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Levante busca romper silêncio sobre violência sexual na infância

Psicóloga explica por que vítimas de abuso sexual infantojuvenil demoram para relatar o crime

Elisa Vaz

A luta contra a violência sexual na infância ainda é uma luta árdua no Brasil. Cerca de 60% de todos os estupros registrados no Brasil foram contra meninas menores de 13 anos no ano de 2020, o que representa quatro abusos de crianças por hora no país, segundo dados do Instituto Liberta. O órgão diz que, embora as meninas sejam a maioria dos casos, a violência contra eles é mais subnotificada em razão da cultura machista. A faixa etária das vítimas masculinas varia entre 4 e 8 anos, enquanto a das femininas, dos 10 aos 14.

Justamente para combater este cenário de violência, o Instituto Liberta encabeça um levante que tem o objetivo de romper o silêncio em torno do tema. Por meio do site e das redes sociais, a entidade convida homens e mulheres que sofreram algum tipo de abuso antes dos 18 anos a gravar um vídeo com a seguinte frase: “A violência contra crianças e adolescentes é uma realidade. Eu já fui vítima. E agora você sabe”. Todos os vídeos gravados serão exibidos no formato de uma passeata online no Dia Nacional de Combate à Exploração de Crianças e Adolescentes, em 18 de maio. Para não expor as vítimas, nenhum deles será exibido individualmente. As gravações serão transmitidas de maneira simultânea, lado a lado.

Violência causa efeitos negativos

O abuso sexual em qualquer idade pode ter diversos efeitos na vida das vítimas, e na infância isso pode ser ainda mais acentuado. Psicóloga e sexóloga, Klaudia Sadala, que é também mestre em psicologia e doutora em ciências, afirma que é de extrema importância pensar que as diferentes formas de violência estão ligadas a um padrão cultural e social de educação que estrutura as relações. “No caso do Brasil, a violência sexual perpetrada em crianças e adolescentes está assentada em uma raiz patriarcal de poder, onde as relações são sempre desiguais”, expõe.

As causas, de acordo com ela, são diversas, incluindo sociais, culturais e econômicas. A violência,  a negligência e o abuso de poder são alguns fatores de um conjunto contextual que levam à violência sexual, diz a especialista. “Os agressores são adultos, em sua maioria homens, que usam a relação sexual para satisfazerem desejos ou obterem vantagens relacionadas a fins comerciais ou não. As consequências são de ordem emocional, social e econômica e podem se desdobrar em psicopatologias se não forem cuidadas”, alerta Klaudia.

Mais velada, pois está repleta de tabus e há uma baixa compreensão de seus mecanismos por parte das famílias, escolas e dos profissionais de saúde, a violência sexual contra crianças e adolescentes se estrutura de forma muito complexa. Na maioria das vezes é perpetrada por pessoas da família ou próximas a ela, como pessoas em que a família confia e têm trânsito nas residências ou instituições. Por conta disso, a psicóloga diz que sua identificação é desafiadora, pois a vítima é sempre coagida e manipulada, a ponto de sentir medo, culpa e vergonha.

Alguns dos prejuízos causados por este tipo de violência podem alcançar o desenvolvimento psicossocial e o neurodesenvolvimento: isolamento social, retraimento social, dificuldade na socialização, depressão, ansiedade, auto-mutilação, alterações no sono e apetite, desenvolvimento de baixo peso, pesadelos, medo exagerado, baixo desempenho escolar, sentimento permanente de desconfiança e desproteção, podendo afetar suas relações afetivas e sexuais futuras, entre outros.

Vítimas demoram a falar

Os sentimentos negativos provocados pelo abuso, além da manipulação do agressor, podem contribuir para que a vítima não se sinta segura para contar o ocorrido a uma pessoa de confiança. Segundo Klaudia, as vítimas, geralmente, vivenciam uma situação de extrema vulnerabilidade social e psicológica, e a maioria não possui rede de proteção familiar sólida, além de ter baixo acesso a políticas públicas e efetivas de proteção, sofrerem ameaças por parte dos agressores e até mesmo vivenciarem uma desqualificação de suas falas e seus relatos.

“Adultos são mais persuasivos e sua fala tem mais peso social. Algumas crianças e adolescentes se sentem sem voz, e a maioria sente muito medo das represálias, tanto para ele quanto para a sua família, pois as relações de violência sexual envolvem relações de poder e, geralmente, vêm de pessoas próximas. Além do medo, as vítimas sentem vergonha de serem olhadas como alguém que, de alguma forma, teve culpa em alguma situação. A cultura machista tem reforçado este padrão, de que a culpa da violência recai sobre a vítima, pela roupa, pelo lugar, e não ao agressor. Isso é muito grave, pois revela um padrão cultural que invisibiliza tal situação, e deve ser pensado a partir deste tecido social que coloca a vítima em um lugar de dúvida, contrariando inclusive nosso atual sistema jurídico”, avalia a psicóloga.

Estímulo passa pela confiança

Para que as vítimas se sintam seguras para falar sobre o abuso sexual, é preciso desenvolver estratégias para que elas confiem nas pessoas ao redor. O primeiro passo é fazer a criança ou o adolescente ter segurança de que suas falas não serão desqualificadas e eles mesmos terão sua dignidade preservada.

Klaudia alerta que os pais ou responsáveis devem estar atentos a todos os ambientes e pessoas que estão em relação com as crianças, além de estimular o diálogo aberto e a relação de confiança diariamente para que eles se sintam protegidos em seu convívio. “Nossas falas devem garantir que, se algo ocorrer, iremos sempre acreditar neles. As crianças devem se sentir amadas e cuidadas, devem receber orientações sobre seu corpo e quem pode tocar nele. Isso é educação sexual”, ressalta.

Após o trauma, o atendimento multiprofissional deve ser procurado, e a eficiência e eficácia das políticas públicas de proteção a essas vítimas e suas famílias é fundamental. A vítima deve se sentir segura, amparada, cuidada e vista como, de fato, uma vítima, diz a psicóloga. Todos os mecanismos da Justiça devem ser acessados, incluindo a punição ao agressor. Ela diz que o acolhimento e acompanhamento psicológico são decisivos durante todo o processo, tentando minimizar os prejuízos sofridos, ainda que eles permaneçam por toda a vida.

Violência sexual no Pará

O território paraense é dividido em 12 regiões de integração: Araguaia, Baixo Amazonas, Carajás, Guajará, Guamá, Lago Tucuruí, Marajó, Rio Caeté, Rio Capim, Tapajós, Tocantins e Xingu. O projeto Futuro Brilhante, que debate e conscientiza sobre a exploração e o abuso sexuais infantojuvenil, fez um levantamento usando dados do Registro Mensal de Atendimento (RMAs), que coleta informações a partir dos atendimentos realizados nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas) distribuídos pelos 144 municípios do Estado.

Os dados contemplam vítimas de abuso de 0 a 17 anos de idade, tanto do gênero masculino quanto do feminino, e representam 2.583 casos de violência sexual cometidos contra crianças e adolescentes paraenses no período de 1º de janeiro de 2020 a 30 de abril de 2021.

Casos de abuso sexual infantojuvenil por região do Pará

  • Araguia: 123
  • Baixo Amazonas: 249
  • Carajás: 165
  • Guajará: 318
  • Guamá: 317
  • Lago Tucuruí: 212
  • Marajó: 190
  • Rio Caeté: 164
  • Rio Capim: 230
  • Tapajós: 72
  • Tocantins: 398
  • Xingu: 145
  • Total: 2.583

Fonte: Futuro Brilhante

Responsabilidade Social