Crimes sexuais contra mulheres: saiba quais são e como denunciar

Vítimas devem relatar essas práticas toda vez que se sentirem violentadas

Elisa Vaz
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O empoderamento feminino e as discussões contra ideais machistas impostos pelo patriarcado não livra as mulheres de uma série de violações, e os crimes sexuais cometidos contra elas por homens próximos ou desconhecidos ainda têm altos índices. No Pará, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) informou à reportagem, em nota, que, no ano passado, foram registrados 5.690 delitos sexuais contra mulheres no Estado. Um ano antes, em 2021, foram 4.677 ocorrências desta natureza computadas - ou seja, houve uma alta de 21,6% no registro de casos desse tipo no Pará.

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Violência ou crime sexual contra as mulheres, no entanto, é um tema amplo e pode englobar uma série de tipificações penais. Advogada criminalista e pós-graduada em ciências criminais pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Bruna Koury diz que esse tipo de violência está caracterizado em diversos dispositivos do Código Penal Brasileiro, como estupro, assédio sexual, importunação sexual e outros. Todos os detalhes e as penas para os crimes estão dispostos em infográfico nesta página, assim como as formas para denunciar.

A mulher deve relatar práticas toda vez que se sentir violentada psicológica, sexual ou até patrimonialmente. O promotor de Justiça Danyllo Colares, que é mestre em segurança pública, também pela UFPA, diz que as violências contra a mulher podem ser patrimoniais, psicológicas, físicas ou sexuais, e, no caso específico desta última, pode acontecer tanto no âmbito doméstico e familiar como em situações nas quais a vítima não tem relação ou mesmo conhece o agressor.

“O estupro pode ocorrer nos casos em que há conjunção carnal, a introdução do pênis na vagina da mulher ou mesmo quando há prática de atos lidinosos, situação de apalpar os seios, bunda, fazer sexo anal, entre outros quesitos. Já a importunação sexual, que é uma lei recente, nova, cria um novo tipo penal, e prevê também essa questão de quando o agressor e a vítima não se conhecem. É o caso de ônibus, quando está lotado e o agressor sexual fica se esfregando na vítima, ou nessa época do Carnaval, quando há aquele beijo lascivo, que o homem agarra a mulher com força, isso é importunação sexual”, explica a diferença.

As sanções penais, como é esperado, são mais graves e têm mais rigor em casos de estupro, e a tendência normal é de que estupradores permaneçam presos, cautelarmente, ou seja, desde antes de uma sentença condenatória, se expandindo até o momento de uma eventual condenação, de acordo com o promotor. No caso de importunação sexual, ao menos no Pará, é mais comum que seja efetivada a prisão de importunadores quando ocorre em flagrante, porque, pelo relato da vítima, é mais difícil haver uma comprovação que leve à decretação judicial de prisão do importunador sexual.

Denúncia

Colocar em xeque a palavra da vítima é comum em casos públicos de denúncias de estupro e outros crimes sexuais - a mulher costuma ser descredibilizada pelo público, acusada de querer fama ou dinheiro. Mesmo assim, a advogada Bruna Koury acredita que sempre é importante denunciar.

“A violência sexual, na maioria das vezes, não tem testemunha. Mas existem outras formas de provar que o fato aconteceu. Para tanto, é importante que a mulher tente colher provas ‘preliminares’, como mensagens trocadas com o agressor, vídeos, fotos. E, nos casos em que a agressão sofrida deixa vestígios, imediatamente fotografar as lesões, pedir à autoridade policial que seja encaminhada ao Centro de Perícias Científicas para realizar os exames específicos de acordo com o tipo de violência sofrida, ou ir a um Hospital ou Centro de Saúde para que as lesões ou outros vestígios sejam identificados por um médico e sejam atestados por documentos e fotos”, indica.

O que contribui, além da própria denúncia, para que a mulher deixe de ser descredibilizada, segundo o promotor de Justiça, é a forma como os órgãos públicos são orientados a tratar a vítima. No caso do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), órgão acusador e que faz o processamento judicial contra os agressores e é responsável pela persecução penal e por procurar a responsabilidade judicial do agressor, a palavra da vítima de crimes sexuais tem “muito peso”.

“Nós sabemos que a maioria desses crimes, estupro, por exemplo, não é cometida na via pública, diante de testemunhas. Ele é praticada entre quatro paredes. Então, nós possuímos, aqui mesmo dentro do próprio corpo de membros do Ministério Público, vários especialistas nessa questão de violência sexual. Nós temos aquela questão de ver a vítima de uma forma que recebamos e acolhamos ela, para que não se sinta revitimizada. Não perguntamos ‘por que não disse não?’, ‘por que não lutou?’, ‘por que não gritou?’. Partimos do princípio de que a vítima não tem por que acusar o agressor sexual sem ter realmente acontecido aquilo. O acolhimento é o primeiro passo do MP ao receber uma denúncia”, enfatiza Danyllo.

Desafios

No aspecto jurídico, houve avanços na legislação nos últimos anos na proteção da mulher contra violências sexuais, como argumenta a advogada Bruna Koury. A legislação brasileira vem avançando, segundo ela, sobretudo após 2006, com a Lei Maria da Penha, nº 11.340/2006, novos tipos penais inseridos no Código Penal e o agravamento das penas. Bruna diz que a sociedade já começou a compreender que violência contra a mulher é “inadmissível”, mas os debates ainda precisam evoluir, porque condutas tipificadas e punições severas não bastam, afirma.

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“Existem inúmeras condutas que já estão tipificadas e com punições severas. Entretanto, leis cada vez mais severas não bastam. A sociedade ainda precisa evoluir. Entendo que a família é o primeiro local de disseminação do respeito à mulher, mas a escola precisa estar presente no combate à violência com a inserção de disciplinas na grade curricular que possam tratar do assunto com a seriedade que ele precisa. Creio que prevenir ainda seja o melhor caminho. Precisa haver investimento em campanhas que busquem evitar a violência, até porque a punição criminal não apagará o trauma sofrido pela vítima, nem restituirá o que dela foi tirado: paz e dignidade”, destaca a advogada.

O promotor de Justiça Danyllo Colares concorda. Para ele, os pilares para combater a violência contra mulheres são informação e educação. “Temos que educar melhor nossas crianças, até porque vivemos em uma sociedade patriarcalista, com valores do machismo, do sexismo, da objetificação e desqualificação da mulher. A educação que vem não só de casa, mas também da escola, também é muito importante e fundamental. E pelo lado da informação, precisamos de vários canais de comunicação que possibilitem as denúncias”.

Além disso, Bruna cita que deve sempre haver uma investigação minuciosa dos fatos e atenção à colheita probatória, bem como celeridade no julgamento dos processos, sempre com respeito às garantias processuais e constitucionais do agressor, para que, ao final do processo, ele seja efetivamente punido. O desafio para a mulher durante o processo, de acordo com a advogada, é ter força para prosseguir, não desistir de buscar a punição para o seu agressor e ter a efetiva proteção do Estado, que nem sempre consegue resguardar sua integridade.

Celeridade existe, mas é desafio

No caso em que o jogador Daniel Alves está sendo acusado, por exemplo, chamou a atenção a rápida reação dos funcionários da boate onde o estupro teria ocorrido, a chegada da polícia ao local, a retirada da mulher em uma ambulância e os exames de corpo de delito em um hospital. Menos de um mês após a denúncia no país europeu, o jogador já estava preso provisoriamente.

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No Pará, no entanto, garantir celeridade aos processos ainda é um desafio. Na avaliação da advogada Bruna Koury, esse estágio de atenção à mulher vítima de violência sexual ainda não foi alcançado no Brasil. Por isso ela defende a criação de campanhas específicas sobre o tema, a fim de levar informação sobre o que é violência sexual e suas diversas formas. Além disso, ela acha necessário capacitar pessoas que trabalhem em espaços onde crimes contra a dignidade sexual da mulher podem acontecer, para darem apoio inicial e acionar profissionais da saúde e da segurança pública.

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É mais comum ver rapidez no desenrolar do processo se o agressor for pego em flagrante, como explica Danyllo. Neste caso, a “celeridade é a maior possível”, diz ele. “Depende muito de quando o crime é descoberto e se a vítima procurou ajuda imediatamente, porque nem toda vítima vai no outro dia na delegacia. Tem a questão da vergonha, da repercussão social e familiar, de como as outras pessoas vão vê-la. Pode demorar dias, semanas e até meses para ter coragem de denunciar. Mas, mesmo quando o agressor não é preso em flagrante, o empenho da Polícia Judiciária e da Polícia Civil do Pará é exemplar”, declara o promotor de Justiça.

Conheça alguns tipos de crimes sexuais

Estupro: Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ato libidinoso. Pena: no geral, reclusão de seis a 10 anos; de oito a 12, se a vítima tiver menos de 18 anos; de 12 a 30, se a conduta resultar em morte; ou de oito a 15 anos, se for estupro de vulnerável, quando a vítima é alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem discernimento para a prática do ato.

Importunação sexual: Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. Pena: reclusão de um a cinco anos.

Assédio sexual: Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, com condição de superioridade hierárquica de emprego, cargo ou função. Pena: detenção de um a dois anos, aumentada em até um terço se a vítima for menor de 18 anos.

Violação sexual mediante fraude: Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima: Pena: reclusão de dois a seis anos, mais multa se o crime for cometido com o fim de obter vantagem econômica.

Registro não autorizado da intimidade sexual: Produzir, fotografar, filmar ou registrar conteúdo com cena de nudez ou ato sexual ou libidinoso de caráter íntimo e privado sem autorização dos participantes. Pena: detenção de seis meses a um ano, mais multa.

Divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia: Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia. Pena: reclusão de um a cinco anos, aumentada se o crime for praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Como denunciar violência sexual contra mulher

  • Se dirigir a uma Delegacia Especializada em Violência Contra a Mulher e pedir que seja feito um Boletim de Ocorrência
  • Caso não haja delegacia especializada na cidade em que reside, ir a qualquer delegacia de Polícia mais próxima
  • Fazer contato pelo canal 180, a Central de Atendimento à Mulher, de forma gratuita
  • Procurar atendimento no Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) ou na Defensoria Pública do Estado (DPE)
  • Disque Denúncia: 181
  • Entrar em contato pelo WhatsApp: (91) 98115-9181
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