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Projetos de Belém buscam promover o protagonismo de jovens da periferia através do audiovisual

Para idealizadores, as iniciativas criam a possibidade de sonhos e um autoconhecimento por meio das histórias contadas

Camila Azevedo
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Os abismos criados pela desigualdade social, além de afetarem a renda média da população do Pará - atualmente em R$ 507, de acordo com um levantamento recente da FGV Social - também prejudicam práticas simples do dia a dia. Idas ao cinema ou acesso a conteúdos e equipamentos de produções audiovisuais acabam sendo privilégios de poucos e, quem é morador dos bairros periféricos de Belém, sente mais dificuldade no processo. Por isso, com o objetivo de apresentar, fomentar e divulgar essa realidade, iniciativas, como o Cine Clube da Terra Firme, atuam e desenvolvem projetos de inclusão e protagonismo com crianças e jovens, pensando no futuro e valorizando a história pessoal de cada um.

A iniciativa começou em 2018, após uma chacina ser registrada no bairro. No mesmo ano, o filme Pantera Negra estava em cartaz nos cinemas. Foi, então, que a professora Lília Melo, primeira do Norte do Brasil a representar sua categoria no Global Teacher Prize, teve a ideia de levar 400 alunos das escolas públicas e de coletivos da Terra Firme para uma das sessões. Antes da pandemia, o Cine Clube contava com cerca de 80 participantes. Agora, mais de 40 fazem parte dos sete grupos de trabalho que compõem as atividades. Todos envolvem a cultura e vão desde a produção de peças artísticas por meio da dança, poesia, teatro, música, até os documentários, considerados como sendo o foco principal da atuação.

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Kleidiane Sousa, produtora do projeto, conta que, após a sessão cinematográfica com os alunos, os organizadores queriam saber como foi a experiência de cada um e o que acharam do passeio. “Tivemos a ideia de fazer com que esses meninos contassem como foi. Então, eles começaram a ir para as escolas, universidades, palestras e rodas de conversa sobre como se sentiram dentro do cinema. Assim, tivemos outra ideia: fazer um documentário para eles contarem essas histórias e eles começaram a produzir, a se reconhecer como protagonistas, desenvolver os filmes e saber como se encaixavam, descobriram que gostavam de audiovisual e que era legal contar a própria história”.

No início, o Cine Clube trabalhava apenas com o audiovisual, mas viram que os participantes tinham outras formas de expressão. “Mesmo assim, carro-chefe é o audiovisual. O que a gente faz? A gente pega essas expressões, faz um grande sarau, um evento, e o audiovisual entra recolhendo isso tudo, para poder ser exibido e contar o que foi observado. Eles são os roteiristas, são os diretores e os personagens, que contam a própria história. Porém, existem as pessoas parceiras, que vem às vezes fazer oficina e facilitar essa troca para produzir o produto. O objetivo maior é fazer com que esses meninos saibam, de fato, qual a identidade dele, e a valorização do protagonismo, do que eles produzem”, afirma Kleidiane.

Projeto leva cinema às ruas da Terra Firme

Os documentários e curta-metragens produzidos pelos jovens do Cine Clube, mostrando e contando a história de cada um, são exibidos em diversos lugares: sessões são promovidas em escolas, coletivos e nas ruas do bairro da Terra Firme. "E o audiovisual salva. Salva vidas, pessoas, jovens e o projeto consegue fazer isso. Essas histórias [exibidas] são as próprias histórias daqui. Às vezes, as pessoas de fora entram em contato com a gente e nos sentimos representados, tem o Cine Garagem, Cine Mirante… A gente não consegue agregar todo mundo dentro de um espaço, então, levamos pras ruas para as pessoas terem esse acesso onde a gente não consegue chegar muitas vezes, que é lá no centro”, completa.

image Além das produções audiovisuais, o Cine Clube da Terra Firme promove sessões de cinema para mostrar à comunidade o resultado do projeto (Ivan Duarte / O Liberal)

Jovem realizou sonhos por meio do projeto

O estudante Maciel Loureiro, de 21 anos, já tem formação concluída na área de tecnologia da informação, porém, foi ao começar a participar do Cine Clube, em 2021, que o sonho de trabalhar e se especializar em audiovisual ganhou forma. “O projeto eu conheço desde o início. Mas, quando iniciou, eu acabei indo estudar em tempo integral. Mas, consegui conciliar e entrei aqui. Eu comecei há dois anos na área da dança. Quando fui vendo, acabei passando para o audiovisual, que é uma coisa que eu sempre buscava, mas achava que não era bom. Então, conforme o tempo, fui aperfeiçoando e descobrindo as partes da edição e da captação”, conta.

Maciel é um dos coordenadores do grupo de trabalho de audiovisual. Desde o início, desenvolvia de tudo: aprendeu a fotografar, filmar, editar e a utilizar as redes sociais para divulgar as ações do projeto. “Dependendo de quando precisa, faço todo o mapeamento de equipamento, falo com as pessoas que vão ser filmadas, vejo se a pessoa vai se sentir bem sendo filmada, se não, com quem conversar, a gente dá um jeito. O Cine Clube não é importante só para mim, mas para todos. A pessoa se redescobre e acaba se aprimorando nas habilidades que, de início, sabe que tem ou tem medo de não ser bom e não ser capaz”, finaliza o estudante.

Escola itinerante de cinema luta para promover espaços igualitários

Foi por perceber que o cinema era composto majoritariamente por pessoas brancas, que a atriz e cineasta Joyce Cursino, de 26 anos, criou a própria produtora com foco em desenvolver projetos que promovam a democratização do acesso ao audiovisual nas periferias e comunidades tradicionais da Amazônia. Uma dessas iniciativas, o Telas em Movimento, é uma escola itinerante que passa pelas comunidades fazendo oficinas. O resultado final do que é aprendido nas aulas é um filme e cada produto é adaptado de acordo com a realidade de cada espaço visitado. Ou seja, se no bairro só tiver celular, é com o aparelho que o material será criado.

“Se estão mobilizadas com equipamento, a gente usa também, porque esse projeto é feito em parceria com lideranças comunitárias quilombolas e indígenas. O contato com os alunos é muito importante pra gente, porque percebemos a importância da produtora, principalmente para negros e indígenas dentro das univerdedes, eles já enxergam a gente como uma referência. Para além do Telas, a gente faz alguns processos. Nos próprios filmes, a gente tá sempre tentando fazer com o elenco da comunidade, da região, que tem a vivência. Eles são os protagonistas das histórias. Cinema é um lugar machista, racista e xenofobico, é contra isso que a gente luta”, afirma Joyce.

A ideia é que, futuramente, a produtora passe a contratar os jovens que fazem parte dos projetos, dando uma oportunidade de trabalho para quem sente identificação com a área. “Agora, a gente deu segmento em um laboratório dentro da produtora. A nossa ideia é que a gente chegue em uma maturidade de contratar monitores, estagiários, para eles trabalharem com a gente, fazer parcerias com universidades… Eu penso que todas as produtoras devem se comprometer com esse trabalho de absorção de mão de obra do mercado. Tem pessoas que têm muitos talentos a serem absorvidos”, completa a atriz.

O cinema gera possibilidade de sonhos, diz cineasta

Joyce ressalta, ainda, que muitas realidades são transformadas dentro das comunidades por meio do cinema. “A gente faz uma troca, a comunidade tem uma história pra contar e a gente tem uma habilidade, conhecimento, e com isso a gente faz o filme. Na minha visão como realizadora e idealizadora do projeto, é que o cinema muda a forma como as pessoas se veem, ele promove autoestima, ele gera possibilidades e sonhos que estão além da nossa própria realidade, porque ela é muito cruel e dolorosa. O cinema, como a sétima arte, vem para resolver isso, essa dor de a gente nunca estar satisfeito, então, se ver na tela é uma grande oportunidade de se ver de uma forma diferente daquilo que é contado pela pessoa branca ao longo da história, é uma história contada para nós e por nós. É isso que importa”.

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