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Rede de solidariedade ajuda a manter abrigos de animais em Belém

Voluntárias relatam aumento do número de resgates de cães e gatos vítimas de abandono e maus-tratos

Fabrício Queiroz

Avistar gatos e cachorros perambulando pelas ruas em busca de comida, adoecidos ou acidentados é uma cena comum na Região Metropolitana de Belém. Para muitos a reação é de indiferença, mas para outros a constatação dessa situação de vulnerabilidade e dos seus riscos para a saúde pública se tornou uma missão solidária, que envolve resgate, cuidado, atenção e a busca de lares para esses animais.

O problema é crítico em todo o Brasil, onde existem cerca de 30 milhões de animais vivendo nas ruas, sendo 10 milhões de gatos e 20 milhões de cães, segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS). Além disso, Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) emitiu alertas afirmando que os casos de abandono teriam subido nos últimos anos durante a pandemia de covid-19. Com isso, aumentaram também os riscos para o coletivo da sociedade, como ocorrência de zoonoses, acidentes de trânsito e ataques contra outros animais e pessoas.

A consciência sobre esses impactos e o amor pela causa animal é o que motiva pessoas como a pensionista Dilma Lúcia Rego Santos, que há 23 anos se dedica a acolher e destinar a tutores responsáveis os cães e gatos que resgata no distrito de Outeiro, em Belém. Dilma conta o trabalho voluntário começou com a mãe dela, mas gradativamente se tornando cada vez mais parte de sua vida, tanto que o abrigo que mantém na própria casa na ilha é denominado Abrigo da Dona Dilma.

No passado, eram apenas seis animais, mas hoje são 135, sendo 105 gatos e 30 cachorros com as mais diversas necessidades. Alguns já são idosos, apresentam problemas de saúde e não encontraram tutores, como é o caso da cadela Lady, que chegou ao local em 2011, ou da gatinha Tati, de 12 anos. Para os mais jovens, como o cachorro Michael, de 1 ano, a esperança de adoção é maior.

Para ela, é perceptível o crescimento dos casos de abandono, principalmente nos últimos três anos. “Eu achava que ia chegar um tempo que isso ia diminuir, mas ao contrário aumentou muito. É muito abandono, muito maus-tratos, animais batidos ou deixados na ponte, tem até caso de gente que quer matar o bicho porque está com sarna, sendo que o tratamento pra isso é bem simples”, lamenta a protetora.

Em paralelo, as dificuldades para manter o abrigo também ficaram maiores com o recebimento de menos doações e o encarecimento dos custos com alimentação, limpeza e tratamentos veterinários. “Hoje em dia, eu recebo menos ajuda. O custo cresceu, principalmente de mantimento, de material de limpeza e também materiais como curativo, gases e soro fisiológico. Tudo isso a gente ganhava e parou de chegar. Se tivesse menos animais, daria para compensar, mas nesse período aumentou a quantidade de animais, então tudo ficou mais difícil”, comenta Dilma, que busca nas redes sociais fortalecer a rede de apoio para o projeto.

“Esse é um problema sério em Outeiro porque eu percebo que muitas pessoas vêm e vão trazendo os animais. Com o tempo, elas se mudam e deixam os animais para trás ou presos em casa. Eu fico muito chateada com isso. A gente tenta cuidar dos que já estão no abrigo, mas acaba tendo que cuidar também de outros que estão pela rua. Um exemplo é que toda noite eu dou comida para 18 gatos da rua, fora os que estão comigo, mas eu não tenho mais condições de abrigar mais animais”, completa Dilma.

Da mesma forma, a autônoma Carla Moreira nota que os desafios são maiores atualmente. Embora os desafios sejam grandes e de necessitar de doações e vaquinhas, ela diz que não pensa em abrir mão do trabalho voluntário que desenvolve há 13 anos à frente do Lar 4 Patas, que também funciona no distrito de Outeiro.

“Antes eu morava no bairro do Tenoné e comecei lá a fazer os resgates porque eu percebia que tinha muito animal abandonado. Peguei o primeiro, peguei o segundo e depois não parou mais. No total, hoje são 70 animais, sendo 50 gatos e o restante de cães”. Entre eles, os mais antigos são a cachorra Mia, de 10 anos; o gato Michael, de 11 anos; e o cão Meninão, de 2 anos, que apesar de ser um dos mais novos é o maior animal da casa.

“Um dos desafios é conseguir a alimentação para os gatos, mas fora isso a gente precisa de produtos de limpeza e tem os gastos com o espaço que é alugado. São várias dificuldades e a situação é precária, mas a gente dá continuidade porque eu já tirei esses animais da rua, eu não vou jogar eles de novo. É uma lida todo dia, eu não descanso, deixo pra fazer meus serviços depois de cuidar deles, mas não penso em deixar eles”, relata Carla.

Legislação prevê punição para quem pratica maus-tratos

Segundo a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998), maltratar, praticar abuso, ferir ou mutilar animais silvestres, domesticados, nativos ou exóticos é um delito com pena prevista de três meses a um ano. Mais recentemente a Lei nº 14.064/2020 atualizou o texto e ampliou a punição para casos de maus-tratos contra cães e gatos. Quando se trata dessas espécies, a punição prevista é de reclusão de dois a cinco anos, multa e proibição de guarda.

Na avaliação do presidente da Comissão de Defesa dos Direitos dos Animais (CDDA) da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Pará (OAB-PA), Albeniz Neto, o endurecimento das penas é um avanço no sentido de garantir maior proteção, já que podem ser aplicadas inclusive aos atos de abandono.

“Abandonar animais pode ser considerada uma forma de praticar maus-tratos. A tipificação do crime depende de uma interpretação subjetiva, pois depende das circunstancias em que o ato foi feito, porém a CDDA vem fazendo campanhas e a própria jurisprudência vem reconhecendo que relegar um animal à fome, fazer com que ele passe frio ou esteja sujeito a sofrimentos é uma forma de maltratar”, afirma o advogado, que, no entanto, observa que ainda há entraves para a efetivação do que prevê a legislação.

“O primeiro é a execução propriamente dita e o segundo diz respeito à conscientização. O Brasil conseguiu avanços em lei, mas não coloca em pratica. A estrutura da polícia e das prefeituras não vem avançando para atuar em relação a isso, por exemplo. Outro pilar é o educacional. Existem leis estaduais e municipais sendo votadas e aprovadas, mas elas são esquecidas se não se leva essa formação para a comunidade”, analisa

Para ele, organizações voluntárias que atuam na causa animal cumprem um papel importante por suprir algumas carências do poder público. “São essas organizações e protetores que tem essa missão de vida que acabam atuando de forma mais incisiva e executando uma tarefa que é paralela a do Estado. É preciso que a estrutura do estado e dos municípios assumam esse compromisso”, reitera Albeniz Neto.

Aliado a isso, o presidente da CDDA destaca que a sociedade pode contribuir com a garantia dos direitos dos animais provocando a atuação dos órgãos ambientais e de segurança. “Hoje em dia, todo mundo tem um smartphone que pode ser usado para produção de provas, desde que não coloque em risco o denunciante. É possível fotografar, filmar e a partir daí acionar a autoridade pública. Isso pode ser feito de forma anônima pelo número 181 e gera uma demanda para que a delegacia especializada atue nesses casos”, orienta o advogado.

Serviço: Saiba como adotar animais abandonados e como ajudar projetos de defesa dos direitos dos animais:

Lar 4 Patas - Instagram: @carlamoreira.lar4patas

Abrigo da Dona Dilma – Instagram: @abrigodonadilma e @adocaodonadilma

Responsabilidade Social