de prática. “Tive que adotar a telemedicina quando entramos em quarentena e o Conselho Federal de Medicina autorizou o atendimento remoto há cerca de 4 semanas. Inicialmente tive dificuldade de adaptação, mas as plataformas de atendimento médico ajudaram nesse processo e rapidamente me adaptei à nova realidade. Inicialmente os pacientes também apresentaram uma certa dificuldade, principalmente os pacientes novos, mas percebo que a resistência diminuiu bastante nas duas últimas semanas. Hoje, a maioria dos pacientes que atendo prefere fazê-lo por telemedicina, pois querem manter a quarentena o quanto possível”, conta.

Além dos pacientes habituais, o médico também pôde auxiliar os que apresentavam sintomas da Covid-19, tornando o procedimento 100% seguro para ambos os lados. Os resultados obtidos, até agora, são muito positivos, o que leva o profissional a crer que a Medicina vai aprimorar esse momento que foi antecipado. “Acredito que é um caminho sem volta, principalmente para acompanhar pacientes já atendidos presencialmente. Creio que depois da pandemia, a maioria dos médicos será a favor do teleatendimento. Mas é bom deixar claro que o atendimento presencial ainda é fundamental na assistência médica”.

A aposta pela ampliação do teleatendimento dá-se, também, em função e resposta do/ao colapso do sistema de saúde e dos hábitos conquistados neste período pandêmico. “Em primeiro lugar, devemos repensar nossas estratégias de saúde pública. Temos que criar mecanismos de proteção comunitária contra novas pandemias e as lições de higiene vão ficar internalizadas em todos nós. Além disso, acredito que muitos trabalhos podem evoluir para home office, assim como a telemedicina. A pandemia do SARS-COV-2 pode ter sido o grande estímulo final para esta evolução. Além disso, vamos aprender que estamos em um mundo onde todos dependemos uns dos outros e cada um pode fazer a sua parte para melhorar sua vida e a vida do próximo. Meus pacientes falam que agora vão valorizar mais a família, o trabalho, os amigos e inúmeras outras pequenas coisas que antes eram só rotina, mas agora fazem muita falta”, pontua.

Solução para agora e depois

O neurologista Antônio de Matos, 31, diz que a análise dos dados (em ascensão) da pandemia, chamou sua atenção, “especialmente se cruzados com as informações do sistema de atenção à saúde, que é limitado”. Preocupado com a rapidez do avanço do vírus, ele reduziu consideravelmente o número de atendimentos presenciais em seu consultório para evitar aglomerações. A adequação das consultas e adoção da telemedicina ocorreram quando o colapso do sistema de saúde era iminente. “Tenho muitos pacientes que são dos grupos de risco e para evitar expor tanto eles quanto os demais profissionais, ajustamos os atendimentos”. Ainda assim, ele conta, a média de atendimentos diminui em quase 20%. “Como os planos de saúde e convênios ainda não aderiram abertamente à telemedicina, somente em algumas situações muito específicas, muitas consultas são particulares. O atendimento remoto tem um custo, que não foi anda previsto, já que na forma tradicional, o custo é embutido na mensalidade, como uma assinatura digital, prontuário eletrônico, além da contratação de um sistema confiável de transmissão de dados”.

Matos aposta que a telemedicina é uma tendência sem volta. “Quando tudo isso passar, ela será recorrente, até para ajudar, por exemplo, pacientes com mobilidade reduzida, pessoas do grupo de risco ou que morem em locais onde não há médicos e até com limitação de tempo. Agora é importante falar que a telemedicina é voltada para pacientes ambulatoriais e de urgência-emergência. Pacientes que precisam de avaliação mais cuidadosa e intervenção precisam de mais contato com o médico”, detalha.

Troppo