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Suspeitas de fraudes podem promover mudanças de vereadores na Câmara

Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (AIMEs) apontam irregularidades de partidos em regras eleitorais, como em cota de gênero. Ministério Público deu parecer favorável às impugnações

Sérgio Chêne / O Liberal

Até o final deste ano, a Câmara Municipal de Belém deverá ser sacudida com casos de "cadidaturas laranjas", que envolve suspeita de fraude de partidos em regras eleitorais, como em cota de gênero e acusações de abuso de poder econômico. A motivação é constituída por processos que correm na Justiça Eleitoral, em segredo, na forma de Ações de Impugnação de Mandato Eletivo (AIMEs), movidas pelos partidos Cidadania, DEM, PV, MDB, PSOL, PSDB e PL, contra vereadores, suplentes e os partidos PROS, Avante, Patriota, PSD e PTB. O Liberal teve acesso ao teor de algumas ações, protocoladas no início de 2021 e que apontam supostas fraudes na cota de gênero no processo eleitoral de 2020, neste caso, no mínimo de 30% às candidaturas femininas.
Com a expectativa de julgamento nos próximos meses, mas já com parecer favorável do Ministério Público Federal (MPF) às impugnações, a corte eleitoral pode decretar as cassações dos mandatos dos vereadores Túlio Neves (PROS), Roni Gás (PROS), Pastora Salete (Patriota), Josias Higino (Patriota), Zeca do Barreiro (Avante), Dona Neves (PSD) e João Coelho (PTB) e seus respectivos suplentes. As AIMEs envolvem partidos, parlamentares e suplentes. Os envolvidos devem ficar inelegíveis por 8 anos, de acordo com a legislação eleitoral.
Caso a Justiça Eleitoral entenda pelo deferimento das seis AIMEs, os vereadores e suplentes terão os registros cassados com os respectivos diplomas, da mesma forma anulados os votos obtidos. A JE deve refazer a "matemática" do quociente eleitoral e, assim, empossar Simone Kawhage (Cidadania), Toré Lima (DEM), Wilson Neto (PV), Wellington Magalhães (MDB), Gizelle Freitas (candidatura coletiva PSOL), Claudia Vinagre (PSDB) e Eduarda Bonanza (PL). 
As AIMEs foram movidas, no âmbito de Belém, pelo MDB em desfavor das legendas Avante, Patriota, PROS, PSD e PTB. O único processo que se encontra em primeira instância é o do Partido Republicano da Ordem Social (PROS). O MDB alega fraude à lei e abuso de poder econômico, e fundamenta-se no artigo 14, parágrafo 101 da Constituição Federal.

As irregularidades

De acordo com os processos, registra-se uma série de irregularidades, dentre elas, candidaturas fictícias, fraude na cota de gênero (com a substituição do gênero masculino) e lançamentos de candidatas sem o devido repasse no valor do fundo de financiamento partidário. Em um dos processos, o PTB requereu o registro de candidatura de 17 filiados, sendo 11 homens e 06 mulheres. Duas candidaturas (uma de cada gênero) foram indeferidas e foram substituídas. O substituto masculino foi deferido, enquanto que a reposição feminina não foi aceita. Com esse tipo de manobra ou artifício, de acordo com a acusação, várias mulheres foram cedendo lugar a candidaturas masculinas. E assim foi para o financiamento e o uso em espaço de TV e Rádio.
No polêmico caso envolvendo as seis legendas e os sete vereadores, consta a Ação de Investigação Judicial Eleitoral nº 0600531-46.2020.6.14.0096, onde o Partido Verde aponta que Aline Michelly do Socorro, Andreia Pinheiro, Elinora Correa e Rita de Cassia Serrão Moraes foram utilizadas pelo PROS como "laranjas" para cumprir a cota de gênero. Segundo a AIJ, o PROS já tinha conhecimento da inexigibilidade das supostas candidatas por inconsistências em documentos no registro de candidaturas, mas seguiu com os registros. As quatro mulheres passaram a ser investigadas.
Em outro caso, desta vez envolvendo acusações de candidaturas fictícias femininas apresentadas pelo PSD, inaptas com a troca por candidaturas masculinas, votação pífia: Rayane não recebeu um voto sequer e Zezinha Souza, apenas um voto. 
A primeira, lutadora de MMA, teria se lesionado em 27 de setembro de 2020 num evento esportivo e, assim, aberto mão da campanha, pois o período da contusão conflitou com o período de campanha. Porém, Rayane não comunicou à Justiça Eleitoral a renúncia da candidatura e ainda teria assumido um novo compromisso esportivo e durante a campanha. Mesmo comportamento de Zezinha Souza, que teria renunciado à candidatura a um posto em um sindicato de classe. 

Fora da câmara, candidatas questionam representatividade feminina 

Para Simone Kawahage, candidata do Cidadania que ficou de fora no último pleito, mas que entrou com recurso alegando a suposta fraude eleitoral, é contundente. "Vamos consertar isso, vamos dar voz às mulheres, assim como a questão do negro. Não sou contra os que entraram, mas entraram de forma indevida técnica e juridicamente, assumiram o risco. A expectativa é que o Tribunal julgue até dezembro deste ano". A ex-vereadora chama atenção às consequências de se burlar as regras eleitorais e cooptar candidatas "laranjas". "Muitas mulheres ficam abaladas psicologicamente, com restrições em seus nomes e nem sabem provar os gastos de campanha, de valores que muitas vezes nem receberam", destaca.
"Tivemos conhecimentos das provas cabais, o que nos causa indignação, pois são homens burlando a lei e nos deixaram de fora com 3.661 votos. Ficamos sabendo ao final de dezembro, início de janeiro de 2021", critica a assistente social Gizelle Freitas, representante legal da chapa coletiva do PSOL, da qual congrega outras três candidatas à vereadora nas eleições de 2020. Ela mantém a crítica. "Isso sendo feito por pessoas públicas, deram a cara tapa, foram para televisão fazer campanha, isso é tão baixo, as provas são terríveis, porque nos surrupiaram".
Quase 35 anos de militância em favor das causas da mulher, Domingas Martins, 68, diz que universo feminino se abriu às participações nas políticas públicas, entretanto, no processo eleitoral, precisa de mais avanços. "Avançamos bastante, mas na política ainda estamos a 'passo de tartaruga', a disputa é grande e desigualdade é grande. Precisamos avançar mais nos espaços de poder e nossa representatividade, mas assim, uma coisa é disputar as eleições, a outra é burlar as regras, tem que ser no nível das ideias", sustentou a militante e moradora do bairro do Benguí.

Justiça

O Tribunal Regional Eleitoral aponta cerca de 120 ações de impugnação de mandato eletivo relativas às eleições 2020. Quanto ao andamento, o Tribunal informou que o as AIMEs tramitam em segredo de justiça. Encontram-se em fase recursal e sob a relatoria da juíza federal Carina Cátia Bastos de Senna. O processo (recurso) está em exame pela relatora e ela definirá o momento adequado para o julgamento.

Vereadores rebatem acusações

Os vereadores Túlio Neves (PROS) e Roni Gas (PROS) se manifestaram.  Ressaltaram que são parte requerida em duas AIMEs. Em um dos processos, a justiça já teria reconhecido a ausência de caracterização de burla à cota de gênero pelo PROS, bem como a descaracterização de qualquer fraude relacionada às eleições municipais de 2020. Esta ação encontra-se em grau de recurso no TRE/PA, com o parecer do MPE pela manutenção da sentença. A segunda ação, por outro lado, ainda se encontra na fase instrutória, sob análise da mesma magistrada. O parlamentar disse seguir confiante na Justiça para resolução do caso.
O petebista João Coelho disse que não irá se pronunciar até que o processo seja finalizado. Dona Neves afirmou que repassaria o contato do advogado do PSD. Apesar de procurados, não foi possível o contato com os vereadores Pastora Salete e Josias Higino, ambos do Patriota, além de Zeca Barreiro, que não atendeu a ligação da reportagem. A reportagem tentou manter contato ainda com os presidentes das legendas, mas sem sucesso. Apesar de Sidney Gouvea, presidente do PROS, direcionar aos advogados do partido, os mesmos não deram retornos aos contatos feitos.

Legislação
A Emenda Constitucional (EC) nº 97/2017 vedou, a partir de 2020, a celebração de coligações nas eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, assembleias legislativas e câmaras municipais. Um dos principais reflexos da mudança se dará no ato do pedido de registro de candidaturas à Justiça Eleitoral, especialmente porque, com o fim das coligações, cada partido deverá, individualmente, indicar o mínimo de 30% de mulheres filiadas para concorrer no pleito. Pelo Brasil, temos muitos exemplos de impugnações referentes ao descumprimento da cota de gênero, sendo um caso recente ocorrido em Petrolina, Pernambuco, quando o vereador Carlos Alberto dos Santos perdeu o mandato por fraude na cota de gênero nas eleições municipais de 2020. 
No Pará, em 2019, o TRE cassou os mandatos de sete vereadores do município de Santa Izabel, no nordeste do estado. Todos de uma mesma coligação. Eles foram condenados em primeira e em segunda instâncias dentro de um processo que investigou fraudes no uso de candidaturas laranjas para gênero.

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