PL das Fake News amplia debate sobre regulação de plataformas digitais

Organizações da sociedade civil e pesquisadores dizem medida vai favorecer o mercado e a cultura política

Fabrício Queiroz

A discussão sobre o projeto de lei nº 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, mais conhecido como PL das Fake News, deve representar um marco para o fortalecimento da democracia e para a equiparação dos direitos e deveres das grandes plataformas digitais com as demais empresas de comunicação. Essa é a expectativa de pesquisadores e organizações do setor de mídia, que defendem a necessidade de regulação das companhias estrangeiras que dominam os principais serviços e redes sociais utilizados no Brasil.

Na última semana, o PL das Fake News foi o principal tema em discussão na Câmara dos Deputados. O projeto segue os moldes de propostas já implementadas em outros países e prevê, entre outras pontos, que as grandes plataformas digitais atuem de forma efetiva para combater a desinformação.

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Para ganhar força e derrubar o projeto, deputados de oposição unificaram um discurso alegando que o PL promoveria a censura e iria ferir o direito à liberdade de expressão. Em pronunciamento no Congresso Nacional na última semana, o deputado federal Delegado Caveira (PL-PA) disse que a Constituição Brasileira já possui leis que punem crimes virtuais, portanto o PL das Fakes News não é necessário.

“Os crimes já estão todos epigrafados no Código Penal. Não há necessidade de termos outras leis para regulamentar as redes sociais. Sou contra o PL 2630, haja vista que ela é direcionada a calar não só parlamentares que são oposição, mas também a imprensa e a igreja”, declarou Caveira.

Nas redes sociais, o deputado federal Éder Mauro (PL-PA) também se pronunciou e se posicionou contra o projeto de lei. “O PL 2630 é um cala boca na democracia, um ataque à liberdade de expressão, é calar a voz do povo. Não houve debate. A intenção é proteger o governo e punir a oposição”, falou o parlamentar.

No parlamento estadual, o deputado Rogério Barra (PL) critica a proposta e aponta que na prática, permitirá que um grupo político seja beneficiado. “O PL 2630 é um projeto muito mal feito que, caso aprovado, será utilizado politicamente pela esquerda para controlar e ferir o direito do cidadão brasileiro à liberdade de expressão”, afirma.

“O projeto de lei original foi apresentado em 2020 e ficou parado. Mas agora, o Governo Federal tem insistido nesse debate a toque de caixa. Cerca de 40% do texto é novo no PL 2630, foi incluído sem qualquer discussão ou debate”, continua Barra.

Sobre a possibilidade de remuneração de conteúdos jornalísticos e culturais previstos pela matéria que tramita na Câmara, Rogério diz que não passa de manobra para agradar a imprensa.

“A remuneração da atividade jornalística pelas plataformas digitais é um artigo colocado no projeto para garantir a simpatia junto aos meios de comunicação e fomentar o debate a favor da aprovação do PL 2630. Vivemos em um estado democrático de direito. O cidadão que cometer o crime de calúnia, injúria ou difamação deve ser julgado pela Justiça, a partir do Código Penal”, finaliza o deputado estadual.

Embate com as bigtechs

image O deputado Orlando Silva é o relator do projeto de lei das Fake News (Divulgação/ Câmara dos Deputados)Paralelamente, o tema ganhou ainda mais em evidência após os recentes casos de utilização de redes sociais para articular grupos criminosos e divulgar imagens de atentados em escolas e contra crianças e adolescentes. Em meio a essa tensão, as chamadas big techs, que abrangem Google, TikTok e o Meta, que é responsável pelo Facebook, Instagram e Whatsapp, realizaram para barrar o PL. Com isso, a votação da matéria acabou adiada após pedido do relator do projeto, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Ainda não há previsão de quanto o projeto voltará à pauta, mas em entrevista ao Grupo Liberal, Orlando Silva disse que continuará trabalhando pela sua aprovação, apesar da pressão das big techs sobre os parlamentares e a sociedade. “Houve abuso do poder econômico pelas bigtechs para impedir a aprovação, mas não acredito que terão sucesso. É próprio do processo legislativo escutar sugestões e, eventualmente, incorporar. Vamos continuar conversando com os deputados e, nesse processo, ajustes para unificar posições podem vir a ocorrer, mas não por causa de pressão”, afirmou o deputado citando as campanhas impulsionadas por plataformas como o Google e o Meta na última semana.

Para Silva, o adiamento da votação é momentâneo e há perspectiva de aprovação diante do apoio popular ao projeto. “Na sociedade, a pesquisa que existe mostra que 78% da população apoia a regulação, porque não é possível compactuar com o uso malicioso da Internet para cometer crimes. A imensa maioria das pessoas, que usa as redes para se comunicar e se informar não aceita que grupos criminosos se organizem nas redes para fazer o mal”, pontuou o parlamentar, que destacou: “Eu trabalho com o cenário de aprovação em breve. Para isso, tenho me dedicado a convencer quem está disposto a dialogar. Confio que vamos construir maioria sólida na Câmara”.

Entidades defendem responsabilidade das plataformas digitais

O setor da comunicação foi transformado pela ampliação do acesso à internet e a popularização de canais de vídeos, streaming, aplicativos de mensagens e redes sociais e outros. Contudo, o ingresso desses serviços no cotidiano da população ocorreu sem qualquer tipo de regramento e provocou um debate que mobiliza empresas, pesquisadores e organizações da sociedade civil.

Para o presidente de Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Flávio Lara, é preciso que haja legislação sobre as plataformas digitais para que elas atuem no país em igualdade de condições com as demais empresas de comunicação. “Nós somos obrigados a seguir a legislação, pagamos impostos e atuamos junto às agências de publicidade para vender anúncios. O que ocorre nessas plataformas é uma enorme evasão de impostos. Elas querem ter os mesmos direitos, mas não querem ter nenhum dever que as empresas brasileiras tem. É fundamental que haja uma conscientização da sociedade brasileira sobre isso”, afirma.

Nesse sentido, Flávio Lara destaca que o estabelecimento de regras para o segmento contribuiria também para corrigir as falhas atuais que beneficiam as plataformas. Os artigos do texto propõem, por exemplo, a remuneração pelos conteúdos jornalísticos e produções culturais que circulam nessas mídias. “Essas empresas utilizam conteúdos feitos por nós, vendem publicidade e não remuneram ninguém. Produzir conteúdo é caro e difícil, por isso estamos pleiteando essa remuneração”, pontua.

Outro ponto ressaltado por Lara é quanto à necessidade de responsabilização dessas companhias pelos conteúdos que elas mantêm ou retiram da rede sem qualquer transparência. “É fundamental que elas tenham responsabilidade pelo que publicam e veiculam. As emissoras de rádio e TV têm um CNPJ por trás de tudo que é veiculado. O que a gente quer é que se publique, mas se tenha responsabilidade pelo que se está publicando”, declarou o presidente da Abert, ressaltando que não observa no PL 2630 qualquer risco às liberdades.

“Quem fala que esse é um PL da censura está mentindo. A Abert sempre defendeu a liberdade de expressão e de imprensa. Jamais apoiaríamos um projeto que prevê censura”, frisou.

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) também abordou o tema com a reportagem do Grupo Liberal. O presidente da entidade, Marcelo Rech, considera que o Brasil precisa acompanhar a discussão sobre o combate a desinformação, resguardando o que prevê a Constituição Federal.

“Nós apoiamos. Estamos acompanhando esse projeto há três anos, desde a aprovação no Senado. O PL está chegando muito tarde aqui, porque esse assunto é discutido na Europa desde 2018. O produto gera uma poluição social muito grande que é traduzido por crimes, massacres, todos os horrores que a gente vê na internet”, disse Rech, que salientou a importância de fortalecer o jornalismo como ferramenta de enfrentamento às fake news.

“A remuneração da atividade jornalística é fundamental para o combate à desinformação. O jornalismo profissional com suas regras é a melhor forma. Todo o ecossistema do jornalismo seria estimulado para a diversidade, em oposição a desinformação, que é inverídica. [As notícias falsas] não interessam à sociedade brasileira, interessam algumas pessoas que se valem disso para ganhar votos”, enfatizou Marcelo Rech.

Pesquisadores falam da importância do PL 2630 para a democracia

Além de regular um mercado, o PL das Fake News deve contribuir para o fortalecimento da cultura política, com menos ódio, intolerância e violência. Para o professor universitário, doutor em Ciência Política e colunista de O Liberal, Rodolfo Marques, destaca que o contexto social e comunicacional contemporâneo exige a criação de regras sobre as plataformas digitais.

“Nós vimos nos últimos anos vários episódios político-eleitorais e também em outras searas, como a pandemia, em que a desinformação e a infodemia acabaram sendo elementos que contribuíram negativamente para que processos pudessem ser desenvolvidos. Dentro desse contexto, é fundamental que haja um cuidado maior no tratamento dessa questão. Governo, sociedade civil, empresas, plataformas, cidadãos e cidadãs de uma maneira geral precisam participar dessa discussão para buscarmos melhores termos em relação a essa chaga que é a desinformação”, argumenta o pesquisador.

image Para a pesquisadora Kalynka Cruz, o PL 2630 fortalece a democracia brasileira (Divulgação)

Por sua vez, a diretora da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Pará (UFPA) e pesquisadora em cibercultura, Kalynka Cruz, avalia que as campanhas promovidas pelas big techs contra o PL 2630 são mais um indicativo da relevância da regulação do setor.

“Pode-se falar que elas estão promovendo um agendamento tanto como plataforma, criando bolhas e tensionamento na sociedade, quanto pelo próprio fato do adiamento da votação. Há sim uma tentativa de agendamento da sociedade contra a aprovação da PL”, analisa a professora que considera que essas empresas tem se posicionado contra a medida em razão da provável elevação de custos que elas terão com contratação de pessoal, elaboração de novas tecnologias e ferramentas mais claras de moderação.

Diante disso, Kalynka defende que a matéria avance, mantendo em sua essência a adoção de mecanismos claros e transparentes para sua aplicação e com garantias de respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos e usuários da internet. “A lei é absolutamente necessária. Os benefícios serão muito maiores do que os eventuais riscos. Nós temos uma democracia forte, com os poderes corretamente instituídos e esse medo de que a aprovação desse projeto possa afetar os nossos direitos individuais é mínimo porque a gente tem ferramentas instituídas para evitar que isso aconteça”, ressaltou Kalynka Cruz.

“A regulação das mídias e das redes sociais é você ter regras melhores de funcionamento, que acabam trazendo outros pontos importantes para que uma sociedade possa avançar, para que haja uma cultura política mais disseminada dentro daqueles determinados grupos e também para que haja um cuidado maior em relação ao tipo de informação que é veiculada pelo grau de interferência na vida das pessoas”, resume Rodolfo Marques.

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