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Trabalhadoras do sexo querem mais debate sobre regularização da profissão

Um projeto de lei, proposto em 2012, está arquivado na Câmara dos Deputados, em Brasília

Abilio Dantas

O Dia do Sexo, que transcorre nesta segunda-feira (6), foi criado em 2008, a partir de uma ação de marketing de uma marca de preservativos que destacava os benefícios de ter uma vida sexual ativa. Para além das questões biológicas, a temática envolve também a vida das pessoas que trabalham como profissionais do sexo, e estão expostas todos os dias nas esquinas a riscos de violência, roubos e discriminações. O Grupo de Mulheres Prostitutas do Estado do Pará (Gempac), que existe desde 1987, e o Grupo de Resistências de Travestis e Transexuais da Amazônia (Greta), são movimentos sociais organizados que debatem a conquista de direitos para mulheres e homens, cisgênero e transgênero, que trabalham com sexo em boates, apartamentos de luxo, quartos particulares e alugados, e nas ruas das cidades paraenses.

A principal pauta dos movimentos é o debate e implementação do Projeto de Lei 4.211/12, também conhecido como a matéria que propõe a Lei Gabriela Leite, como homenagem à escritora e presidente da organização não-governamental Davida, que foi também estudante de sociologia da Universidade de São Paulo (USP) e liderança de movimentos em prol dos direitos das prostitutas. O PL, proposto pelo ex-deputado federal Jean Wyllys, em 2012, legisla sobre a regulamentação da atividade dos profissionais do sexo, e está arquivado na Câmara Federal desde o dia 12 de julho daquele ano.

A voluntária do Gempac, profissional do sexo e travesti Bárbara Pastana lembra que o projeto da lei Gabriela Leite existe desde 2003, quando foi apresentada pelo então deputado Fernando Gabeira. O texto acabou não tendo continuidade na Casa de Leis em razão de Gabeira não ter sido reeleito. “É preciso fazer um debate maior do projeto de lei. Alguns setores do movimento feminista não concordam com o projeto, pois acham que vai incentivar o explorador sexual, assim como todas as bancadas conservadoras da Câmara. O que a sociedade precisa entender é que nós, enquanto profissionais do sexo, de movimentos de prostitutas, não queremos beneficiar nem cafetões nem cafetinas, e sim assistir as pessoas que estão expostas a perigos todos os dias, a todo tipo de violência. Elas são violentadas tanto por cafetões e cafetinas quanto por policiais, que extorquem os cafetões. O que queremos é dar direito a quem se identifica como profissional do sexo, e que seja assegurado o direito à liberdade sexual”, explica.

A Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), que é utilizada como referência para cadastros administrativos de atividades do Ministério do Trabalho e Previdência Social, reconhece as ocupações “profissional do sexo”, “garota de programa”, “garoto de programa”, “meretriz”, “messalina”, “michê”, “mulher da vida”, “prostituta’ e “trabalhador do sexo”. A CBO, no entanto, não tem competência para regulamentar uma profissão, é um cadastro que somente habilita e codifica todas as ocupações do país.

De acordo com o PL Gabriela Leite, é considerado profissional do sexo qualquer pessoa acima de 18 anos, em plena capacidade de suas funções mentais e físicas, que presta, voluntariamente, serviços sexuais em troca de dinheiro. Caso a lei seja aprovada, os menores e considerados incapazes não terão direitos trabalhistas. Além disso, as condições que indiquem a exploração sexual dessas pessoas, continuará sendo crime passível de punição.

A secretária financeira do Gempac, Amélia Garcia, demarca que a instituição não aceita que menores de idade exerçam a ocupação. “Identificamos pessoas de idades muito diferentes, inclusive mulheres idosas, de 60 a 70 anos, mas não incentivamos e nem aceitamos que menores de idade trabalhem com sexo, de jeito nenhum. Nosso trabalho é bastante abrangente, com o foco de levar informações e formação política para as pessoas que estão nas ruas. E também levamos material de higiene pessoal e preservativos, principalmente depois da chegada do coronavírus”, destaca.

Pandemia

Em 2020, durante os surtos de contágio pela covid-19 em Belém, o Gempac encontrou dificuldade para ter acesso a materiais gratuitos e entregar para as profissionais que permaneceram nas ruas, a despeito do risco representado pela doença. “Foi terrível no ano passado. Eu ia atrás de preservativo para as meninas e os locais públicos, que entregavam, estavam fechados. Eu dizia: ‘eu preciso’! Elas tinham que trabalhar. Se não, como iam sustentar suas famílias? Corremos atrás do auxílio emergencial, material higiênico. Mas foi bem difícil para todo mundo, porque os clientes desapareceram. Tiveram grande prejuízo. Mas a boa notícia é que, na visão geral, não perdemos nenhuma companheira nas áreas em que atuamos. Isso nos deixa muito felizes”, comemora.

Lourdes Barreto, coordenadora geral do Gempac e fundadora da Rede Brasileira de Prostitutas (RBP), a primeira da América Latina, afirma que algumas pessoas atendidas pelo Gempac conseguiram ter acesso ao auxílio emergencial disponibilizado pelo governo federal. “Outras que não conseguiram auxílio, as mais jovens, conseguiram ir para o ambiente virtual, para tentar não perder tanto dinheiro. Ficou mais difícil foi para as de baixa renda, que fazem um programa por R$ 30, por exemplo. Essas passaram por um momento muito difícil. Essas é que nós realmente ajudamos. Assim como também ajudamos as redes de outros estados, como Pernambuco. O movimento de prostitutas foi muito solidário, por todo o Brasil”.

A pandemia também dificultou o trabalho do Grupo de Resistências de Travestis e Transexuais da Amazônia (Greta). A ativista e travesti Jéssica Marajoara, que é também voluntária do Gempac, diz que as atividades foram suspensas por questão de segurança. “Além da gente ter que cuidar da nossa saúde, também precisamos continuar trabalhando. Mas depois voltamos, porque sabemos que as travestis e transexuais são ainda mais vulneráveis que as cis, e a maioria de nós está na rua porque foi expulsa da casa da família, quando o corpo passou a ficar mais feminino. O preconceito é muito grande, por isso precisamos debater mais a lei Gabriela Leite”, relata.

Socorro Nascimento diz que o preconceito também acaba motivando denúncias contra as profissionais. “Nesta segunda-feira (30) recebi uma intimação, dizendo que estavam vendendo drogas na minha casa. Isso é uma mentira completa. Eu sou manicure, além de fazer programa, eu jamais estaria envolvida com esse tipo de coisa. Isso é preconceito, discriminação”, reclama.

Ministério Público

O vice procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho de Pará e Amapá (MPT-PA/PA), Sandoval Alves da Silva, afirma que o MPT tem atuado com o objetivo de proteger as profissionais do sexo, respeitando as nomenclaturas escolhidas pelos movimentos.

“O Ministério Público reconhece o direito à liberdade sexual e seguirá buscando identificar as ilicitudes que podem estar sendo cometidas contra essas pessoas. O artigo 149-a, do Código Penal, que tipifica o tráfico de pessoas, e os artigos 228 até o 230, que classificam a exploração sexual, com o tirar proveito da prostituição alheia, participando diretamente dos lucros, continuarão sendo observados”, assegura.

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