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Vagas em tecnologia passam por reviravolta e funções ligadas à IA lideram demanda

Funções ligadas à inteligência artificial, infraestrutura crítica e sistemas corporativos estão em forte expansão, segundo dados da Indeed e análises de especialistas

Fabyo Cruz

O mercado de trabalho em tecnologia vive uma das maiores transformações dos últimos anos. Depois do boom de contratações entre 2020 e 2022, impulsionado pela pandemia, o setor entrou em uma fase de reequilíbrio, com queda de 35% no volume de vagas desde então. Mas, enquanto muitos cargos tradicionais perderam espaço, funções ligadas à inteligência artificial, infraestrutura crítica e sistemas corporativos estão em forte expansão, segundo dados da Indeed e análises de especialistas.

Para Jefferson Morais, professor da Faculdade de Computação e pesquisador do LabIT da Universidade Federal do Pará (UFPA), a mudança é estrutural. Ele aponta três fatores principais: o avanço acelerado da IA, a necessidade crescente de infraestrutura robusta e o impacto direto da automação. “A IA deixou de ser apenas um diferencial e se tornou parte central de produtos, serviços e operações internas”, afirma. Segundo ele, isso elevou a procura por engenheiros de IA e machine learning, engenheiros de plataforma e profissionais de software capazes de integrar APIs de inteligência artificial.

Os dados da empresa Indeed reforçam a percepção: desde 2020, vagas para engenheiros de IA e aprendizado de máquina cresceram 334%, enquanto técnicos de data center tiveram alta de 144% e consultores SAP chegaram a registrar salto de até 356%. Funções sêniores de engenharia de software também se mantêm em alta, com crescimento de 60%. Esse movimento, segundo Morais, está ligado ao aumento da complexidade das operações digitais. “Com mais nuvem, mais automação e mais dados, esses profissionais se tornam essenciais para que a operação não pare”, explica.

Do outro lado, cargos tradicionais de desenvolvimento foram os mais afetados. Posições como desenvolvedor web (-72%), desenvolvedor .Net e Java (-68%) e UX designers (-61%) registraram retração acentuada. Analistas de programação e QA também perderam mais da metade das vagas. Para Morais, esse cenário resulta da automação impulsionada por plataformas low-code e ferramentas de IA generativa, que já realizam tarefas como documentação, prototipação, testes e até criação de interfaces. “O mercado não busca mais generalistas, e sim especialistas capazes de integrar IA ao trabalho”, diz.

Carlos Augusto Monteiro Oeiras, cientista de dados e pesquisador em IA pela UFPA, reforça que a demanda está concentrada em profissionais que aplicam e sustentam soluções baseadas em IA. Ele aponta crescimento acelerado para engenheiros de machine learning, arquitetos de cloud e especialistas em segurança da informação, que estruturam a base tecnológica necessária para produtos inteligentes. “A maioria dos produtos de IA e de dados precisa estar em algum lugar, e quase tudo hoje roda em cloud. Esses profissionais fazem tudo isso acontecer”, afirma.

Segundo Oeiras, porém, essa evolução tem efeitos preocupantes para iniciantes na área. Ele observa que tarefas básicas — antes atribuídas a desenvolvedores júnior — hoje são automatizadas, o que dificulta a entrada de novos profissionais. “O básico já está muito bem direcionado por produtos que as empresas utilizam. Isso mexe com as atividades do dia a dia de quem está começando”, alerta. Ele também destaca que desenvolvedores que resistem ao uso de IA ou não se adaptam a novas ferramentas são os mais impactados.
Apesar da pressão por eficiência, Oeiras enfatiza que falar em “extinção” de funções é precipitado; trata-se de transformação. Sistemas críticos — como plataformas financeiras, e-commerce e legados complexos — continuarão exigindo atuação humana especializada. Já áreas que dependem de criatividade, como front-end, enfrentam mudanças profundas. “Ferramentas estão substituindo parte da criatividade por rotinas automatizadas. Isso cria um cenário agressivo para profissões que antes dependiam dessa entrega”, diz.

A regionalidade também influencia a velocidade das mudanças. Para Oeiras, comparar mercados como Pará, São Paulo e Estados Unidos não faz sentido: maturidade digital e capacidade de investimento variam muito. Ainda assim, ele afirma que o movimento geral é claro — a adoção massiva de IA está redesenhando prioridades, processos e perfis profissionais. “Hoje, tudo se reflete na utilização desses produtos de IA. É um novo ciclo, e os profissionais precisam acompanhar”.