Transtorno bipolar: intensidade emocional diferencia doença de simples variação de humor
A novela Dona de Mim coloca a saúde mental em debate, mostrando os desafios da bipolaridade e na vida real, pacientes relatam a importância do autoconhecimento, do tratamento e do apoio familiar

A novela Dona de Mim, da TV Globo, tem colocado em pauta a saúde mental com a personagem Filipa, vivida por Cláudia Abreu, que enfrenta os altos e baixos do transtorno bipolar. Fora da ficção, a realidade de quem vive com o diagnóstico ainda é cercada de estigmas, mas também de superações. O escritor e jornalista Tiago Júlio Martins recebeu o diagnóstico em 2013 e conta como aprendeu a lidar com a condição sem deixar que ela o definisse.
“No início, tive muita resistência. Naquela época se falava muito pouco sobre saúde mental. Com o tempo e com o apoio da psicoterapia, consegui ressignificar o diagnóstico e enxergar o transtorno como parte de mim, mas não como a totalidade do que eu sou”, explica.
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Para ele, o maior desafio não é o tratamento em si, mas o constante exercício de autoconhecimento. “É difícil, às vezes, diferenciar uma emoção natural de algo que possa estar fora do eixo. Mesmo com anos de acompanhamento, ainda preciso estar muito atento aos meus sentimentos”, afirma.
O suporte familiar foi decisivo em sua trajetória. “Sem o apoio afetivo, social e financeiro da minha família e amigos, não teria conseguido chegar até aqui. Graças a esse apoio, publiquei dois livros e sigo me reinventando”, celebra. A literatura e a arte também foram aliadas na sua caminhada de cura.
A busca por sentido o levou à Psicologia. Prestes a se formar, Tiago enxerga na prática clínica uma forma de devolver o que recebeu. “Quero acolher pessoas que passam por dores semelhantes às minhas. É uma profissão que exige escuta e afeto, algo que aprendi com a vida.”
A quem recebeu o diagnóstico recentemente, ele deixa um recado: “Não tente enfrentar isso sozinho. Busque apoio, seja na rede pública, nos CAPS ou onde for possível. O diagnóstico não é o fim, mas um recomeço. Há vida possível, e bonita, apesar do transtorno.”
Intensidade diferencia bipolaridade e mudanças comuns no humor
Nem toda pessoa com variações de humor é bipolar. Segundo o psiquiatra Dirceu Rigoni, de Belém, oscilações emocionais são naturais, mas é a intensidade dessas mudanças que diferencia uma variação comum de humor da bipolaridade.
“O transtorno bipolar tem como característica o indivíduo alternar entre humor deprimido, muitas vezes semelhante ao transtorno depressivo, e humor ‘elevado’, com euforia ou irritação excessivas. Há também diminuição da necessidade de sono, que é diferente da insônia, quando a pessoa sente necessidade de dormir, mas não consegue; aumento da energia para realizar atividades; e menor ‘freio’ para tomar decisões, como em compras impulsivas, múltiplos relacionamentos, jogos ou outros comportamentos impulsivos. Todos temos oscilações de humor naturalmente, isso faz parte da vida. A diferença, para se tornar um transtorno, está na intensidade do episódio de humor, suficiente para causar prejuízos e sofrimento ao paciente, e também na duração, que geralmente vai de alguns dias a semanas, podendo chegar a meses em cada polo”, explicou.
Ainda segundo o médico, o transtorno bipolar pode ser dividido em tipo I, que pode ser diagnosticado apenas com o episódio de mania, mesmo sem histórico de depressão; e tipo II, que exige obrigatoriamente histórico de hipomania e de depressão.
“O tipo I é caracterizado pela mania, o polo oposto da depressão, e o tipo II pela hipomania, uma forma menos intensa. Mania é o estado de humor ‘elevado’; a hipomania é semelhante, mas mais leve. Um paciente em mania geralmente fica muito desorganizado em suas ações: todos os sintomas são mais exacerbados. Ele praticamente não sente necessidade de dormir, talvez apenas uma ou duas horas por noite, fala muito, pensa de forma acelerada, tem muitos planos e ideias, tudo com muita intensidade. A hipomania, por sua vez, é mais sutil e, às vezes, difícil de identificar, embora ainda possa causar prejuízos”, contou.
O diagnóstico do transtorno bipolar, segundo o psiquiatra, é clínico, feito a partir do histórico e da observação da evolução do paciente. Muitas vezes, é difícil de estabelecer, podendo levar até dez anos para que a pessoa receba o diagnóstico correto. Após a confirmação, o tratamento combina medicações e acompanhamento psicoterápico.
“Geralmente seguimos protocolos específicos para o transtorno bipolar. Os medicamentos são escolhidos conforme as características clínicas do paciente e o tipo de episódio de humor em que ele se encontra no momento. Além da medicação, o acompanhamento psicoterápico é fundamental, já que o paciente costuma apresentar sofrimento e prejuízos significativos, inclusive sociais. Muitas vezes, essas vulnerabilidades dificultam a adesão ao tratamento e ao cuidado médico de modo geral”, explicou.
O médico também ressalta a importância do apoio familiar durante o tratamento. “É essencial ajudar na adesão, garantindo que o paciente não interrompa as medicações. Além disso, é importante não julgar, menosprezar ou culpá-lo pelos comportamentos em momentos de crise, o próprio paciente já tende a se cobrar e se culpar o suficiente. Também é fundamental não estimular comportamentos de risco ou que causem instabilidade, como o consumo de álcool, drogas, noites maldormidas ou excessos em geral”, finalizou.
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