Senadores veem PM como ‘infiltrado’ do governo
Parlamentares viram "armação" do Palácio do Planalto por trás do depoimento. Representante
O depoimento do policial militar Luiz Paulo Dominghetti à CPI da Covid, na quinta-feira, 1º, levantou suspeitas de senadores de que ele pode ter sido "infiltrado" pelo governo para produzir provas fraudulentas e prejudicar investigações sobre corrupção no Ministério da Saúde. Em sessão tumultuada, que durou mais de sete horas, o policial afirmou que o deputado Luis Miranda (DEM-DF), autor de denúncias sobre irregularidades no contrato para compra da vacina indiana Covaxin, também estava envolvido nas negociações de imunizantes oferecidos pela Davati Medical Supply.
Miranda desmentiu Dominghetti e o celular do homem que se apresentou como vendedor de vacinas da AstraZeneca acabou apreendido pela Polícia Legislativa para que fosse periciado. Senadores do grupo que detém a maioria na CPI viram "armação" do Palácio do Planalto por trás do depoimento. Representante da Davati, Dominghetti mostrou à CPI um áudio de uma conversa em que Miranda aparece dizendo ter um "comprador com potencial de pagamento instantâneo".
Aos senadores, o policial afirmou que a gravação havia sido enviada ao CEO da Davati, Cristiano Alberto Carvalho. O áudio seria a prova de que o deputado quis negociar vacinas dentro do Ministério da Saúde, local onde trabalha seu irmão, Luis Ricardo Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística.
"O comentário do Cristiano foi o seguinte: ele está lá fazendo a denúncia, mas aqui faz o inverso", declarou o depoente aos senadores. Furioso, Miranda - que estava no Congresso - "invadiu" a sessão da CPI para dizer que tudo aquilo era mentira e teve de ser contido por colegas. Houve muito bate-boca.
O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), não escondeu a irritação com Dominghetti. "Não venha achar que todo mundo aqui é otário nem pateta. Na nossa região, chapéu de otário é marreta e jabuti não sobe em árvore", protestou. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho mais velho do presidente, reagiu: "O senhor não quer conhecer a verdade?". Mais tarde, Flávio disse que a oposição queria transformar a CPI em "palco" antecipado para a disputa de 2022.
Já do lado de fora, Miranda afirmou que a gravação apresentada pelo policial era de outubro do ano passado e se referia à negociação para venda de luvas a uma empresa americana. Além de parlamentar, Miranda preside a LX Holding Corp., empresa que atua nos Estados Unidos.
"Plantaram um cavalo de Troia nessa CPI", afirmou ele, sugerindo que Dominghetti foi treinado pelo "gabinete do ódio", grupo de auxiliares de Bolsonaro. "Mas eu vou provar a corrupção no Ministério da Saúde". O próprio Cristiano, CEO da Davati, contestou a versão do policial e disse que o áudio era antigo.
"Esse cara foi usado. Mas por que pegar um cara do interior de Minas para armar isso?", questionou Aziz. "Quem teria colocado esse senhor aqui? Justamente quem se beneficiaria ao desacreditar a denúncia de corrupção no Ministério da Saúde. Obviamente, o próprio governo", concluiu o senador Rogério Carvalho (PT-SE).
Dominghetti foi convocado pela CPI porque disse, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, que o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias, cobrou propina de US$ 1 por dose da vacina AstraZeneca para fechar contrato com a Davati, em fevereiro. Não houve acordo. Dias foi demitido na última terça-feira. Antes, o próprio Miranda e o irmão dele, o servidor Luis Ricardo, haviam dito à CPI que Dias fazia pressão para que a compra da Covaxin fosse acelerada. O negócio previa uma antecipação de pagamento de US$ 45 milhões para uma offshore
A suspeita de que Dominghetti fazia parte de uma ação orquestrada para provocar confusão apareceu várias vezes na CPI. Cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, ele trabalhou como guarda de guarita na sede do governo Minas, comandado por Romeu Zema, de 2019 até o ano passado. Como mostrou ao Estadão, o policial chegou ao então diretor de Logística do Ministério da Saúde por meio de um oficial da reserva do Exército que integra a "Abin paralela", grupo de informantes que Bolsonaro afirma manter para não depender dos órgãos oficiais de informação. Em nota divulgada ontem, Dias negou ter pedido propina a Dominghetti e disse estar sendo usado como "fantoche".
"Eu quero saber como (a imprensa) vai reagir com a questão da CPI. Foi bonito, hein?", disse Bolsonaro na live de ontem.
‘Estelionato’
O homem que tanta polêmica causou na CPI também já fez postagens simpáticas a Bolsonaro e contrárias ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Facebook. Senadores descobriram que o policial é próximo do coronel Giovani Silva, presidente da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e ex-comandante da PM de Minas. "A história tem focinho de estelionato, rabo de estelionato, pé de estelionato. Será que é estelionato? Vamos descobrir, mas chama atenção a repetição do procedimento do governo, cheio de privilégio aos velhos esquemas", disse o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
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