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Filhos com deficiências: mães reúnem forças para acompanhar tratamentos, mas não desistem

Mesmo saindo de outros municípios para acompanhamento médico em Belém, as responsáveis comemoram pequenos passos na evolução dos filhos

Elisa Vaz

Cuidado e dedicação são as palavras mais usadas quando se fala em maternidade. Mas as mães que, além de cuidar, precisam fazer o acompanhamento médico constante de filhos que têm alguma deficiência enfrentam enormes barreiras no dia a dia, e veem sua saúde mental declinar por conta das obrigações diárias de cuidado. Mesmo assim, reúnem a força necessária e não desistem de seus filhos, que, muitas vezes, precisam delas para se alimentar, se vestir, andar e até falar.

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“A fala dele desenvolveu bastante, porque o cognitivo não foi tão afetado, então ele tem evoluído, e no convívio dentro de casa também, se arrastar, comer sozinho, aprendeu muito”, comemora Maria Antônia. Para que isso seja possível, no entanto, a dedicação dela precisa ser grande - abdicar de parte do fim de semana, fazer uma longa viagem no domingo e chegar em Belém às 5h toda segunda-feira, além de passar a manhã e a tarde na capital e esperar o ônibus das 17h para voltar ao seu município.

É raro o pai acompanhar a criança, segundo Antônia, mas a mãe faz a viagem toda semana, sem exceção. A auxiliar administrativa precisa entregar um atestado no trabalho nesse dia, mas a partir de terça-feira cumpre carga horária normal, mesmo chegando em Ulianópolis meia noite, sem muito tempo para descansar.

“No início eu sentia muita dificuldade. Hoje já me acostumei. É gratificante ver a evolução dele”, afirma. Às mães que estão começando essa rotina, Maria diz que, apesar das dificuldades, é possível superar essa fase. “Não é fácil, mas você consegue tirar forças de onde não tem para ver seu filho se desenvolvendo”.

Tratamentos

A técnica de enfermagem Patrícia Castro, de 42 anos, tem uma rotina parecida - a diferença é que mora mais perto, em Ananindeua, e recebe o apoio do marido para fazer os acompanhamentos. Os dois filhos do casal, Kevim, de 12 anos, e Kellen, de 17, têm deficiências. O mais novo possui o Transtorno do Espectro Autista (TEA) no nível moderado e o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), enquanto a mais velha tem autismo severo, paralisia cerebral e microcefalia.

Antes de entrar no CIIR, a família já tinha passado por muitas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e centros de reabilitação em toda a capital, mas o processo de descoberta foi muito tardio, porque, mesmo sabendo das deficiências de Kevim e Kellen, os médicos não conseguiam fechar um diagnóstico certo e na totalidade.

“Meu filho era do programa de recém-nascidos (RN) de risco, voltado para crianças de até três anos de idade que são acompanhadas. Mas o laudo deles ainda tinha uma interrogativa, só consegui fechar realmente o diagnóstico dos dois aqui no CIIR, há cinco anos”, lembra.

Para ela, foi uma surpresa porque, até então, achava que a minha filha só tinha microcefalia e paralisia cerebral, mas, em uma consulta com a neuropediatra, descobriu que a adolescente é autista severa, o que despertou na mãe outro tipo de olhar. “Outra surpresa é que eu achava que o autismo do Kevim era leve porque ele já estava começando a falar e a ser mais independente, e descobri que é moderado. Esse diagnóstico é essencial para saber de que tipo de acompanhamento a criança precisa”, comenta.

Mesmo com a alta da reabilitação e a melhora do quadro, a filha de Patrícia depende dela e do pai para tudo: usa fralda de forma vitalícia, não fala, precisa de apoio para comer, se vestir e diversas outras atividades do dia a dia. Ela só precisa ir ao CIIR de vez em quando, para acompanhamento periódico. Já o filho mais novo vai ao menos três vezes por semana, no tratamento semi-intensivo.

A rotina do casal, que hoje trabalha de forma autônoma, funciona assim: o marido vai cedo vender salgados na rua e a esposa fica em casa adiantando os cuidados do lar e dos filhos. Patrícia deixa Kellen com a avó e vai para a venda substituir o marido. O pai deixa o trabalho para levar o filho até o CIIR e, quando a terapia chega ao fim, deixa Kevim na escola, cujas aulas começam às 13h15. “É muita correria e a criança tem uma rotina que não podemos quebrar. Essa é a nossa vida, não temos vida social, praticamente”, conta.

Patrícia deixa uma mensagem para as mães na mesma situação: “Após 17 anos de vivência, posso dizer que existe vida após o diagnóstico, o mundo não acabou. O seu filho, mais do que nunca, precisa de você, e agora você vai se reinventar por causa do seu filho. Não desistam do tratamento, do acompanhamento, porque isso vai surtir efeito lá na frente. Se ele não falar, seja a voz dele; se ele não souber andar, seja as pernas dele. Com certeza, um dia você vai olhar para trás e dizer ‘eu consegui’”, ressalta a mãe, que hoje é feliz simplesmente por seus filhos conseguirem ter um pouco mais de independência.

Atendimento especializado

O único do Norte a unificar uma larga gama de atendimentos, o Centro Integrado de Inclusão e Reabilitação (CIIR) possui serviços como ambulatório, com mais de 40 especialidades médicas, oficinas ortopédicas, terapias intensivas ou semi-intensivas, esportes adaptados, musicoterapia, arte e cultura e outros, além de ser o único local especializado para atender as quatro deficiências em um só lugar (física, auditiva, intelectual e visual). São cerca de 800 a mil atendimentos por dia, com 25 mil a 30 mil por mês, segundo a diretora executiva, Rejane Xavier.

“Nós lidamos com todas as linhas de deficiência. E esse serviço foi criado justamente para melhorar a mobilidade dos usuários, que, antes, tinham que ir para vários locais a fim de ter acesso aos serviços. Com essa estrutura, hoje eles conseguem vir e fazer todos os seus atendimentos aqui, em um único complexo. Isso trouxe um ganho muito grande para essas pessoas, porque é muito difícil, são pessoas que vêm da região do Marajó, da Transamazônica, viajam 24 horas ou mais para estarem aqui, recebendo esse serviço. Agora o usuário chega aqui e consegue realizar consulta e fazer exames sem precisar ir para outra localidade”, ressalta.

Parte dos pacientes atendidos no CIIR são frequentes, ou seja, fazem tratamentos contínuos, e outro percentual acessa serviços de saúde mais esporádicos. “Temos as duas modalidades, daqueles usuários que vêm aqui todos os dias e aqueles que vêm mais esporadicamente, ou uma vez ao mês, por exemplo”, detalha Rejane.

Uma característica marcante, segundo a diretora, é que, geralmente, são as mães que acompanham os pacientes, independente da idade, até mesmo idosos. “Eu, como mãe, mas como mãe também, digo que é algo extraordinário poder contar com um serviço desse, com a possibilidade de ter esse atendimento em um padrão internacional para o seu filho, com qualidade e segurança, humanizado. Não tem preço”.

A fila de espera para ser atendido no CIIR está longa, de acordo com Rejane Xavier, mas, para as pessoas que querem fazer atendimento no local, o trâmite é o seguinte: por meio da Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima, o paciente vai passar por uma pré-triagem e o pré-diagnóstico, para que os profissionais observem se existe a necessidade de encaminhado para o Centro. Somente dessa forma eles são encaminhados para o diagnóstico no CIIR, que oferece 1.300 atendimentos, sendo 300 vagas para deficientes físicos, 150 na linha auditiva, 300 na intelectual, 150 na visual e mais 300 no Natea, que atende pessoas com TEA.

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