Em reunião marcada por bate-boca, Witzel responsabiliza Bolsonaro por mortes e diz que governo atuou contra governadores

Após o encerramento prematuro do depoimento na CPI, o ex-governador do Rio de Janeiro explicou que decidiu ir embora após governistas o trataram de forma "chula"

THIAGO VILARINS - SUCURSAL DE BRASÍLIA (DF)

O ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), aproveitou seu depoimento como convidado na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da covid-19 para fortalecer a tese de que o governo federal trabalhou para sabotar Estados e municípios no combate ao novo coronavírus. Na hora de responder perguntas sobre os escândalos de corrupção de seu Estado, no entanto, ele decidiu deixar a sessão. No geral, a sua presença no colegiado durou cerca de 4 horas e 30 minutos e nem todos os senadores presentes puderam fazer perguntas.

A iniciativa foi logo após ouvir acusações do senador governista Jorginho Mello (PP-SC), que usou do próprio tempo mais para falar do que para questionar. À imprensa, Witzel se justificou, e disse que o parlamentar se referiu a ele "de forma ofensiva, leviana, chula". Em outro momento, a CPI foi palco de bate-boca entre o ex-governador e o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ).

Os dois já foram aliados, participaram um da campanha do outro durante a eleição de 2018. Ao longo do mandato, porém, houve um rompimento entre os dois. O filho do presidente não é membro da CPI, mas compareceu à sessão durante a oitiva de Witzel. Após uma discussão entre os dois, os senadores Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI, e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, afirmaram que havia um "claro ato intimidatório" de Flávio contra o ex-governador.

Após Witzel alegar a perseguição do presidente Bolsonaro, Flávio interrompeu e disse que o suposto "conluio" denunciado pelo ex-governador era um fato "muito grave". Na sequência, o advogado de Witzel solicitou que fossem retiradas as "pessoas que são proibidas", especialmente deputados federais, da comissão – que é exclusiva de senadores. "Tenha medo não, doutor. Não tenha medo não", ironizou Flávio.

Randolfe reforçou que a comissão poderia acontecer de maneira reservada – quando não há a presença de assessores nem transmissão ao público. Flávio novamente interveio: "Vamos dar transparência à CPI, senador. Tem que esconder nada de ninguém não". "Eu não faço aqui menor questão de que o senador Flávio Bolsonaro esteja ou não presente", respondeu o ex-governador. "Se for reservado, vou estar presente também. Sou senador da República", rebateu Flávio.

Randolfe Rodrigues interrompeu: "Está tendo uma clara intimidação". Witzel, então, relembrou a relação que mantinha com a família Bolsonaro. "Eu quero só dizer que eu não tenho nenhum problema em estar na presença aqui do senador Flávio Bolsonaro, eu o conheço desde garoto. Um garoto que conheço, a sua família, a sua mãe, a Rogéria Bolsonaro, conheço sua família, conheço seu pai de longa data. A minha questão aqui não é pessoal, a minha questão é institucional em defesa da democracia", disse Witzel.

Flávio ironizou: "Que lindo discurso". Witzel reagiu pedindo respeito. "Se o senhor fosse um pouquinho mais educado e menos mimado o senhor teria respeito para o que eu estou falando. O senhor me respeite", disse o ex-governador fluminense. Em outro momento, Flávio ainda ressaltou as denúncias de corrupção envolvendo o nome do ex-governador. O senador disse que Witzel tem "a mão suja de sangue entre os quase 500 mil mortos" de covid.

A provocação foi uma resposta à declaração de Witzel, que afirmou que o presidente "deixou os governadores à mercê da desgraça que viria". "O único responsável pelos 450 mil mortos que estão aí tem nome, endereço e tem que ser responsabilizado, aqui, no Tribunal Penal Internacional, pelos fatos que praticou", afirmou Witzel no início do depoimento.

Na saída da sessão, Witzel justificou sua iniciativa de interromper o seu depoimento. "Infelizmente, não posso continuar dessa forma. Estou aqui para ser respeitado e respeitar. A partir do momento em que a sessão se tornou uma sessão de xingamentos como nas redes, entendemos que seria melhor encerrar", disse.

Witzel, que era convocado, foi liberado de comparecer pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Nunes Marques, e acabou indo à sessão na posição de convidado, podendo responder o que quisesse e com liberdade para ir embora, o que, de fato, fez. "O STF entendeu na decisão do ministro Kassio Nunes Marques que minha presença tinha que ser como convidado. Respondi a todas as perguntas. Mas na medida que começa a haver ofensas...", disse.

O ex-governador afirmou a senadores que o governo federal trabalhou, todo o tempo, para jogar a responsabilidade das dificuldades econômicas provocadas pela crise sanitária nas mãos dos governadores. Por isso, fez campanha contra o isolamento social. "Construiu-se uma narrativa para responsabilizar os governadores em razão do isolamento social, pelo declínio da economia, que ocorreu pela falta de planejamento no combate à pandemia", destacou. "Poderíamos ter a vacina com mais antecedência, o soro desenvolvido no RJ em funcionamento, e tudo isso foi solenemente ignorado", continuou.

"Faz parte dessa narrativa dizer que os governadores usaram a pandemia para praticar desvios, acabar com empregos e mostrar para a população que eles falharam no controle da pandemia. No caso do Rio de Janeiro, os leitos não foram disponibilizados. Quando fui fazer os hospitais de campanha, eles foram sabotados por deputados bolsonaristas. Isso é uma ação coordenada, planejada, para sabotar (o combate contra) a pandemia", acusou Witzel.

Wilson Witzel destacou que a demora do governo em viabilizar o auxílio emergencial e o socorro aos estados também prejudicou o combate ao vírus. "O governo não teve a liderança para aprovar o auxílio emergencial e aos estados. Estados não podem fazer empréstimo, rodar dinheiro, e tudo isso foi falado. Você percebe que foi uma construção de ações negacionistas, omissões, para desestruturar, desestabilizar governos de estado, colocar a população contra governadores e provocar algum tipo de movimento social, de situação que pudesse levar a um estado policialesco", disse o depoente.

"Faz parte dessa narrativa dizer que os governadores usaram a pandemia para praticar desvios, acabar com empregos e mostrar para a população que eles falharam no controle da pandemia. No caso do Rio de Janeiro, os leitos não foram disponibilizados. Quando fui fazer os hospitais de campanha, eles foram sabotados por deputados bolsonaristas. Isso é uma ação coordenada, planejada, para sabotar (o combate contra) a pandemia", acusou Witzel.

Ele destacou que a demora do governo em viabilizar o auxílio emergencial e o socorro aos estados também prejudicou o combate ao vírus. "O governo não teve a liderança para aprovar o auxílio emergencial e aos estados. Estados não podem fazer empréstimo, rodar dinheiro, e tudo isso foi falado. Você percebe que foi uma construção de ações negacionistas, omissões, para desestruturar, desestabilizar governos de estado, colocar a população contra governadores e provocar algum tipo de movimento social, de situação que pudesse levar a um estado policialesco", disse o depoente.

Witzel diz que perseguição política começou com investigação de Marielle

O ex-governador do Rio de Janeiro afirmou na CPI da covid que seu processo de impeachment foi resultado de uma perseguição política desencadeada após ele determinar a investigação da morte da vereadora Marielle Franco. Além de criticar o presidente Jair Bolsonaro, ele levantou suspeitas sobre a parcialidade de membros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Ministério Público Federal (MPF) no processo que levou à cassação de seu mandato. Em protesto contra essas acusações, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) disse que elas são muito graves e precisam ser apuradas.

Witzel também declarou que a corrupção na área da saúde do Estado do Rio de Janeiro continuou após seu impeachment. Ele disse que promoveu uma auditoria em 2019 nas organizações sociais de saúde para coibir desvios, o que teria incomodado o que chamou de "máfia da saúde". O ex-governador citou uma série de organizações sociais (OSs) que seriam utilizadas para atos ilícitos e continuariam operando no estado, e que entraram no lugar da Unir (OS que está no centro das investigações contra Witzel). Entre elas estão a Associação Filantrópica Nova Esperança, o Instituto Mahatma Gandhi, o Instituto Lagos e a Viva Rio. Essas organizações operam unidades de saúde (Unidades de Pronto Atendimento - UPAs) e hospitais no estado.

"Eu vou encaminhar aqui o nome dessas OSs, e esta CPI pode e deve fazer a quebra de sigilo delas, porque ali nós vamos encontrar para onde está indo o dinheiro", disse.

Ao alegar que é vítima de perseguição política, Witzel afirmou que isso foi consequência das investigações sobre o assassinato de Marielle Franco, então vereadora da cidade do Rio de Janeiro, ocorrido em março de 2018. "Tudo isso começou porque eu mandei investigar, sem parcialidade, o caso Marielle. Quando foram presos os dois executores da Marielle, o meu calvário e a perseguição contra mim foram inexoráveis", alegou. 

Witzel disse que foi acusado de forma leviana de interferir na polícia do Rio de Janeiro para que a investigação do caso Marielle fosse adiante, e que passou a receber retaliações do governo federal. "Ver um presidente da República, numa live lá em Dubai, acordar na madrugada para me atacar, para dizer que eu estava manipulando a polícia do meu estado, ou seja, quantos crimes de responsabilidade esse homem vai ter que cometer até que alguém o pare?", criticou. 

A partir de então, Witzel relata ter ficado em uma situação de vulnerabilidade, e que não era recebido mais no Palácio do Planalto nem por ministros. "Depois desse evento, eu não fui recebido mais no Palácio do Planalto e nós tínhamos dificuldade de poder falar com os ministros para sermos atendidos. Eu encontrei o ministro [Paulo] Guedes no avião e fui falar com ele. Ele virou a cara e saiu correndo: 'Não posso falar com você'. Então, esse não é o comportamento republicano", relatou Witzel ao responder questionamento feito pelo relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL).

Moro

O ex-governador também relatou um encontro que teria ocorrido no ano passado com Sergio Moro, então ministro da Justiça. Moro teria repassado um recado de Jair Bolsonaro para que Witzel parasse de dizer que queria ser presidente da República, sob pena de ser retaliado pelo governo federal. "Esse tipo de coisa, lamentavelmente, de menino de recado, não é um papel que se espera de um magistrado", acusou.

Essa conversa ocorreu, segundo Witzel, a partir da sua solicitação para que o Ministério da Justiça não pedisse de volta cinco delegados da Polícia Federal que estavam cedidos ao governo do Rio de Janeiro. Witzel disse que foi convidado por Moro para conversar, e que achou "estranho" que o então ministro da Justiça não quisesse tirar foto com ele durante o encontro.

Segundo o ex-governador, isso ocorreu justamente depois da prisão dos acusados de assassinar Marielle Franco. Ele lembrou que o porteiro do Condomínio Vivendas da Barra, onde o presidente da República tem residência, depôs à Polícia Civil do Rio durante a investigação, e nesse depoimento afirmou que, no dia do crime, um dos acusados pelos assassinatos, o ex-PM Élcio Queiroz, teria informado que iria na Casa 58, do “Seu Jair”. Posteriormente, o porteiro mudou o depoimento. "O porteiro, uma pessoa simples, prestou depoimento à Polícia Civil. Logo depois, o ministro Moro, de forma criminosa, lamentavelmente, requisita um inquérito para investigar crime de segurança nacional, porque o porteiro depõe, prestou um depoimento para dizer que o executor da Marielle teria chegado no condomínio [Vivendas da Barra] e mencionado o nome do presidente. Se isso é verdade ou não, não é problema meu, não tenho nada com isso, eu não sou juiz e nem delegado do caso", disse.

Segundo Witzel, esse seria um dos exemplos de intervenção indevida do governo federal no Estado do Rio de Janeiro. Alguns detalhes da investigação não foram revelados pelo ex-governador durante seu depoimento — ele pediu para falar sobre isso em uma reunião reservada, somente com a presença dos integrantes da CPI. Em vários momentos, Witzel afirmou que é vítima de uma perseguição e que há uma politização do Ministério Público. Ele classificou seu julgamento como um tribunal de exceção e criticou as delações premiadas, que batizou de "pau de arara moderno" (em referência a um sistema de tortura utilizado durante a ditadura militar para obter confissões de presos políticos). Também comparou a sua situação à do ex-presidente Lula.

"Eu tenho aqui todas as delações que foram feitas pelo senhor Edmar Santos, pelo senhor Edson Torres. A delação hoje é o pau de arara moderno. O sujeito é preso, aí ele vai e remonta uma história com fatos da imprensa, como fizeram outros delatores. E nós estamos vendo agora, em relação ao que aconteceu com o presidente Lula, a anulação de um processo em que o juiz está sendo reconhecidamente — lamentavelmente, porque foi meu colega — parcial", alegou. 

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