MENU

BUSCA

Projeto combate a violência sexual contra crianças no Marajó

Atuação ocorre em 17 municípios do arquipélago, conduzida pelo Ministério Público do Estado

Elisa Vaz

Apenas nos primeiros meses deste ano, 1.500 estupros foram registrados no Pará. Os dados são da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Segup) e representam, em média, oito ocorrências de violência sexual por dia. Do total de casos, 70% são contra vítimas consideradas vulneráveis socialmente: crianças, adolescentes, mulheres, idosos e transgêneros. A Segup também informou que, na Região Metropolitana de Belém, a cada hora, cerca de três casos de estupro são registrados.

Dados mais antigos da Coordenação Estadual de Saúde do Adolescente, ligada à Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), mostram que, entre os anos de 2013 e 2017, quase 4.500 casos de violência sexual contra adolescentes ocorreram no território paraense, cometidos nas regiões Metropolitana (2.644), Tocantins (689), Baixo Amazonas (260), Carajás (237), Marajó (202), Lago de Tucuruí (138), Rio Caetés (121), Xingu (117), Araguaia (32) e Tapajós (32). Além disso, foram outros 2.857 casos de violência sexual contra crianças. Incluem-se assédio, estupro, pornografia infantil e exploração sexual.

Para combater números alarmantes, o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) possui o Programa de Ações Multissetoriais para o Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes no Arquipélago do Marajó. As ações abrangem os municípios de Cachoeira do Arari, Muaná, Ponta de Pedras, Soure, Salvaterra, Santa Cruz do Arari, Breves, Afuá, Anajás, Bagre, Chaves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Oeiras do Pará, Portel e São Sebastião da Boa Vista.

Segundo a coordenadora do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do MPPA, que engloba as ações institucionais no âmbito estadual, promotora Leane Fiuza de Mello, o grupo foi criado para minimizar a ausência do poder público na região. “As pessoas que vivem ali dizem que não há investimento em políticas públicas no local, e moradores se sentem esquecidos. Essa foi uma forma de fortalecer essa atuação”, disse.

Desde 2018, os promotores de Justiça são motivados a realizar ações de mobilização a favor da dignidade sexual de crianças e adolescentes, estimular o fortalecimento das políticas públicas para a infância e juventude, fomentar a realização de diagnóstico das principais demandas da população infantojuvenil em cada município, apoiar a realização de projetos de enfrentamento aos fatores de risco que expõem crianças e adolescentes à violência sexual e fortalecer estruturas de proteção por meio do desenvolvimento social, entre outros.

“Nos reunimos pela primeira vez no ano passado, quando começamos o enfrentamento ao abuso sexual de menores. Discutimos a violência sexual, que é histórica, cultural e, mais do que isso, geracional. Mulheres, principalmente, são submetidas a essa situação, desde o abuso até a prostituição, porque viram as avós e as mães passarem pela mesma coisa. Muitas vezes não se veem como vítimas, e nossa intenção é mudar essa visão”, comentou a promotora.

O que a equipe percebeu, ao chegar no Marajó, foi a baixa credibilidade nos órgãos de Justiça – os moradores não viam retorno quando denunciavam. Portanto, a ideia do MPPA, inicialmente, foi de aproximação junto aos adolescentes e crianças, debatendo diretamente com eles e fortalecendo relações para o futuro. Com esse objetivo, foi criado o Concurso Cultural Infantojuvenil de Desenho e Redação, para estimular os participantes a expressarem, por meio da arte, histórias e experiências com a temática central do programa: exploração sexual.

Na primeira edição do concurso, cerca de 5 mil pessoas participaram, enquanto a ação deste ano alcançou o dobro. Em 2018, o tema foi mais geral, sobre violência sexual, e, em 2019, o foco foi na exploração sexual, quando o abusador obtém lucros, como nos casos de prostituição infantil. A partir das atividades, a coordenação já notou resultados nas políticas de prevenção aplicadas, como o aumento no número de casos de investigação relacionados à violência sexual de crianças e adolescentes; atuação mais próxima da polícia, já que muitas prisões foram efetuadas; mais atendimento no sistema de saúde; além da criação de creches e ampliação do quadro profissional na área da educação.

A maior importância, segundo Mello, é disseminar a discussão sobre esse assunto entre os jovens. “Acredito que seja essencial fortalecer a cidadania dos menores por meio do debate. Eles passam a entender melhor seus direitos, até porque as crianças mais afastadas não têm conhecimento, os pais não conversam com filhos sobre sexualidade. Atuamos muito na abordagem do desenvolvimento sexual como direito fundamental garantido”, destacou a coordenadora.

Além disso, promotora também acredita que, com as discussões, cresce a capacidade de resistência das crianças, que aprendem a lidar melhor com a situação. Uma das dificuldades dos familiares das vítimas é em relação ao processo de acompanhamento psicológico de quem sofreu violência, de acordo com a assistente social e coordenadora do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), Andréa Marçal.

Ela explicou que existe uma série de cuidados necessários com as vítimas de violência sexual. “Não pedimos que elas relatem o que aconteceu, porque, provavelmente, já fizeram isso no momento da denúncia e não querem repetir. Também orientamos a família, que é muito importante no processo. Eles chegam fragilizados e, muitas vezes, não sabem como lidar. Então, fazemos uma série de orientações, como não falar muito sobre o assunto, não perguntar várias vezes, não pedir detalhes e, principalmente, não forçar”, explicou a assistente social.

Com o tema “A dignidade sexual de crianças e adolescentes não tem preço. Diga não à exploração sexual infantojuvenil”, o concurso teve a adesão de estudantes do ensino fundamental e médio de escolas públicas de todos os municípios do Marajó, entre 6 e 17 anos. Participaram da competição meninos e meninas. Tanto no ano passado como neste ano, elas foram as ganhadoras. Isso reforça, de acordo com a promotora, que a violência sexual é marcada pelo gênero. As vencedoras participaram, na quarta-feira (23), da abertura da V Semana da Criança e do Adolescente do MPPA, em Belém.

A seleção dos trabalhos foi por meio das escolas dos próprios municípios. “Cada instituição escolheu seus melhores trabalhos, e remeteram à Promotoria. Foram eleitos em Belém, pela qualidade do desenho e da redação, e os que expressam melhor o tema proposto”, contou a promotora.

Responsabilidade Social