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Projeto de Lei reacende debate sobre ocupação da orla da Belém

A Câmara dos deputados Deputados aprovou no dia 25 deste mês o PL que remete a uma lei municipal as regras de proteção de margens de rios. Texto segue para análise do Senado

O Liberal

O Projeto de Lei (PL) 2510/19 que transfere para a legislação municipal as regras de proteção de margens de rios em áreas urbanas divide opiniões na capital paraense e deve reacender o debate em torno do uso do solo na orla da cidade. Atualmente, o Código Florestal fixa faixas marginais que variam de 30 a 500 metros conforme a largura dos rios, considerando-as áreas de preservação permanente (APP), mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em abril deste ano, que essas regras também devem ser aplicadas a áreas urbanas. Pela proposta, caberá ao município, por meio de lei municipal, definir a amplitude da faixa de ocupação e estabelecer faixas de proteção diferentes em áreas consolidadas urbanas, que já contam com edificações, sistema viário, loteamento e equipamentos de infraestrutura urbana, não podendo ser ocupadas, nesses casos, áreas de risco de desastres.

Aprovado na Câmara na última quinta-feira (26), o PL 2510/19 segue agora para análise do senado.

Presidente da Câmara Municipal de Belém, Zeca Pirão (MDB) concorda com a proposta aprovada pela Câmara dos Deputados. “Porque quem está aqui de perto somos nós vereadores, deputados estaduais, estamos na cidade. Principalmente o vereador que está direto aqui. Sabemos o que tem que ser feito ou não”, ressalta.

Para ele, a possível mudança não vai gerar impactos negativos, “porque existem as tecnologias para resolver os problemas, hoje, com as tecnologias disponíveis, você monta prédios, pontes, dentro do mangue, da lama, do rio, do mar. São tecnologias novas e tudo que se referir ao meio ambiente existem maquinários e meios de não poluir ou jogar os resíduos no rio, mar, igarapé. Então não vai ter esse impacto ambiental não”, avalia.

Sobre o projeto que autoriza a construção de empreendimentos na orla, já em análise pelo Poder Legislativo Municipal, ele conta que está esperando o último estudo do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) e dos órgãos competentes da construção civil. “Porque as pesquisas apontam 70% de aprovação da população da mudança na Orla. Estamos preocupados em saber do vento, porque com a desaprovação da população não estamos preocupados. Arquitetos especializados que entendem de urbanização falam que não vai atrapalhar em nada, senão nenhum lugar do Brasil e mundo teria prédios nas orlas”, declarou.

Líder do governo na Câmara Municipal, o vereador Allan Pombo (PDT) considera pertinente compreender as peculiaridades locais para tomar as decisões. Apesar disso, ele vê com preocupação a possibilidade de regramento regional, considerando o impacto que isso pode provocar na preservação ambiental. “Por isso esse debate tem que ser coletivo, ouvindo todos os conselhos municipais necessários para tomar decisões. A responsabilidade aumenta para o município. Agora, quando as decisões são coletivas, com amplo debate, e ouvindo conselhos técnicos, a gente pode chegar num denominador comum para o desenvolvimento da cidade, mas respeitando o regramento ambiental e o direito à cidade”, avalia.

Ele lembra que neste momento a Câmara Municipal tem discutido mudanças no plano diretor. “O que está mais recente é a situação dos atacadões na orla, inclusive a justiça autorizou a abertura, então, isso é um assunto que está inerente na Câmara, no Poder Executivo, na sociedade e vamos ficar atentos a essa mudança de legislação, compreender isso faz com que a gente torne o debate mais amplo ainda, e tendo todo o suporte e orientação técnica dos conselhos municipais necessários”.

Para Lívia Duarte (PSOL) a aprovação do Projeto de Lei na Câmara foi uma vitória da especulação imobiliária e de interesses econômicos que não estão preocupados com a preservação do meio ambiente. “Ao transferir para os municípios a Câmara está criando a oportunidade do lobby empresarial conseguir destruir áreas de preservação e aumentar os problemas ambientais, dentre elas as enchentes, nas grandes cidades”.

A vereadora acredita que a decisão não visa descentralizar para que o povo esteja mais perto da decisão, mas sim livrar os empreendimentos imobiliários e prefeituras de obrigações mínimas de proteção ambiental. “De certa forma faz parte do momento que vivemos em que se tenta passar a boiada em tudo que é garantia ambiental. Neste momento aqui em Belém enfrentamos a sanha dos atacadistas que querem ocupar a orla da cidade. É parte desta lógica que subordina a sobrevivência ambiental das cidades ao lucro de pequenos e poderosos grupos econômicos. Espero que a sociedade civil se mobilize e consiga impedir que o Senado prossiga com mais este ataque ao meio ambiente”.

Já o vereador Matheus Cavalcante entende que a proposta fortalece o Pacto Federativo e dá mais prerrogativas para municípios legislarem sobre seu território. “É nas cidades que as pessoas moram, e a fiscalização e o debate sobre o uso desse solo tem que ser mais efetivo e perto da comunidade que vivencia a cidade, ouvindo os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente”, declarou. “Entendo que com isso, os Planos Diretores e as legislações municipais de uso do solo, que já são de extrema importância às cidades, ganham mais uma pauta importante, onde deverão estipular esses limites, atentos para os casos de utilidade pública, de interesse social e baixo impacto ambiental, sempre observando o Código Florestal”, completou.

Pesquisador do Pará mostra preocupação com a possível mudança

Pesquisador do Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará, André Farias explica que, se aprovada pelos senadores e sancionada, a proposta vai alterar, principalmente, o tipo de ocupação e utilização das áreas de preservação permanente, em especial a distância dessa ocupação do leito do rio. “Ou seja, o legislador municipal pode colocar numa lei um espaço menor (de proteção) e ampliar essa ocupação”.

Ele avalia que, inicialmente, parece interessante que os municípios tenham competência na gestão de seu território, o que seria um ponto positivo da matéria. “Porém, pelo nível que nós conhecemos das gestões municipais, de grande dificuldade da gestão pública ambiental, a secretaria de meio ambiente não tem pessoal em quantidade, instrumentos para fazer a fiscalização, e pela forma como Belém é historicamente ocupada, a tendência é que haja uma diminuição dessas áreas de preservação permanente. O capital imobiliário, o uso do solo, vai estar mais em conflito com a preservação permanente do leito do rio”.

Ele observa que a APP permite manter o ecossistema dos rios, que são fundamentais, principalmente nesse momento de crise hídrica. “Então, é maior o risco nas áreas de ocupação permanente. Vai impactar no regime de chuva, no assoreamento dos rios”, declarou.

Para André Farias, apesar da justificativa do legislador de que a proposta descentraliza a decisão pro município, há casos em que as câmaras de vereadores têm outros interesses que não a manutenção do ecossistema ambiental. “Isso pode ser um risco altíssimo, porque já tem projeto de lei feito por vereador em Belém que amplia a construção de áreas de preservação”.

O pesquisador acredita que, inicialmente, é preciso pensar na recuperação das bacias hidrográficas de Belém, com reaproveitamento desses rios para uma economia local, turismo e mobilidade urbana. “Se hoje nós temos o esforço de um vereador ou empreendimento vetado pelo prefeito, pela tendência e histórico de ocupação dos leitos dos rios, a tendência (se o projeto virar Lei) vai ser um adensamento das ocupações nos leitos de rios de Belém. Pode piorar. Belém e região metropolitana deveria estar pautando uma política de recuperação de rio. Nossa preocupação como pesquisadores é com nossos rios urbanos, que são fundamentais do abastecimento de água de Belém”, completou.

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