Pará registra 35 golpes virtuais por dia nos sete primeiros meses de 2025, aponta Segup
Fraudes cada vez mais sofisticadas usam inteligência artificial e exploram a confiança das vítimas
Um simples clique pode custar muito caro. No Brasil, um em cada três cidadãos foi vítima de algum golpe digital com prejuízo financeiro nos últimos 12 meses, segundo levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). São cerca de 56 milhões de pessoas atingidas por fraudes que vão desde o não recebimento de produtos pagos até transferências via Pix e clonagem de cartões. O impacto econômico é gigantesco: R$ 111,9 bilhões foram subtraídos da população nesse período.
Os casos seguem a mesma tendência no Pará, atingindo tanto consumidores quanto empresas. Dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) mostram que, somente entre janeiro e julho de 2025, já foram contabilizados 7.379 casos de estelionato virtual no estado, o que corresponde a 74,4% do total de ocorrências de 2024 (9.917). Com 35 casos por dia, o número parcial indica que 2025 pode superar com folga o ano anterior.
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A criatividade dos golpistas, impulsionada pelo uso de inteligência artificial — que já permite desde clonagem de voz até deepfakes (imagens manipuladas digitalmente) — preocupa especialistas. Se até pouco tempo os riscos estavam restritos a links suspeitos e mensagens falsas, agora a fraude pode chegar na forma de um vídeo realista com a imagem de um parente ou executivo pedindo uma transferência de última hora.
Vítima duas vezes
Uma profissional freelancer de 42 anos, moradora do bairro da Sacramenta, em Belém, que preferiu não se identificar, já enfrentou diferentes tipos de fraudes. A primeira foi relativamente simples: uma compra parcelada de R$ 300 feita com seu cartão habilitado para pagamento por aproximação. O banco identificou a movimentação fora do padrão e orientou que ela contestasse. O valor foi reembolsado.
O segundo episódio foi mais grave. “Recebi um e-mail do meu banco informando uma compra de R$ 1.400. Liguei para o número que constava na mensagem e a pessoa foi muito convincente, dizendo que eu havia sido vítima de golpe e precisava confirmar dados e até aumentar o limite do cartão. Fiz tudo o que pediram sem perceber que aquele era o golpe”, conta.
Ela só percebeu o crime quando o suposto atendente mencionou outra instituição financeira. “Na hora desconfiei e encerrei a ligação. Depois soube que tentaram fazer um empréstimo de R$ 5 mil e várias compras, mas o meu banco conseguiu barrar todas as investidas dos golpistas”, lembra.
O abalo emocional foi imediato. “Tremia inteira. Se eu não tivesse agido rápido, teria perdido pelo menos R$ 5.500. Desde então, passei a ser muito mais cuidadosa. Não uso mais cartão por aproximação, só passo na maquininha digitando senha. Também nunca mais respondi a e-mails ou mensagens suspeitas. Só falo com o banco pelos canais oficiais”, detalha.
Ela reforça o alerta para pessoas próximas. “Os idosos são os mais vulneráveis. Muitos acreditam sem questionar. Acho fundamental orientar e acompanhar para que não caiam nesses golpes”, indica.
Golpes cada vez mais sofisticados
Para o professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e especialista em inteligência artificial, Igor Gammarano, o cenário ainda vai se tornar mais complexo. “O que vemos hoje é apenas o início. Deepfakes e outras tecnologias de simulação hiper-realista estão ficando acessíveis, rápidas e baratas. Isso significa que criminosos não precisarão de grandes recursos técnicos para criar vídeos convincentes de executivos, familiares ou líderes de organizações pedindo transferências urgentes”, afirma.
Segundo ele, a vulnerabilidade humana diante de sinais visuais e emocionais é explorada pelos golpistas. “Psicologicamente, o ser humano reage de forma imediata a rosto e voz. Isso torna esse tipo de fraude muito mais persuasiva que uma mensagem de texto. Devemos esperar um crescimento acelerado desses golpes”, projeta.
A preparação das instituições ainda não é suficiente, de acordo com o especialista. “Bancos e big techs estão correndo atrás do prejuízo. Já existem testes com soluções que analisam microexpressões faciais e padrões de voz impossíveis de serem replicados por algoritmos, mas é uma corrida em que a linha de chegada muda o tempo todo. A assimetria é clara: para o golpista basta um ataque bem-sucedido; para a instituição, é preciso bloquear milhares de tentativas diárias”, analisa.
Legislação precisa de aperfeiçoamento constante
Do ponto de vista jurídico, os desafios também se multiplicam. O advogado e consultor em proteção de dados, Felippe Bibas Maradei, explica que o Brasil tem importantes legislações, como o Marco Civil da Internet, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Código Penal adaptado ao estelionato digital, mas ainda insuficientes para acompanhar a velocidade da inovação criminosa.
“A dificuldade em identificar os autores, que utilizam servidores estrangeiros e técnicas de ocultação, é enorme. Também há problemas na coleta e preservação da prova digital, que precisa manter sua integridade para ter validade jurídica. Mesmo com avanços, a legislação ainda corre atrás da sofisticação dos golpes”, avalia.
De acordo com Bibas Maradei, novas iniciativas estão em discussão, como o aumento de penas, maior cooperação entre bancos e autoridades para bloqueio imediato de valores e exigência de transparência das plataformas digitais. “O combate exige integração entre legislação, tecnologia, educação e cooperação internacional. O Direito, sozinho, não resolve”, garante.
Ações dos bancos
Por meio de nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que as instituições financeiras associadas investem cerca de R$ 4 bilhões por ano em segurança tecnológica, o que corresponde a 10% dos gastos do setor com TI. Também financiam campanhas educativas em rádios, TVs e redes sociais, além de manter o portal antifraudes.febraban.org.br.
Entre as ações de cooperação está o Projeto Tentáculos, realizado em parceria com a Polícia Federal, que reúne notícias-crime de fraudes em um banco de dados único. Entre 2018 e 2023, foram registradas 200 operações, 445 mandados de busca e apreensão e 81 prisões.
Segundo levantamento da entidade, os golpes mais comuns em 2024 foram a clonagem de WhatsApp, a falsa venda em e-commerce e o falso funcionário de banco. Para se proteger, recomenda-se ativar a verificação em duas etapas no aplicativo de mensagens instantâneas, desconfiar de preços muito baixos e de lojas desconhecidas e nunca fornecer senhas ou fazer transferências por orientação de terceiros. É essencial confirmar sempre as informações nos canais oficiais dos bancos.
Como se proteger de golpes digitais
1. Nunca faça transferências apenas com base em mensagens ou vídeos, mesmo que pareçam reais. Confirme por outro canal.
2. Desconfie de e-mails, ligações e mensagens pedindo senhas, dados pessoais ou aumento de limite. Bancos não solicitam esse tipo de informação.
3. Ative a autenticação em duas etapas em aplicativos como o WhatsApp.
4. Desabilite o pagamento por aproximação, especialmente se não usar com frequência.
5. Oriente idosos e familiares mais vulneráveis. Eles são alvos frequentes.
6. Ao receber boletos, confira sempre os dados do beneficiário antes de efetuar o pagamento.
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