"Reflexo da nossa cultura racista", diz advogado sobre projeto rejeitado em Belém

Criação do Dia da Resistência Negra foi rejeitado por 17 votos a 10

Eduardo Laviano
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O projeto de lei que iria instituir o Dia Municipal da Resistência e Liberdade Negras em Belém foi rejeitado na Câmara dos Vereadores nesta terça-feira (22). 

Os 17 vereadores que votaram contra a data alegaram que havia duplicidade de projetos, afirmando que o tema já havia sido contemplado em outra matéria submetida à casa.

Segundo o advogado Paulo Victor Squires, não houve surpresa alguma da parte dele em relação ao resultado.

"Não fiquei nada surpreso por conta da estrutura racial que temos na nossa sociedade, entre políticos e não políticos. É só um reflexo da nossa cultura racista", afirma.

O antropólogo Sílvio de Almeida discute o tema citado por Paulo no livro "Racismo estrutural", publicado em 2018, alertando que o Brasil é permeado de práticas institucionais formalizadas que, com frequência, colocam grupos étnicos em posições subalternas, deixando-os invisíveis e inibindo quaisquer forma de reconhecimento de suas histórias.

Mais do que atos do dia a dia, o racismo estrutural é um fenômeno que, por definição, foi construído a partir de processos históricos e políticos. Por conta dele, os números de marginalização, encarceramento, mortes e desemprego são maiores entre os negros em todas as regiões brasileiras. Para Squires, a Câmara Municipal de Belém é um exemplo contundente do problema.

"Além de tudo isso, há o adendo da falta de diversidade, com poucos negros na casa. Os brancos se sentem atingidos, falam que se for falar de [respeito aos] negros tem que falar dos brancos também. Então não tinha como o resultado ser outro", lamenta ele.

Dos 35 parlamentares que exercem mandatos na Câmara, 12 se declararam pretos ou pardos ao Tribunal Regional Eleitoral nas eleições de 2020, totalizando 34% dos vereadores. O número está longe de representar o quantitativo de pretos e pardos autodeclarados que vivem em Belém: 70%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

image Advogado entende que mazelas dos negros no Brasil não podem ser discutidas em um único dia (Divulgação)

Segundo Paulo, os debates sobre o tamanho da contribuição da população preta para a cultura do país, bem como sobre as inúmeras mazelas que os pretos sofrem no Brasil, não cabem em um único dia do ano.

"Um Dia da Consciência Negra não é o suficiente para debatermos a complexidade de como os negros são tratados na nossa sociedade. Ter datas para discutir todos esses temas ao longo do ano é importantíssimo para que possamos entender as consequências do racismo no país e pensar políticas públicas específicas para garantir o direito à vida desta população", entende ele.

O advogado também alertou para o simbolismo histórico da data sugerida pela vereadora Lívia Duarte (Psol) no projeto: 14 de maio, o dia seguinte a abolição da escravidão no Brasil. 

Atualmente, há consenso entre historiadores e ativistas de que a Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel de Bragança em 1888, foi conservadora mesmo para a época e não previu maneiras de incluir os escravos libertos na sociedade.

"No dia 14 os negros estavam livres, mas sem terra, sem riquezas, sem qualificação nem politica publica para se desenvolver socialmente. Nem isso, infelizmente, os parlamentares conseguem entender, pela falta de conhecimento mesmo sobre o tema. É importantíssimo que os parlamentares discutam os problemas sociais dos grupos vulneráveis que vivem em Belém, mas para isso, eles precisam estudar", aconselha Paulo.

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