Ex-chefe da Aeronáutica reafirma a adesão da Marinha a trama golpista
De acordo com o relato de Baptista Junior, ele e o ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, se opuseram ao posicionamento do almirante Garnier e tentaram dissuadir Bolsonaro da ideia

O ex-comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro do ar Carlos de Almeida Baptista Junior, afirmou ontem, durante depoimento ao Supremo Tribunal Federal (STF), que, em novembro de 2022, o então comandante da Marinha, almirante de esquadra Almir Garnier Santos, colocou suas tropas à disposição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para um intento golpista.
Baptista Junior, que comandou a Força Aérea Brasileira (FAB) de abril de 2021 a dezembro de 2023, foi ouvido como testemunha de acusação no processo a que Bolsonaro responde no STF por tentativa de golpe de Estado. Ele foi inquirido pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet. Os advogados de Bolsonaro, do almirante Garnier e do general e ex-ministro da Defesa Walter Braga Netto também participaram da audiência. Os três são réus sob acusação de terem integrado o "núcleo crucial" da trama golpista. Até agora, dos 34 denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no inquérito do golpe, 31 foram processados.
De acordo com o relato de Baptista Junior, ele e o ex-comandante do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, se opuseram ao posicionamento do almirante Garnier e tentaram dissuadir Bolsonaro da ideia de impedir a posse do então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva.
"O almirante Garnier não estava na mesma sintonia, na mesma postura que o general Freire Gomes. Em uma dessas reuniões, chegou a um ponto em que ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente", disse Baptista Junior. O tenente-brigadeiro afirmou não se recordar da data exata da reunião e disse que ela deve ter ocorrido perto do dia 14 daquele mês.
Prisão
Baptista Junior declarou ainda que o general Freire Gomes ameaçou prender Bolsonaro caso fosse decretada uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para evitar a posse de Lula. O episódio, relatou, ocorreu em uma reunião no Palácio da Alvorada, também em novembro de 2022. "General Freire Gomes é uma pessoa polida. Não falou com agressividade, mas foi isso que ele falou: 'Se o senhor fizer isso, vou ter que te prender'. Foi algo assim", disse o ex-chefe da Aeronáutica.
Na segunda-feira, 19, em depoimento ao STF também como testemunha de acusação, Freire Gomes afirmou que não deu voz de prisão a Bolsonaro. "O que alertamos ao presidente foi que no Exército não iríamos participar de qualquer coisa que extrapolasse nossa competência constitucional", disse o general na ocasião.
Questionado pela defesa de Garnier sobre a contradição, Baptista Junior respondeu: "Ele (Freire Gomes) não deu voz de prisão ao presidente, não foi assim. Mas ele falou, por hipótese, que poderia prender o presidente".
Minuta
Segundo a denúncia oferecida pela PGR, Bolsonaro mostrou aos então comandantes das Forças Armadas uma "minuta" de golpe, que propunha a realização de novas eleições e a prisão de autoridades do Poder Judiciário. Baptista Junior afirmou ontem que ele e Freire Gomes se recusaram a aderir a qualquer trama de ruptura institucional.
"O ministro (da Defesa) Paulo Sérgio (Nogueira de Oliveira) disse: 'Trouxe aqui um documento para vocês'. Não me lembro se era estado de defesa ou estado de sítio. Perguntei: 'Esse documento prevê impedir a assunção do presidente eleito?' Ele disse: 'Sim'. Eu disse: 'Não admito sequer receber esse documento. Não ficarei aqui'", relatou o ex-comandante da Aeronáutica no depoimento ao Supremo. O ex-titular do Ministério da Defesa também é réu por tentativa de golpe, acusado de integrar o mesmo núcleo de Bolsonaro.
Baptista Junior disse ainda que, nas conversas, Bolsonaro e auxiliares do ex-presidente passaram a aventar a possibilidade de decretar uma operação de GLO, estado de defesa ou estado de sítio a pretexto de solucionar uma "crise institucional". Entre os participantes da reunião que buscavam dar subsídios à ideia de estabelecer medidas de intervenção, afirmou o ex-comandante, estava o então ministro da Justiça, Anderson Torres.
Conforme Baptista Junior, nas primeiras reuniões com Bolsonaro após o segundo turno da eleição presidencial de 2022, discutia-se uma operação de GLO para lidar com possível convulsão social causada pela polarização política e mobilização de apoiadores do ex-presidente. Depois, segundo o tenente-brigadeiro, ficou claro que o plano tinha como finalidade evitar a posse de Lula.
'Brainstorming'
Em um desses encontros, houve, nas palavras de Baptista Junior, um "brainstorming" sobre a possível prisão de autoridades. Durante reunião realizada no Alvorada com a participação de Bolsonaro e dos então chefes das Forças Armadas, relatou, foi cogitada a possibilidade de prender o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, que na época era presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). "Eu lembro que houve essa cogitação de prender o ministro Alexandre de Moraes."
Brainstorming é um termo em inglês que significa "tempestade de ideias", e é usado para designar a técnica colaborativa para buscar ou criar soluções para um problema.
O chefe da Aeronáutica afirmou ter avisado também ao ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que a FAB não participaria de uma tentativa de golpe. Os dois se encontraram durante uma formatura do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), segundo o tenente-brigadeiro. Heleno também é réu no STF.
Na ocasião, de acordo com Baptista Junior, o general acompanhava a formatura do neto, quando foi convocado para uma reunião emergencial com Bolsonaro e pediu carona para Brasília no avião da Força Aérea. "Eu falei: 'General, nós nunca conversamos sobre esse assunto. Não é normal o senhor sair no meio da formatura para uma reunião de emergência. No clima que o Brasil está, preciso falar algo para o senhor. Eu e as Forças Aéreas não vamos apoiar ruptura institucional'", disse Baptista Junior.
Urnas
O ex-comandante da Aeronáutica disse também no depoimento que informou Bolsonaro da inexistência de evidências de que as urnas eletrônicas tivessem falhas. Segundo ele, o coronel Marcelo Câmara, ex-assessor do ex-presidente, procurou um outro coronel que integrava a Comissão de Fiscalização do Sistema Eletrônico de Votação do TSE para tratar de "achados" sobre o sistema de votação adotado.
"Comentei (sobre a inexistência de fraudes nas urnas) após o segundo turno, numa reunião que tivemos no dia 9 de novembro, e depois em várias reuniões com o ministro da Defesa e depois, com mais ênfase, no dia 14, quando ele (Bolsonaro) me apresentou o relatório do Instituto Voto Legal", afirmou o tenente-brigadeiro. O relatório produzido pelo instituto foi usado pelo PL para pedir a anulação de parte dos votos das eleições de 2022. (COLABOROU JULIANO GALISI) As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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