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Expansão de criptomoedas muda estratégia de investidores e gera impacto no mercado

Golpes envolvendo ativos digitais causam preocupação, mas regulamentação tende a dar mais segurança a quem investe

Elisa Vaz

O crescimento acelerado das criptomoedas - as moedas digitais criptografadas - tem atraído investidores para um mercado financeiro paralelo que vai além do tradicional. Nos últimos anos, houve uma expansão a nível global desses ativos, que hoje deixam sua marca no mercado financeiro e fazem governos repensarem suas estratégias, inclusive no Brasil. Trata-se de um fenômeno que desafia conceitos e causa impacto em diversas áreas.

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As chamadas criptomoedas, como explica o assessor de investimentos Idean Alves, são ativos não fungíveis negociados através do blockchain. Em português comum, significa que essas moedas utilizam a criptografia para assegurar a validade das transações e a criação de novas unidades - tudo isso por meio da tecnologia blockchain, um mecanismo de banco de dados avançado que permite o compartilhamento transparente de informações.

Esses ativos começaram a se popularizar em 2008, quando a moeda pioneira, Bitcoin, foi criada. De lá para cá, diversos outros produtos surgiram e têm conquistado investidores mais “agressivos”, ou seja, os que estão dispostos a correr mais riscos investindo em troca de uma rentabilidade maior.

Segurança

Mas, esse crescimento também tem um impacto negativo: vários golpes envolvendo as criptomoedas fizeram pessoas perder dinheiro. A questão é que, como os ativos não são regulamentados - como o real é controlado pelo Banco Central -, fica mais difícil identificar crimes e fiscalizar o mercado.

No fim do ano passado, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou uma lei que regulamenta o mercado de criptomoedas, com definição de ativos virtuais, prestadoras, crime de fraude com utilização de criptoativos e suas penas. E, neste mês, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), determinou a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar pirâmides financeiras que utilizam criptomoedas.

“Agora que o mercado está começando a tentar esclarecer alguma regulamentação, diferente do mercado de Bolsa de Valores, de renda fixa, que são mercados regulados e fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). No caso dos ativos, por essa falta de regulação, é muito mais difícil a fiscalização e o rastreio”, diz o assessor Idean Alves.

Segundo o especialista, no entanto, se a falta de regulação é positiva ou negativa, depende da visão. “Há um certo sigilo e uma certa proteção para o investidor. Mas, também pode ocasionar em fraudes, golpes, esquemas de pirâmide", afirma. 

Idean acredita que, apesar disso, o mercado das criptomoedas seja seguro. Mas, como todo investimento, requer cuidados. Até porque, segundo ele, os golpes são os mesmos que ocorrem na Bolsa de Valores, em que os criminosos prometem rentabilidade garantida acima da média. No caso das criptomoedas, Alves declara que “não tem como garantir essa rentabilidade”, portanto, cabe ao investidor ter cautela.

A principal orientação do especialista é se atentar à empresa pela qual o investidor opera: verificar se é sediada no Brasil ou no exterior e qual a garantia de que ela vai conseguir guardar o ativo. Além disso, o ideal é não comprar qualquer moeda que surgir - as maiores referências do mercado ainda são Bitcoin e Ethereum, as mais negociadas e com mais liquidez.

“Você consegue entrar no mercado e sair do mercado, consegue comprar e, provavelmente, vai ter uma contrapartida do outro lado querendo vender, e vice-versa. Agora, quando você pega uma moeda bastante exótica, é um risco que a gente chama no mercado de ‘risco da ruína’”, explica o assessor.

De modo geral, ele acha que o sistema não só das criptomoedas, mas do blockchain, veio para revolucionar o mercado, porque existe uma quantidade limitada desses produtos e que vai decaindo ao longo do tempo. Isso significa que o valor tende a aumentar, muito por conta da oferta menor.

Proteção

Presidente da Comissão de Prevenção à Lavagem de Dinheiro e Crimes Tributários da Ordem dos Advogados do Brasil no Pará (OAB-PA), Lucas Sá Souza afirma que é “inegável que a ausência de uma regulamentação profunda cria fragilidades no aspecto ligado à prevenção de possíveis fraudes”, o que demanda cuidados que o investidor precisa tomar.

Mas, a legislação foi um avanço para coibir essas situações, segundo ele, já que a lei 14.478, de 21 de dezembro de 2022, dispôs diretrizes na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais, determinando que estas somente poderão atuar no país mediante prévia autorização de órgão ou entidade da administração pública federal.

“Além disso, a lei também tipificou como crime a fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros, inserindo-a no art. 171-A. Desse modo, o legislador criou uma modalidade específica do crime de estelionato, ligada a hipóteses em que sejam envolvidos ativos virtuais, valores mobiliários ou quaisquer ativos financeiros. Esse chamado ‘cripto estelionato’ recebeu como parâmetro de pena o mesmo que havia sido aplicado para o crime de fraude eletrônica (art. 171, §2°-A, CP), qual seja o de reclusão, de quatro a oito anos, e multa”, detalha o advogado.

Com a tipificação do “cripto estelionato”, se o crime ocorrer, a vítima deve noticiar às autoridades policiais, registrar um Boletim de Ocorrência (BO) na Polícia Civil especializada em crimes cibernéticos e procurar um advogado com urgência, podendo ainda informar o caso ao próprio Ministério Público (MP).

Um dos problemas, no entanto, segundo Lucas, é que ainda não há consenso sobre a natureza jurídica do criptoativo: mercadoria, instrumento financeiro, dinheiro, unidade de conta, renda (mineração), sistema eletrônico de pagamentos, moeda, ganho de capital (transações), bem, serviço financeiro, propriedade privada, e-money, emprego (mineração), meio de pagamento, substituto monetário. Sem a indicação sobre a natureza, não há, de acordo com o especialista, como precisar sua qualificação e consequências jurídicas.

O advogado Lucas Sá Souza acredita que a estimativa de crescimento das criptomoedas cria um modelo econômico “inescapável” e que necessita ser compreendido e devidamente regulado pelo Estado.

“É importante frisar que um dos pontos mais criticados da recente lei 14.478/2022 foi o de que ela determina a regulação das obrigações, porém, não deixa claro qual será o órgão que a realizará. A maior possibilidade quanto ao órgão recai sobre o Banco Central. Todavia, quem definirá isso será o Poder Executivo, tarefa que foi direcionada para o governo atual. Até o presente momento essa definição não foi realizada, o que faz com que a regulamentação contemple cada vez mais obstáculos”.

Perfil

Quem deseja ingressar nesse mercado precisa primeiro conhecer os riscos. Para além de golpes, o investidor deve estar ciente de que trata-se de um produto de alto risco; por isso é importante que ele tenha um perfil “agressivo” no mercado financeiro. Segundo a CVM, para investir em ativos digitais, o interessado tem que entender o risco que está tomando, além de ter o capital correspondente com aquela tomada de risco.

“Por exemplo, se você tem um montante de R$ 100 mil para investir em criptomoedas, o ideal é que esse valor não exceda 5% do seu orçamento - ou seja, você deve ter disponível ao menos R$ 2 milhões, porque, por mais que seja agressivo, também precisa ter cuidado. Se você investe por meio de corretoras ou fundos, normalmente, o sistema já acusa o risco. O mercado é altamente volátil”, pontua Idean Alves.

Com o “sumiço” de muitas moedas digitais que não deram certo, o assessor diz que houve o aumento de mercado para os investidores, que agora buscam o próximo ativo de sucesso para investir. Ainda têm grande destaque o Bitcoin e o Ethereum, que podem se valorizar muito se houver um corte na taxa de juros americana, afirma.

O ideal, de acordo com o especialista, é que o investidor se concentre nessas “moedas âncoras”, de referência, com liquidez e menor risco; a partir disso, pense em diversificar a carteira. “Você pode alocar em diversos produtos digitais e, se uma ou duas derem errado, você pulverizou muito o risco da sua carteira. Agora, se você tentar, de fato, encontrar uma aposta, colocando esses 5% em uma, duas, três moedas, acaba tendo um grande risco de perder todo esse capital. Pensando em portfólio saudável, o ideal é a diversificação”, ressalta.

Embora seja relativamente fácil investir em criptomoedas - dá para fazer isso na palma da mão, pelo celular -, Idean indica que os interessados procurem um profissional da área. Além disso, acumular o máximo de conhecimento possível antes de investir, para evitar maiores riscos.

Tendências

A popularização de criptomoedas, assim como outros ativos, tem amadurecido o mercado financeiro brasileiro. É o que diz o assessor de investimentos. Ele cita que o número de investidores na Bolsa de Valores passou de 500 mil para cinco milhões em cerca de cinco anos. Embora isso represente apenas 2,5% da população brasileira, é um avanço significativo.

“Ainda temos muito a amadurecer. Nesse embalo, vieram os ativos, as criptomoedas, que acabaram ajudando também o investidor que estava com dinheiro sobrando e preferiu buscar alternativas. Isso ajudou a educar o mercado financeiro no Brasil como um todo. O que há dois anos atrás era só uma aposta começa a ter um perfil mais de investimento”, avalia.

Ao pensar em expectativas para o futuro, Idean cita os NFTs - “Non-Fungible Token”, ou, em português, token não fungível. Trata-se de um símbolo eletrônico criado em uma plataforma blockchain para representar algum bem considerado único, como uma obra de arte, um tweet, um item colecionável e até um imóvel virtual.

“Ainda vamos ver muita coisa nesse mercado, porque começa a valorizar cada vez mais o ativo intelectual, os ativos digitais únicos. Por exemplo, o caso dos NFTs. Acho que isso deve se intensificar e a gente vai ver cada vez mais pessoas pagando valores absurdos pelos ativos digitais”.

Este é um processo que vai acontecer ao longo da próxima década, na opinião de Idean, até porque “temos muito a desenvolver, principalmente quando pensamos em metaverso, realidade aumentada. É a ideia de que as pessoas não têm só a vida física, mas também uma vida digital. E essa vida digital vai ter cada vez mais importância”, ressalta o especialista.

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