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Pará tem mais de 800 requerimentos de exploração mineral em terras indígenas

Projeto de Lei que libera esta prática poderia afetar 45 reservas no Estado

Elisa Vaz
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Um total de 804 requerimentos para exploração mineral de terras indígenas do Pará tramitam na Agência Nacional de Mineração (ANM), o que preocupa representantes desses povos e pesquisadores da Amazônia. Os pedidos podem avançar caso o Projeto de Lei (PL) 191/2020, que libera a mineração em terras indígenas, seja aprovado na Câmara dos Deputados, com votação prevista já para a primeira quinzena de abril. Os dados são da própria Agência, disponíveis no Sistema de Informação Geográfica da Mineração (Sigmine) e extraídos pela plataforma Amazônia Minada, uma ferramenta de monitoramento mantida pelo site InfoAmazonia.

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Os requerimentos estão em áreas de 45 reservas no território paraenses, ainda conforme informações da AMN. Esses dados, porém, foram enviados de forma separada à reportagem do Grupo Liberal e são referentes ao dia 2 de março deste ano, enquanto os primeiros dados são mais recentes.

Segundo a plataforma Amazônia Minada, o Pará, com 804, é o Estado com o maior número de requerimentos para exploração mineral em terras indígenas na região, deixando para trás Roraima (324), Amazonas (519), Rondônia (268), Mato Grosso (228), Acre (23), Amapá (21), Tocantins (17), Maranhão (7), além de locais com dados não cadastrados (14). Quanto à área requerida, o território paraense soma 1,74 milhão de hectares de terras indígenas incluídas nestes pedidos, atrás apenas de Roraima, que tem 5,42 milhões de hectares atingidos.

Em toda a Amazônia Legal, composta por nove Estados brasileiros, 204 terras indígenas poderão ser afetadas, já que a ANM recebeu, desde a década de 1.970, pedidos de autorização para transpassar os limites dessas áreas com a mineração, seja com pesquisa mineral ou lavra garimpeira. No total, são 2.457 requerimentos ainda considerados ilegais na região, em uma área que reúne 12,5 milhões de hectares, mostra a plataforma da InfoAmazonia.

Hoje, a Constituição proíba a mineração em terras indígenas, não autorizando a atividade nessas áreas, com exceção dos requerimentos que tiverem aval do Congresso e forem consultados junto às comunidades. Porém, os pedidos podem ser feitos juntos à ANM. 

Legalização

O presidente Jair Bolsonaro já defendia, durante o mandato de deputado federal, a abertura das terras indígenas para mineração. Depois enviou ao Congresso o PL que está hoje em discussão, que acabou entrando na lista de projetos prioritários do Planalto na Câmara naquele ano.

Para o pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA), Rodrigo Oliveira, a atividade de exploração minerária é bastante impactante, seja do ponto de vista ambiental ou social. Segundo ele, a própria Constituição reconhece isso, quando fala que a mineração depende sempre de estudo prévio de impacto ambiental e que essa é uma atividade com impactos sensíveis e graves.

“No caso do Pará, em particular, que é o campeão de requerimentos sobre terras indígenas, chegando a ter até terras indígenas com mais de 80% da superfície coberta de requerimentos minerais, a liberação desse tipo de atividade tende a causar impactos severos sobre os povos indígenas, incluindo impactos à soberania alimentar, a atividades tradicionais de pesca, de caça, atividades produtivas como roça, impactos sanitários de contaminação por poluentes e outros tipos de substâncias nocivas. Então, sem dúvida nenhuma, a liberação dentro de terras indígenas no Pará poderá ter um efeito catastrófico sobre os povos indígenas”, avalia.

Além disso, o pesquisador afirma que o governo do Estado e o governo federal não têm qualquer controle sobre a situação socioambiental no Pará, que bate recorde atrás de recorde no que diz respeito a garimpo ilegal, contaminação e assoreamento dos rios e contaminação por mercúrio. “Não é legalizando essas atividades profundamente impactantes que você vai solucionar o problema”, diz Rodrigo. Para o estudioso, a legalização é algo que tende a fomentar ainda mais uma corrida pelas terras indígenas e potencializar os impactos que são verificados hoje.

O que deveria ocorrer, na opinião do pesquisador do ISA, é que a Agência Nacional de Mineração deveria apreciar e indeferir os requerimentos sobre terras indígenas, porque, segundo ele, é uma atividade inconstitucional e ilegal. Inclusive, ele relembra que, em 2019, o Ministério Público Federal no Pará (MPF-PA) ajuizou uma ação coordenada justamente questionando essa prática de receber os requerimentos e suspendê-los, ao invés de indeferir os pedidos.

Inconstitucional

Outra preocupação é quanto à falta de consulta às comunidades envolvidas nas atividades, como consta na legislação. “A convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é clara ao dizer que toda atividade administrativa que afeta diretamente os povos indígenas, comunidades quilombolas, e povos e comunidades tradicionais depende de consulta. Um projeto de mineração, por exemplo, que não está dentro da terra indígena, mas está próximo ou de alguma maneira vai impactar uma terra indígena, depende de consulta prévia aos povos afetados. Mas o que a gente tem no Pará é um histórico de violação desse direito pelo próprio Estado. Há inúmeros exemplos de empreendimentos, dentre os quais minerários, que afetam diretamente os povos indígenas e que não foram subvertidos a consulta. Esta é uma ilegalidade grave e recorrentemente cometida pelo Estado do Pará – embora as empresas também tenham sua responsabilidade, é importante dizer que a consulta prévia é uma obrigação do Estado, não da empresa, não pode ser delegada para a empresa privada, que é diretamente interessada naquele empreendimento”, comenta.

Procurado pela reportagem, o MPF-PA preferiu não se pronunciar por meio de entrevista, mas enviou ao Grupo Liberal uma série de textos que reforçam seu posicionamento: a rejeição integral do Projeto de Lei 191/2020. Um parecer da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais do MPF (6CCR), apresentado ainda em 2020, considerou o texto apresentado pelo governo federal como “flagrantemente inconstitucional”, uma vez que confunde conceitos constitucionais distintos e viola o princípio da hierarquia das normas jurídicas.

“Há na Constituição Federal clara distinção entre as atividades econômicas minerárias em geral, a mineração estratégica em terras indígenas e as atividades produtivas indígenas existentes sobre minerais em seus próprios territórios, como a faiscação, por exemplo. Mas o projeto de lei tratou esses conceitos como se fossem sinônimos e, com isso, ‘patrocinou o conflito de interesses e direitos que estão pacificados no corpo da própria Constituição da República’”, dizia este texto.

Em 2021, o MPF afirmou que o PL é inconvencional, pois foi apresentado sem consulta prévia às comunidades indígenas que serão afetadas pela mineração. Também manifestou preocupação com o aumento dos casos de garimpo ilegal em terras indígenas e sugeriu que o Poder Executivo adotasse todas as providências para coibir a mineração ilegal e para retirar os garimpeiros invasores dessas terras. Em outra ocasião, já em 2022, o órgão manifestou preocupação com a “inconstitucionalidade da proposta e a preocupação com o aumento do garimpo ilegal em terras indígenas”. Até hoje, o órgão segue pedindo a consulta às comunidades e, entre outras pautas, o cancelamento de projetos minerários em terras indígenas de todo o Pará.

Comunidade

Coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas, Maura Arapiun afirma que o PL, caso aprovado, não afetaria somente a área a ser explorada, mas sim todo o território, ecossistema e a cultura. Afetaria, de acordo com ela, principalmente, o direito à vida e o direito de que os povos indígenas e os seres que na terra habitam de viver com uma qualidade de vida digna.

“Esse tipo de projeto, que viola os direitos dos povos originários, vem sendo implementado dentro dos territórios de forma violenta. Quando se tem um governo que favorece esse tipo de prática, se torna mais fácil ainda, e para impedir que seja aprovado é preciso muita mobilização, é preciso ir à luta. Então, antes que seja levado a instâncias maiores, os órgãos que dão o total aval deveriam analisar os impactos ambientais que esses projetos causariam e, principalmente, quais direitos eles violam, porque o direito à terra e aos direitos originários é garantido na Constituição Federal”, ressalta a indígena.

Maura ainda destaca que a consulta aos povos indígenas não é uma prática comum no Pará e está longe de ser. Segundo ela, as mineradoras, como qualquer outro tipo de projeto, entram nas terras indígenas sem consulta alguma, ferindo diretamente a convenção 169 da OIT.

Ela não tem dúvida de que a aprovação do PL pioraria muito mais a realidade na região. “Os povos indígenas já sofrem as consequências da garimpagem ilegal. Em nossa região já sofremos essas consequências com a contaminação do mercúrio. Nossos rios e nossos peixes estão poluídos, o mercúrio já está em nosso sangue, e muitos já estão morrendo em consequência dessa prática ilegal. O PL 191 é um projeto genocida que mata os verdadeiros guardiões da floresta, não é favorável a nós, somente ao homem branco que só pensa em dinheiro, que mata vida por dinheiro, que é desumano. Esse PL mata nosso bem mais precioso que é nossa Mãe Terra”.

A favor

Por outro lado, muitas pessoas são a favor da aprovação do mencionado Projeto de Lei. É o caso do deputado federal Éder Mauro. Ele diz que quem conhece a realidade da Amazônia sabe que, no Pará, é grande a quantidade de mineradoras - inclusive ressalta que há uma instalada em área de conservação ambiental, na Floresta Nacional de Carajás - e todas são monitoradas e fiscalizadas para atuar dentro da legislação ambiental. A Constituição, segundo ele, prevê a possibilidade de mineração em terras indígenas, mas desde que a atividade seja regulamentada por lei.

"Como nenhuma lei sobre o tema foi aprovada, a prática é considerada ilegal e abre margem para a clandestinidade, como já praticada há décadas por várias frentes, inclusive etnias indígenas, como os Mundurukus e Kaiapós. Por que a operação da mineradora não é ilegal, já que atua dentro de uma área de conservação? Por que o indígena não pode ter direito em explorar as riquezas naturais em seu território?", questiona.

O parlamentar afirma também que, desde o início, o governo Bolsonaro buscou construir uma proposta de regulamentação que fosse equilibrada e que atendesse às demandas e anseios dos povos indígenas, ao mesmo tempo que viabilizasse empreendimentos de geração de energia hidrelétrica e de mineração em terras indígenas. "O texto do PL 191 estabelece que haja consulta das comunidades indígenas afetadas pelas atividades de exploração mineral ou geração de energia. O propósito do PL é, mais uma vez, garantir aos indígenas o mesmo tratamento dispensado aos particulares, quando as servidões administrativas recaem sobre propriedades privadas", diz.

Na avaliação de Éder Mauro, com a legalização da regulamentação da mineração em terras indígenas, a operacionalização da atividade vai passar a, obrigatoriamente, seguir regras ambientais, regras de licenciamento e toda gama de normas ambientais que permitirão a execução da atividade de forma legal, a exemplo das mineradoras.

Áreas e etnias procuradas

Embora estejam ‘engavetados’, os processos mostram quais terras indígenas são mais visadas pelas mineradoras e que podem se tornar alvos preferenciais se a prática for legalizada com a aprovação do PL. No território paraense, as terras mais demandadas, em área, são Kayapó (258.257 ha), Trincheira Bacaja (191.319 ha), Baú (182.794 ha), Xikrin do Rio Catete (163.023 ha) e Apyterewa (112.258 ha). Falando do número de requerimentos, lideram as terras Kayapó (112), Sawré Muybu (Pimental) (68), Mundurukú (67), Baú (53) e Xikrin do Rio Catete (50).

Quanto às etnias, as que têm mais áreas requeridas dentro dos projetos são Kayapó (711.428 ha), Asurini do Xingu (207.814 ha), Araweté (191.762 ha), Parakanã (185.062 ha) e Mundurukú (148.147 ha). Já as que tiveram mais requerimentos em suas terras foram Kayapó (275), Mundurukú (147), Parakanã (61), Arara do Pará (45) e Kaxuyana (38).

Na Amazônia como um todo, Yanomámi (501), Kayapó (282), Wapixana (168), Mundurukú (163) e Makuxí (155) foram as mais demandadas em número de pedidos, mas, em área requerida, ganham as etnias Yanomámi (3.699.180 ha), Wapixana (1.214.476 ha), Makuxí (1.046.165 ha), Kayapó (756.526 ha) e Taulipáng (680.419).

Projetos no Pará

Entre os requerimentos em terras indígenas no Pará, a maioria é referente à extração de minério de ouro (241 pedidos em 566.530 ha), ouro (163 em 352.578 ha), minério de cobre (75 em 164.610 ha), cassiterita (47 em 95.551 ha) e cobre (35 em 99.332 ha). As empresas mais interessadas na região, que entraram com esses pedidos, foram a Vale S.A. (63 requerimentos), Mineração Silvana Indústria e Comércio Ltda (58) e Anglo American Níquel Brasil Ltda (42). Mas as empresas que requeriram mais área foram a Mineração Silvana Indústria e Comércio Ltda (153.045 ha), Vale S.A. (129.532 ha) e Belo Sun Mineração Ltda (62.865 ha).

De todos os mais de 800 projetos previstos no Pará e que estão em análise pela ANM, 411 estão em fase de requerimento de pesquisa, 166 em requerimento de lavra garimpeira, 113 na etapa de autorização de pesquisa, 55 estão aptos para disponibilidade, 22 com disponibilidade, 13 na lavra garimpeira, cinco na fase de concessão de lavra, dois no requerimento de lavra e um no licenciamento. Esses últimos dados foram extraídos da plataforma Amazônia Minada.

Exploração mineral no Pará

Requerimentos ilegais em terras indígenas: 804

Área de terra indígena: 1.747.604 ha (hectares)

Terras indígenas por área requerida

  • 1° Kayapó: 258.257 ha
  • 2° Trincheira Bacaja: 191.319 ha
  • 3° Baú: 182.794 ha
  • 4° Xikrin do Rio Catete: 163.023 ha
  • 5° Apyterewa: 112.258 ha
  • 6° Sawré Muybu (Pimental): 86.385 ha
  • 7° Parakanã: 72.804 ha
  • 8° Badjonkore: 64.732 ha
  • 9° Menkragnoti: 57.914 ha
  • 10° Cachoeira Sec: 57.914 ha

Etnia por área requerida

  • 1° Kayapó 711.428 ha
  • 2° Asurini do Xingu 207.814 ha
  • 3° Araweté 191.762 ha
  • 4° Parakanã 185.062 ha
  • 5° Mundurukú 148.147 ha
  • 6° Arara do Pará 124.548 ha
  • 7° Wayana 60.257 ha
  • 8° Apalaí 60.257 ha
  • 9° Yudjá 60.257 ha
  • 10° Kaxuyana 44.819 ha

Substância por área requerida

  • 1° Minério de ouro: 566.530 ha
  • 2° Ouro: 352.578 ha
  • 3° Minério de cobre: 164.610 ha
  • 4° Cobre: 99.332 ha
  • 5° Cassiterita: 95.551 ha
  • 6° Minério de ferro: 63.702 ha
  • 7° Minério de manganês: 51.887 ha
  • 8° Minério de estanho: 46.749 ha
  • 9° Fosfato: 44.444 ha
  • 10° Platina: 44.003 ha

Fases de processo minerário por área requerida

  • 1° Requerimento de pesquisa: 961.604 ha
  • 2° Autorização de pesquisa: 485.771 ha
  • 3° Apto para disponibilidade: 120.071 ha
  • 4° Requerimento de lavra garimpeira: 114.555 ha
  • 5° Disponibilidade: 88.872 ha
  • 6° Concessão de lavra: 35.985 ha
  • 7° Lavra garimpeira: 17.714 ha
  • 8° Requerimento de lavra: 10.809 ha
  • 9° Licenciamento: 50 ha

Fonte: Amazônia Minada, da InfoAmazonia

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