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Crianças e adolescentes têm direitos garantidos na legislação

Segundo especialistas, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) trouxe avanços os grupos

Elisa Vaz

Após quase três décadas da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ainda existem muitos desafios para que a legislação seja cumprida de maneira integral, garantindo direitos plenos aos jovens de todo o país. A avaliação é da juíza Mônica Fonseca, titular da 1ª Vara de Crimes contra Crianças e Adolescentes de Belém e integrante da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA).

Um levantamento realizado pelo TJPA mostrou que, apenas na 1ª Vara, existem, hoje, 1.650 ações em tramitação relacionadas a crimes sexuais com crianças e adolescentes, que é a especialidade do núcleo, e mais mil ações tramitando na 2ª Vara. Para a titular do primeiro grupo, juíza Mônica Fonseca, um dos maiores avanços no combate à violação dos direitos desse grupo foi a separação por tipo de infração. Ou seja, a 1ª Vara fica com os crimes que tem conotação sexual, como estupro, assédio e exploração sexual, enquanto a 2ª Vara recebe as denúncias de crimes mais gerais, como abandono de incapaz, maus tratos, negligência, corrupção de menores e exploração, entre outros.

Com o acordo internacional sobre a infância – Convenção sobre os Direitos da Criança –, que foi ratificado pelo Brasil há quase 30 anos, em um compromisso histórico, muitas melhorias são observadas no aspecto jurídico. Por exemplo, em todo o país, segundo dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), nas últimas três décadas, houve redução de mais de 50% nas mortes de crianças menores de cinco anos, além de ter caído quase pela metade a proporção de crianças subnutridas.

Legislação trouxe fortalecimento à causa

Por meio do TJPA, vários grupos atuam para melhorar esses índices e atrair as melhorias para o Estado, como a Coordenadoria e a Comissão Estadual de Adoção Internacional. Na opinião de Fonseca, o maior marco alcançado até hoje em termos de avanços na legislação foi buscar o superior interesse da criança. “Essa questão do ‘ouvir’ é muito forte hoje e foi trazida pelo ECA. A criança precisa ser ouvida, porque está em uma condição peculiar de desenvolvimento, então as leis precisam considerar a vontade deles. Atualmente, isso é aplicado em todos os casos – adoção, denúncias de crimes sexuais, apadrinhamento e outros”, disse.

Conforme explicou a juíza, ouvir os jovens passou a ser necessário após o caso Bernardo Boldrini, que resultou na criação da “Lei Menino Bernardo”, que proíbe o uso de castigos físicos ou tratamentos cruéis ou degradantes na educação de crianças e adolescentes. “A rede de proteção não ouviu a criança, que não queria morar com os pais, e hoje os pai e a madrasta estão presos por terem matado a criança. Por isso, o foi criado um artigo que trata dessa necessidade de ouvir o que as crianças dizem, considerando sempre o que é melhor para ela”, comentou. Ainda de acordo com Fonseca, o intuito é acompanhar e evitar mortes de jovens após agressões físicas como forma de punição.

Outra mudança no estatuto destacada pela juíza foi a criação da escuta protegida. Ou seja, em casos de crimes e violações, as crianças vítimas ou testemunhas de violência de qualquer tipo são ouvidas em salas separadas, junto a profissionais capacitados para a função, mas impedindo com que os jovens revivam o momento vivido. Segundo ela, isso evita a violência institucional.

Além disso, também foi transformado o entendimento sobre o depoimento de crianças e adolescentes. Com o objetivo de antecipar a memória da vítima ou testemunha, a Justiça brasileira autorizou gravações dos depoimentos como forma de facilitar o resgate da memória do menor, já que o procedimento abrevia o tempo entre o evento abusivo e a escuta judicial, facilitando as questões de memória.

Atendimento humanizado deve ser foco dos profissionais

 

O sistema de garantia de direitos a crianças e adolescentes se dá por meio de uma rede de proteção composta por um conjunto de órgãos que atende as situações de violação, conforme explicou a assistente social Maria Cândida de Sousa, coordenadora do curso de Serviço Social de uma universidade em Belém. Essas instituições incluem escolas, tribunais, varas, promotorias, unidades básicas de saúde, delegacias especializadas e outros.

 

Segundo a especialista, a porta de entrada para essa rede de proteção é o conselho tutelar, que recebe as denúncias referentes a crimes variados. Um conselheiro, então, verifica a procedência e direciona para o órgão especializado. “O sistema é todo articulado e tem a perspectiva de garantir proteção integral a esses dois grupos, entendendo que a criança e o adolescente são seres em desenvolvimento”, destacou.

 

Sousa ainda disse que o trabalho dos assistentes sociais tem viés socioeducativo. A profissional disse que uma das dificuldades é em relação ao processo de acompanhamento psicológico de quem sofreu violência. Por isso, existe uma série de cuidados necessários: “Nós não podemos forçar a criança, temos que respeitar o momento dela de falar. Também orientamos a família, que é muito importante no processo. Eles chegam fragilizados e, muitas vezes, não sabem como lidar. Então fazemos uma série de orientações, como não falar muito sobre o assunto, não perguntar várias vezes, não pedir detalhes e, principalmente, não forçar”, pontuou.

 

Integração e Descentralização são desafios

 

O presidente da Comissão de Defesa da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil seção Pará (OAB-PA), Ricardo Melo, concorda que o ECA trouxe melhorias ao âmbito jurídico e social no combate aos crimes contra os vulneráveis. Entre eles, o especialista destacou o direito à convivência familiar comunitária, a redução do tempo de acolhimento de jovens em abrigos e o atendimento aos adolescentes autores de infrações.

 

Segundo ele, a OAB atua na avaliação e monitoramento das políticas públicas aplicadas no Estado, assim como no encaminhamento de casos aos órgãos competentes. Para ele, o que falta para alavancar a atuação das instituições paraenses é a integração entre municípios, Estado e país. Melo também destacou que é importante descentralizar a atuação de órgãos como o Conselho Tutelar e as Varas especializadas, que atuam primordialmente, na capital ou em cidades maiores. “As pessoas precisam se deslocar para receber atendimento. Os municípios precisam se fortalecer mais, criando novos centros de assistência, conselhos tutelares, Varas especializadas na área e outras coisas. Isso tem avançado no Pará, mas ainda falta melhorar muita coisa”, pontuou.

 

Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) aponta que, hoje, 262 milhões de crianças e adolescentes continuam fora da escola no país, 650 milhões de meninas e mulheres se casaram antes de completar 18 anos e uma em cada quatro crianças viverá em áreas com recursos hídricos extremamente limitados até 2040.

 

Segundo a juíza Mônica Fonseca, é preciso aplicar o ECA em sua totalidade para que avanços sejam alcançados também no Pará. Na avaliação de Fonseca, faltam políticas públicas que garantam a implantação da legislação e conscientizem a sociedade sobre esses direitos. “Precisamos criar campanhas para mostrar que crianças e adolescentes são seres de direito, que é um entendimento trazido pelo estatuto. Antes, tínhamos um código de menores, mas, basicamente, só era avaliada a situação de jovens infratores, então crianças e adolescentes eram apenas objetos e, com o ECA, saímos dessa doutrina para a proteção integral pela lei”, explicou.

 

Ela ainda disse que é necessário o fortalecimento das redes de proteção, a maior participação da sociedade civil, mais atuação dos conselhos tutelares e que os jovens sejam ouvidos e tenham protagonismo social, com garantia de direitos e oportunidades no mercado de trabalho, especialmente aos adolescentes infratores.

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