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Cortes em orçamento para pesquisa preocupam universidades do Pará

O PLN 16/21, que remanejou 92% dos recursos destinados ao Ministério da Ciência e Tecnologia para outras pastas, causa apreensão entre as instituições de produção científica no estado do Pará

Sérgio Chêne / O Liberal

Na semana que passou, um dos assuntos mais debatidos certamente foi o corte de R$ 600 milhões de recursos de fomento à pesquisa, resultado da aprovação no Senado, no dia 7 deste mês, do Projeto de Lei (PLN) 16/21 que remanejou 92% dos recursos destinados ao Ministério da Ciência e Tecnologia para outras pastas. O projeto aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro, mas já causa apreensão entre as instituições de produção científica no estado do Pará.

Na quarta-feira (13), o corte orçamentário foi tema de debate na Comissão de Educação da Câmara Federal, do qual participou o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovações, Marcos Pontes, que disse ter sido pego de surpresa com a medida. Pontes foi bastante questionado pelos deputados. Na sessão híbrida, a presidente da Comissão de Educação, Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO) foi contundente sobre os possíveis atrasos a serem produzidos no desenvolvimento tecnocientífico do País.

“O domínio de tecnologia do mundo é um novo ciclo, nós vamos ter um ciclo tecnológico, nós temos, hoje, ainda a exportação de economia primária no Brasil”, disse e questionou: “Nós vamos ser uma colônia como já fomos no passado? E que mundo vai estar localizado o Brasil com esse apagão da ciência”.

A parlamentar tocantinense afirmou, ainda, que o ministro de Economia Paulo Guedes pediu a alteração do texto do projeto na última hora. A medida, segundo ela, acabaria por impactar  mais ainda a escassez dos recursos atualmente destinados a manter a pesquisa científica. “O orçamento já era muito apertado e as verbas tinham uma destinação para pesquisa e investimento na área de ciência e tecnologia e, acima de tudo, para o pagamento de bolsas para pesquisadores, e o dinheiro foi retirado", advertiu a parlamentar.

Na abertura de sua fala no debate na Câmara, o ministro Marcos Pontes alegou que não sabia nem mesmo que o projeto de lei podia ser modificado de última hora de ofício pelo governo. "Como eu já coloquei publicamente, eu fui pego de surpresa, falei até com o presidente da República) sobre isso, ele também foi pego de surpresa por isso. Eu pedi ajuda para recuperação desses recursos e ele prometeu que vai ajudar", disse.

“A tendência é que tenhamos uma paralisia em projetos futuros de pesquisa na universidade"

Saindo do plano federal e caindo na realidade das instituições que devem ser impactadas com a descontinuidade de investimentos em pesquisa, situamos um pouco da realidade da Universidade Federal do Pará (UFPA). De acordo, com o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da instituição de ensino superior, Murilo Oliveira, o “contexto dos cortes” devem ser vistos sob aspectos estrutural e conjuntural.  

De ordem estruturais, a PLN 16/21 demonstra que “é mais fácil cortar esse tipo de investimento (em pesquisa), do que com pessoal que têm proteções legais”. “O governo federal corta onde pode cortar, onde não tem obrigatoriedade legal de justificar uma nova aplicação do recurso. Ele (governo) não vai cortar investimentos para os aposentados?”, questiona o pesquisador. Ele diz que o governo não se mostra preocupado com a perda de investimentos, e que o projeto (PLN 16/21) viria para garantir novos recursos às pastas, justamente em um momento eleitoral. “Tem um apelo político em ano eleitoral, pois é mais fácil aplicar em pontes, por exemplo, é mais positivo nesse contexto estrutural”, disse. “A tendência é que tenhamos uma paralisia em projetos futuros de pesquisa na universidade. Devemos perder metade das nossas bolsas e não teremos mais investimentos, chegando a zero”, alega. Há três anos na comissão de seleção para o mestrado, Murilo enfatiza que a procura pela pós-graduação caiu drasticamente em 2021.

Em defesa da Ciência e Tecnologia

No último dia 15, durante a live promovida pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), com o tema “Andifes em defesa do financiamento da Ciência e Tecnologia”, o reitor da UFPA, professor Emmanuel Zagury Tourinho esteve presente e manifestou-se quanto a atual discussão referente aos recursos para o fomento da pesquisa e da ciência no Brasil. Estiveram presentes reitores das Universidades Federais de São Paulo, Bahia e Uberlândia e dirigentes de instituições de pesquisa, dentre eles o presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Evaldo Vilela.

No início de seu pronunciamento de cerca de 20 minutos na live, o reitor da UFPA afirmou que o tema debatido se trata “de uma questão que é crucial para as nossas instituições e para o desenvolvimento do País”. Tourinho enfatizou que o dia do professor, seria “um dia de luta”, muito mais por conta do que classificou como episódio do corte no orçamento na pasta federal de Ciência e Tecnologia.

“É um orçamento que é combalido, que vem sendo reduzido ano a ano, comprometendo uma estrutura de pesquisa de investigação, que foi construída a duras penas e muito recentemente. E que presta um serviço enorme à sociedade brasileira. Não há setor da economia que não usufrua daquilo que a ciência brasileira tem produzido”, afirmou. O reitor reafirmou a importância do papel da ciência e tecnologia das universidades.

Governo

Aliado do governo, o senador Zequinha Marinho (PSC) defendeu a necessidade de aprovação dos PLNs. “O Congresso é parceiro do governo e todas as vezes que necessita de suplementação orçamentária, o Congresso nunca faltou nesse apoio em aprovar essas suplementações para que as políticas públicas do governo federal não parem. Todo esse recurso é para atender as mais diversas áreas do governo, que precisam, nesse momento e até o final do ano.  Não é primeira vez nem tão pouco será a última, que o Congresso tem correspondido às expectativas do governo no sentido de atendê-lo em suas demandas”, disse.

Realidade no oeste paraense

Com apenas 12 anos de existência, a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) sente os reflexos decorrentes da falta de repasse de recursos federais nos últimos anos, o que tem comprometido e impactado paulatinamente as ações dos 16 programas de pós-graduação, mas especificamente os oito administrados pela própria universidade.

Desde 2019, os alunos têm sentido com os ajustes de contenção de bolsas seja do CNPq ou da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Segundo a UFOPA, em 2020, a Capes concedeu 114 bolsas, enquanto que em 2021 despencou para 79. Atualmente a universidade, que é sediada em Santarém, possui 554 alunos em pós-graduação e desse universo, 79 estudam com o auxílio de bolsas.

Para a Pró-Reitora de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação Tecnológica da Ufopa, Lenise Vargas Flores da Silva, o corte anunciado com a aprovação da PLN 16/21, colabora com um cenário sombrio no desenvolvimento científico e tecnológico do País. “Teremos um impacto no futuro, na formação efetiva de cientistas e no ingresso de novos alunos na pós-graduação. Isso vai reduzir ou estrangular a atividade da pesquisa. O que está ocorrendo é muita gente deixando o país para outras oportunidades, muita gente não seguindo mais na formação acadêmica e caindo no subemprego”, sentenciou. Na Amazônia, segundo ela, o cenário pode ser mais impactante ainda, devidos aos recursos já escassos na região.

“Não acredito em recomposição por parte do governo federal. Esse corte causa instabilidade, mexe com todos e cria um estado crítico. É ilógico, é insano”, finalizou.

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