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Noticiários violentos podem trazer impacto mental para crianças e adolescentes

Pais devem atuar como filtro de controle a essas informações, estabelecendo limites de horários e conteúdos

Elisa Vaz

A saúde mental de quem consome notícias pesadas e violentas pode ser impactada por esta prática. Mas, para as crianças, os efeitos negativos podem ser muito maiores, e por isso os especialistas recomendam que o acesso a essas informações deve ser controlado por pais e responsáveis.

Tensões políticas, tragédias, acidentes, crimes, pandemia e até uma guerra. Os sites de notícia, diariamente, estão repletos de conteúdos que podem se tornar um gatilho para algo maior se forem consumidos em excesso ou na idade inadequada. Psicólogo e mestre em educação, Cláudio Ludgero afirma que, antes de mais nada, é preciso avaliar a faixa etária em que a criança se encontra antes de estabelecer regras e limites.

Uma criança pequena, de até dois anos, por exemplo, tem uma forma diferente de assimilar situações e acontecimentos que uma maior, ou mesmo que um adolescente. “É preciso entender cada faixa etária para ver como ela entende aquele conteúdo. A assimilação dela vai ser muito no sentido de guardar sons e imagens, as que podem abalar são as muito barulhentas ou muito fortes, pode assustar ou amedrontar. À medida em que elas avançam na idade, já desenvolvem a chamada ‘imagem própria’, que é uma assimilação mais pessoal daquela imagem, diretamente de encontro ao concreto que aparece para ela”, diz.

Antes de conversar com a criança ou mesmo ficar muito preocupados, os pais precisam primeiro entender a assimilação daquela faixa etária, explica Cláudio. “É importante perguntar para a criança, antes de ficar perturbado tentando explicar, qual a imagem que ela está fazendo e o que está entendendo do que está ouvindo ou vendo e como ela está assimilando. Por exemplo, na situação de sexo, os pais se descabelam, mas não é nada do que se passa na nossa cabeça, tem que perguntar para a criança como vendo aquela coisa. Com a violência, a mesma coisa”.

O acesso a conteúdos sangrentos e mais pesados, como notícias policiais envolvendo crimes, não é recomendado para os menores, ressalta o psicólogo. Isso porque passa a ser algo figurativo para aquela criança, já que ela ainda não tem a noção de algo cruel. Essa exposição pode, inclusive, resultar em algumas ações maldosas, antes mesmo do pequeno entender o que aquilo significa. “A criança pode pegar o gatinho, estrangular e enterrar, e isso pode passar como uma brincadeira se ela não tem a noção correta”, afirma Cláudio. Então, ela precisa, com a experiência, ter essa noção dosada e esclarecida, associada a algo educativo, para que aprenda o que é certo e errado e o que pode ou não fazer.

O especialista diz que essa experiência pode ficar fixada na cabeça de uma criança e se desenvolver para o restante de sua vida: “por exemplo, crianças de favelas estão sujeitas a vivenciar, diariamente, morte, tiros, violência e agressividade, e isso tudo é assimilado de forma negativa”, pontua.

Crise sanitária

Este cenário foi intensificado pela pandemia da covid-19, na opinião do psicólogo. Com o isolamento social causado pelo lockdown, como forma de conter a contaminação pelo vírus, todas as pessoas sofreram consequências de alguma forma, já que o próprio ambiente em casa ficou mais estressante. Cláudio ressalta que a forma como os conteúdos relacionados à crise sanitária foram passados teve influência – para ele, as pessoas ficaram transtornadas e desesperadas, e algumas até tiveram problemas cognitivos pela falta de interação.

“Isso também trouxe consequências para as crianças, como os problemas de interação com outras pessoas da mesma idade. A pandemia, então, somou-se a esses outros aspectos pesados, já que era o dia inteiro com os noticiários falando sobre a pandemia, morte e outras coisas ruins que acabam trazendo um sentimento de perda e luto, e isso era passado na interação dos familiares para as crianças. A volta à escola foi importante justamente para aliviar esse processo de vivência do isolamento e morte”.

Controle

Portanto, não é adequado e nem saudável permitir o acesso a informações desse tipo, apenas se ela tiver uma faixa etária maior. E o especialista em educação diz que é muito contraindicado qualquer exposição a telas para crianças menores, porque há tendência de atraso na linguagem, entre outros efeitos. O filtro dos pais ou responsáveis se torna fundamental nesses casos.

“Pegar um celular abre as portas para um mundo ilimitado, porque a pessoa pode ter acesso a muita coisa, desde pequeno é importante estar de olho, eles devem ser o filtro de controle a esse acesso dos filhos, não deixar a ‘Deus dará’, nem a criança usar esses aparelhos do jeito que ela quiser. Os pais precisam estar de olho, até no tempo de exposição a esses aparelhos”, opina Cláudio. Outra dica do psicólogo é tentar sempre entreter a criança com outras atividades ou jogos e estimular a interação. Além disso, há a possibilidade de fazer um alinhamento com a escola onde a criança ou o adolescente estuda, para que a instituição possa tentar se adequar às regras vivenciadas com a família.

Na casa da advogada Daniela Salviano, de 44 anos, o controle existe, mesmo que o filho já seja adolescente. Davi, de 14 anos, tem autismo e não tem acesso liberado a todo tipo de informação ou conteúdo. Durante os dias de semana, ele não pode usar a rede de internet, que só fica liberada às sextas-feiras, após as atividades escolares, e aos sábados e domingos, com limite de até duas horas de acesso.

Em regra, Davi assiste a desenhos e filmes que a mãe tem controle por meio do acesso ao histórico – ele não tem celular próprio, apenas um notebook que é controlado de perto pela mãe. Para a advogada, os pais têm a responsabilidade de limitar os filhos a certos conteúdos. Ela acredita que a liberdade nas redes está trazendo muitos impactos negativos aos mais jovens, como falta de leitura, vocabulário “internetizado”, falta de conteúdo literário e formação de jovens sem respaldo bibliográfico. “Hoje percebe-se que o acesso à rede está formando jovens reprodutores, sem capacidade de criação de seus textos, pois o vocabulário é pobre. A liberdade nas redes gera prejuízos tanto psíquicos quanto sociais. Os jovens de acesso livre não dialogam e não olham mais nos olhos para ter uma conversa saudável, só querem saber de fazer vídeos e postar nos aplicativos para ganhar seguidores”, opina a mãe.

Quanto às notícias, Daniela conta que o filho não desenvolveu tanto interesse em assuntos mais violentos, apenas assiste aos jornais com a mãe de vez em quando, mas de forma genérica. “Sempre ensino sobre a violência nas cidades, nossos cuidados, atuação de polícias, sobre guerras, especialmente esta atual, vez que serve para ele aprender o contexto da globalização, alta nos preços, a importância destes países nos cenários internacionais e dos países produtores de petróleo, enfim, são acontecimentos geopolíticos. Sempre oriento que existem cenas de violência e que precisamos adotar uma postura calma e sem reações para evitar coisas piores”, diz.

A única coisa que ele perguntou foi sobre a guerra na Ucrânia, conta Daniela: o que é e por que está acontecendo. A mãe lembra que tentou contextualizar, explicando que é uma disputa por territórios, consequência da corrida armamentista. Após isso, todos os dias os dois começaram a assistir aos jornais, para que Davi entendesse e tivesse acesso a mais informações sobre a guerra. “Ele gosta de assistir ao noticiários, mas não esse voltado para violências urbanas, mas a gente lê texto sobre isso, sobre a atuação dos meliantes na rua, que eles podem roubar relógio, celulares, que a gente não está isento de um assaltante puxar minha bolsa, inclusive ele sabe que eu já fui vítima de assalto aqui na porta de casa. Então eu trago esse essa ideia para ele”, conta a mãe.

Como os pais podem contribuir:

1. Moderar a quantidade e o tipo de notícias que os filhos assistem

2. Estabelecer limites de horários para acessar telas e internet

3. Sempre conversar sobre os assuntos e expressar emoções

4. Escutar os filhos com atenção e demonstrar interesse pelo que está sendo dito

5. Ouvir e responder as dúvidas que os filhos possam ter

6. Ajudar os filhos a entender a realidade por trás das notícias

7. Questionar sobre o entendimento dos filhos sobre cada conteúdo

8. Contribuir para que os filhos assistam ao noticiário, mas fazer associações com situações que ele já conhece

9. Optar pelo acesso a conteúdos que auxiliem no aprendizado sobre cuidados diante de perigos

10. Não superproteger os filhos e estimular a autonomia das crianças

Responsabilidade Social