Empresas afastam grávidas do trabalho presencial
No setor supermercadista, 389 mulheres foram afastadas do trabalho em função da nova Lei. Esta semana, MPT recebeu a primeira denúncia por descumprimento da norma
É seguro dizer que o trabalho figura entre as primeiras preocupações que uma mulher enfrenta após descobrir uma gravidez e, para Lorrana Cardoso, de 33 anos, não seria diferente, especialmente com os riscos devido à pandemia. Ao ser selecionada para ocupar um cargo em uma multinacional localizada em Barcarena, a engenheira de segurança do trabalho tomou conhecimento do fato que poderia mudar o rumo da nova perspectiva profissional: o teste de gravidez positivo. “Assinei minha carta proposta e descobri que estava grávida, com mais de 3 meses. Liguei para o meu futuro gestor e disse que teria que declinar da vaga, e, para minha surpresa, ele disse que isso não mudaria nada, e que a única diferença é que eu passaria a trabalhar de home office”, contou.
E agora é determinação legal: o regime de teletrabalho às trabalhadoras gestantes é obrigatório enquanto durar a pandemia. Em vigor desde o dia 13 de maio, a Lei 14.151/2021 garante não só a manutenção do trabalho, mas a não redução salarial, conferindo mais segurança às futuras mamães, menos expostas aos riscos da COVID-19 neste formato de trabalho. No último dia 25 de maio, Lorrana, dez meses após assumir o cargo, retornou às atividades presenciais e ressalta a importância da nova legislação.
“Fiz todo o processo de ambientação virtual. Só estive na empresa para fazer o teste de COVID e pegar os uniformes. Essa garantia é importante, porque todas nós pensamos que ao acabar o período de estabilidade seremos demitidas, porque isso acontece muito, infelizmente. Tanto que trabalhava em outra empresa e quando comuniquei que havia aceitado uma nova proposta e que estava grávida, meu ex-gerente disse ‘parabéns, porque jamais aceitaríamos uma pessoa grávida”, relatou Lorrana.
No setor supermercadista, responsável por mais de 60 mil empregos no Pará, 389 mulheres foram afastadas do trabalho em função da nova Lei. Segundo o presidente da Associação Paraense de Supermercados (Aspas), Jorge Portugal, a orientação da entidade sempre foi cumprir a lei e, que, no caso dos associados, em que as funcionárias são, em sua maioria, operadoras de caixa, repositoras, embaladoras, não há como fazer home office. Contudo, as trabalhadoras foram afastadas e não exercem suas funções, porém permanecem sendo remuneradas conforme determina a legislação.
“Lei não se discute, se cumpre. Toda e qualquer lei é para ser cumprida. No caso dessas trabalhadoras, além de pessoal que trabalha em padaria, cozinha, restaurantes, fica difícil ser home office, a gente precisa afastar, mas continuam recebendo normal até ter o bebê, para, assim, passar a receber o benefício do INSS de licença maternidade, mas a Lei está sendo cumprida por parte das empresas”, declarou Jorge.
Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Supermercados do Estado do Pará (SINTCVAPA), ainda não há denúncias de não cumprimento no segmento, mas existe uma preocupação do setor quanto ao formato de trabalho determinado em Lei, o chamado Home Office, visto que não há como trabalhar em casa sendo operador de caixa ou exercendo outra função operacional nos supermercados. “Quem trabalha em escritório é mais fácil ter uma continuidade do trabalho, mesmo à distância. Mas a venda é mais difícil”, apontou o diretor social do SINTCVAPA, Jesus Pantoja.
A procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT/PA) Tatiana Cancela lembra que a denúncia é uma das formas de as infrações chegarem ao órgão para, assim, haver autuação e instauração de procedimento, podendo ser convertido em processo e depois inquérito civil. “Aí a empresa é chamada para regularizar, o que pode ser feito administrativamente por meio da assinatura de Termo de Ajuste de Conduta. Se não houver anuência dessa regularização administrativa, tem o ajuizamento de uma ação civil pública na esfera do poder judiciário e, decorrente disso, pode haver o estabelecimento de dano moral coletivo, e conforme o procurador do caso outras multas em decorrência do não cumprimento da obrigação”, detalhou. Até o momento, o órgão registrou autuou apenas uma denúncia de não cumprimento da Lei 14.151, registrada na terça-feira, dia 25 de maio.
Lei garante segurança a trabalhadoras de todos os segmentos
A advogada trabalhista Maíra Ruffeil lembra que a Lei 14.151 não dá margem para interpretação: ela é voltada para todas as trabalhadora gestantes, indiscriminadamente, visto que não há exceções para a obrigatoriedade prevista. Ou seja, o teletrabalho, o trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância deve prevalecer para a grávida empregada via CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas, que estatui as normas que regulam as relações individuais e coletivas de trabalho.
“A partir da vigência da lei, o empregador deve afastar todas as empregadas gestantes do trabalho presencial, mesmo em situações como comprovação de não cumprimento de isolamento social e vacinação completa, por exemplo”, declara, acrescentando um ponto determinante: nos casos em que a atividade exercida pela trabalhadora gestante é incompatível com o trabalho a distância, como é o caso de domésticas, enfermeiras e caixas de supermercado, o trabalho presencial permanece proibido da mesma forma.
O empregador deve afastar a gestante de suas atividades presenciais por meio de licença remunerada, ou seja, a trabalhadora se afasta do trabalho e continua recebendo normalmente sua remuneração. Mas a advogada reforça, ainda há divergências sobre o assunto no caso de licença remunerada por incompatibilidade de função com o trabalho a distância.
“Em regra, por expressa previsão legal disposta na Lei 14.151/21, o pagamento deverá ser feito pelo próprio empregador, entretanto, há uma corrente minoritária que defende que o pagamento deverá ser realizado pelo Estado, com base no art. 394-A da CLT, que prevê o pagamento de licença-maternidade à gestantes afastadas de atividades insalubres; e art. 4 da Convenção 103 da OIT, que impede a responsabilização do empregador pelo custo de prestações relativas às mulheres”, explica Maíra.
Outro ponto importante destacado pela advogada é a dualidade de opiniões sobre a obrigação dessa remuneração ser do Estado ou do empregador, o que coloca em pauta a discriminação existente na contratação de mulheres que já são mães ou durante o seu período de gravidez. “A corrente que defende o pagamento pelo Estado se mostraria relevante para a diminuição da discriminação de empregadores na contratação de mulheres, porque, com a obrigação desse pagamento, a tendência seria aumentar essa discriminação”, concluiu a advogada.
E é essa crença de que as mulheres não se dedicarão ao trabalho devido à gravidez ou à maternidade que ainda faz com que muitas empresas optem por reduzir a participação das grávidas/mães nos projetos e tarefas. Esse era o medo de Lorrana. “Eu ainda pensava que seria desligada quando voltasse, mas não, sempre me deram todo o apoio. A pessoa não tem que ter medo de entrar na empresa porque está grávida. É o ciclo da vida, não tem porque excluir alguém de um processo”, finaliza a engenheira.
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