Carnaval também é tempo de crítica política e reflexão social
A população brasileira usa a criatividade para fazer críticas sociais

Além de ser um dos períodos mais esperados do ano, no Brasil, o Carnaval é também um momento em que foliões e artistas aproveitam para difundir opiniões políticas por meio de canções, alegorias e fantasias improvisadas nos blocos de rua. Com bom humor, fatos da atualidade e problemas históricos do país são comentados e analisados pelos brincantes.
O professor e cientista político Renan Bezerra, doutorando em Relações Internacionais, afirma que o Carnaval sempre foi uma ferramenta social de críticas e contestações. As marchinhas de Carnaval, conhecidas em todo o país, são um exemplo da ligação da população com a festividade, assim como atestam a força da colonização portuguesa na cultura do país e em suas formas de festejar, já que o ritmo musical, segundo o estudioso, vem de Portugal.
"A marchinha mais famosa do país, 'Ô abre alas!', foi feita por uma mulher, Chiquinha Gonzaga. Você imagina o que é uma marchinha tão famosa ter sido composta por uma mulher, no passado, ainda no século XIX? Isso já fala bastante sobre o que é a rebeldia do Carnaval. Fora isso, o Carnaval é também uma expressão das artes. E a arte é uma ferramenta importantíssima da contestação e da publicização de fatos sociais. A sociedade fala através da arte, fala através da cultura", aponta o professor.
Os carros alegóricos, elemento importante dos desfiles de escola de samba, são um exemplo da criticidade presente na manifestação popular, ressalta o professor. "Tivemos alguns casos recentes bem emblemáticos. Um carro alegórico de uma escola do carnaval carioca, por exemplo, trouxe um 'vampirão', em alusão ao presidente da República da época, Michel Temer. E tivemos tantas outras escolas que fizeram enredos importantes, que trouxeram temáticas sociais, como a corrupção, para a ordem do dia. É um instrumento de inclusão social e de contestação coletiva", destaca.
Renan Bezerra lembra também que o Carnaval, a partir das escolas de samba e demais agremiações, atua ainda como instrumento pedagógico nos bairros das cidades brasileiras. "Em 2019, a escola de samba Deixa Falar, do bairro da Matinha, fez um desfile falando sobre a defesa da criança e do adolescente, a importância da garantia de direitos. Com um enredo assim, toda a comunidade é envolvida, e no processo de construção das alegorias, de feitura das fantasias, nos ensaios para aprender o samba, as pessoas vão sendo instruídas também sobre o tema tratado", ressalta. Como faz parte da cultura brasileira de forma central, a tendência é que o Carnaval permaneça como um momento de críticas, completa o cientista político.
A voz da democracia
O professor de Turismo, compositor e produtor cultural Herivelto Martins e Silva, fundador da escola de samba Bole Bole, em Belém, afirma que o Carnaval sempre foi "a voz da democracia em momentos de autoritarismo". Nos períodos de maior cerceamento das liberdades, nas ditaduras de Getúlio Vargas e do Golpe Militar de 64, as canções carnavalescas desafiavam a repressão difundindo temas libertários. "O Carnaval sempre vem para despertar o pensamento crítico da sociedade. Isso só não ocorre de forma aberta quando estamos em regime de exceção. Mas, mesmo assim, os artistas, as pessoas da cultura, resistem", afirma o professor.
Em 1988, quando foi comemorado o centenário da assinatura da Lei Áurea, o Bole Bole levou ao Carnaval de Belém um enredo com críticas ao racismo e ao que foi considerado pelos autores como a "farsa da abolição da escravatura", lembra Herivelto Martins. "Vamos sempre tocar nos temas espinhosos, como racismo estrutural, a questão da mulher, a questão dos negros. Espero que nunca mais venha uma ditadura", conclui.
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