Carla Zambelli já admite ser presa e deportada, mas invoca Pizzolato do Mensalão
Ela divulgou um documento intitulado 'Dossiê Técnico de Defesa' em que se afirma inocente no caso da invasão aos sistemas de Justiça

De algum lugar da Itália, onde estaria vivendo após Alexandre de Moraes decretar sua prisão e encaminhar seu nome para a difusão vermelha da Interpol - índex dos mais procurados em todo o mundo -, a deputada licenciada Carla Zambelli (PL-SP) distribuiu um documento intitulado 'Dossiê Técnico de Defesa', por meio do qual reitera a versão de que é inocente no caso da invasão aos sistemas de Justiça e já trabalha claramente com a hipótese de ser aprisionada e deportada para o Brasil.
Ao longo de dez capítulos que compõem o relatório ela procura sensibilizar o governo italiano caso sua extradição seja decretada por Roma, o que ela também já admite, e faz um paralelo com o caso Henrique Pizzolato, ex-diretor de Marketing do Banco do Brasil.
Como no caso Pizzolato, a defesa de Zambelli busca também que a ela sejam respeitados direitos fundamentais no cárcere a que poderá ser conduzida para cumprimento da pena imposta pelo STF, 10 anos de reclusão pelo suposto hackeamento do Conselho Nacional de Justiça.
Zambelli não lança desafios, nem hostilidades a seus algozes. O texto de sua defesa contempla uma linguagem técnica, por meio da qual fustiga os termos da acusação que levou à sua condenação e ao inconformismo.
'Dossiê Técnico de Defesa'
Condenado no processo do Mensalão - maior escândalo do primeiro governo Lula (2003-2006) - a 12 anos e 7 meses de prisão por corrupção passiva, peculato e lavagem de dinheiro, Pizzolato fugiu para a Itália em 2013. No ano seguinte o petista foi preso, dando início a uma longa negociação diplomática para sua extradição, autorizada em 2015 depois que o Brasil, via a Procuradoria-Geral da República, atestou ao Conselho de Estado da Itália - última instância administrativa da Justiça do país europeu - a existência aqui de presídios onde direitos fundamentais são acatados.
Quando foi condenada pelo STF, Zambelli afirmou. "Não me tiram da Itália." Alegou estar protegida de extradição por ser cidadã italiana.
A própria defesa, no entanto, reconhece que tal situação não garante a Zambelli imunidade absoluta, vez que a Constituição Italiana (artigo 26) permite a extradição de nacionais se prevista em tratado internacional - ressalvada a hipótese de crime político.
Nessa linha, o advogado Fábio Pagnozzi, que representa a deputada, aborda 'nulidades processuais, violações a direitos e garantias fundamentais no curso da ação penal, bem como os aspectos de direito interno e internacional pertinentes. Invoca a Constituição, Código Penal e de Processo Penal, Pacto de San José da Costa Rica, Convenção Europeia de Direitos Humanos, tratado de extradição Brasil-Itália, e relatórios de organismos internacionais sobre o sistema prisional brasileiro.
Fábio Pagnozzi, o defensor de Zambelli, é um advogado destacado. Ele integra a Comissão de Direito e Ética da OAB de São Paulo. "Importante observar que instâncias internacionais já reconheceram formalmente o risco que as prisões brasileiras representam", ele diz.
Ante a possibilidade de a deputada ser capturada pela Interpol e, afinal, mandada de volta ao Brasil para cumprimento de sua longa pena, uma década confinada, a defesa sustenta que 'uma preocupação premente, especialmente considerando a possibilidade de execução provisória ou definitiva da pena imposta, diz respeito às condições carcerárias brasileiras e os riscos que elas representam aos direitos humanos básicos de qualquer pessoa custodiada, inclusive da sra. Zambelli'.
"É notório, e amplamente documentado, que o sistema prisional do Brasil enfrenta uma crise humanitária crônica, caracterizada por superlotação, violência endêmica, insalubridade e práticas generalizadas de tortura e maus-tratos", acentua a defesa, amparada em relatórios nacionais e internacionais. "Convergem em apontar violações sistemáticas nas prisões brasileiras, em claro descompasso com as normas constitucionais e tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário'."
O dossiê Zambelli destaca que no caso do ex-diretor do Banco do Brasil, sentenciado na Ação Penal 470 (Mensalão), a Corte de Apelação de Bolonha, na Itália, em 2014, 'negou inicialmente a extradição do cidadão ítalo-brasileiro Henrique Pizzolato'.
"Justamente por entender que as condições das cadeias no Brasil eram 'dramáticas', alertando que 'o risco de um detento ser submetido a humilhações, torturas e violências ainda é concreto' nas penitenciárias brasileiras", argumenta Fábio Pagnozzi.
O advogado observa que no episódio Pizzolato, os juízes italianos citaram relatórios da Anistia Internacional e da Human Rights Watch 'corroborando que os abusos contra presos no Brasil são endêmicos e que falta controle efetivo para impedir a violência de facções ou de agentes estatais'.
"Ressaltaram inclusive que compromissos e melhorias pontuais (como a indicação de que Pizzolato poderia ficar em um presídio específico, de melhor condição, como o Complexo da Papuda/DF) não eliminavam o risco concreto de tratamento desumano ou degradante, negando a entrega do extraditando naquele momento", pontua o advogado.
Para ele, 'tal fato exemplifica que, aos olhos da comunidade internacional, o Brasil não consegue assegurar padrões mínimos de direitos humanos em seus presídios, gerando desconfiança e barreiras em cooperações jurídicas'. "Embora posteriormente Pizzolato tenha sido efetivamente extraditado após recursos e garantias diplomáticas, aquele precedente evidenciou a gravidade da situação prisional brasileira perante tribunais estrangeiros."
O dossiê de defesa enfatiza. "No caso de Carla Zambelli, uma eventual ordem de prisão a ser cumprida no Brasil ou via extradição demandaria garantias firmes de que sua integridade física e psíquica será preservada durante o cárcere. Qualquer indicação de que ela possa sofrer violência, ameaças ou privação de condições mínimas poderia ensejar medidas de proteção internacionais. O Brasil, por sua vez, tem o dever legal de adotar todas as providências para assegurar condições dignas a qualquer custodiado sob sua guarda, sob pena de responsabilidade internacional por violação de direitos humanos."
Fábio Pagnozzi pondera. "Esse dever reforça a necessidade de olhar o presente caso com atenção: a concretização da pena não pode transgredir os limites da humanidade, sob pena de converter a sanção em pena cruel, o que é vedado absoluta e universalmente."
Para a defesa, 'a possível submissão de Carla Zambelli ao sistema penitenciário brasileiro acende um alerta de direitos humanos'. "O histórico e a conjuntura do sistema apontam que sua vida, saúde e dignidade podem ser colocadas em risco sério. Tal constatação não busca nenhum privilégio, mas sim a plena observância das regras internacionais de tratamento de presos, incluindo as Regras de Mandela (Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Presos) e as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre pessoas privadas de liberdade."
"Em face disso, segue o advogado, espera-se que quaisquer decisões futuras relativas à execução da pena ou medidas cautelares considerem estritamente essas garantias, avaliando alternativas à prisão comum, caso necessárias, ou monitoramento por órgãos independentes para assegurar a integridade da custodiante."
O advogado é taxativo. "A defesa de Zambelli conta com argumentos sólidos para pleitear, perante a Itália, a não entrega da deputada ao Brasil, seja temporária ou definitivamente, até que se garanta um tratamento compatível com a dignidade humana e um processo equânime."
Ele afasta a tese de que Zambelli estaria em busca de privilégios. "Isso não significa impunidade, mas sim a tutela de direitos básicos. Caso a extradição venha a ser autorizada, será fundamental o acompanhamento por organizações internacionais (como a Human Rights Watch ou a Anistia Internacional) e eventualmente a imposição de condições, como a possibilidade de cumprimento de pena na própria Itália ou a supervisão internacional das condições carcerárias no Brasil durante o encarceramento."
"No caso de Carla Zambelli, uma eventual ordem de prisão a ser cumprida no Brasil ou via extradição demandaria garantias firmes de que sua integridade física e psíquica será preservada durante o cárcere", clama a defesa da deputada.
Segundo o advogado, 'qualquer indicação de que ela possa sofrer violência, ameaças ou privação de condições mínimas poderia ensejar medidas de proteção internacionais'.
O relatório diz que 'o Brasil tem o dever legal de adotar todas as providências para assegurar condições dignas a qualquer custodiado sob sua guarda, sob pena de responsabilidade internacional por violação de direitos humanos'.
"Esse dever reforça a necessidade de olhar o presente caso com atenção: a concretização da pena não pode transgredir os limites da humanidade, sob pena de converter a sanção em pena cruel, o que é vedado absoluta e universalmente."
"A possível submissão de Carla Zambelli ao sistema penitenciário brasileiro acende um alerta de direitos humanos", sustenta Fábio Pagnozzi "O histórico e a conjuntura do sistema apontam que sua vida, saúde e dignidade podem ser colocadas em risco sério."
O Dossiê Técnico de Defesa anota que 'não se busca nenhum privilégio, mas sim a plena observância das regras internacionais de tratamento de presos, incluindo as Regras de Mandela (Regras Mínimas da ONU para o Tratamento de Presos) e as recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre pessoas privadas de liberdade'.
"Espera-se que quaisquer decisões futuras relativas à execução da pena ou medidas cautelares considerem estritamente essas garantias, avaliando alternativas à prisão comum, caso necessárias, ou monitoramento por órgãos independentes para assegurar a integridade da custodiante", sugere o dossiê de Zambelli.
'Versões contraditórias'
O Dossiê Técnico de Defesa de Carla Zambelli inicia com acusações ao ministro Alexandre de Moraes, relator do processo que levou à sua condenação a 10 anos de prisão. O ministro teria violado o princípio do juiz natural ao permanecer à frente da investigação sobre a invasão do sistema de dados do Conselho Nacional de Justiça - trama que teria sido concebida por ela, em parceria com o hacker Walter Delgatti Neto, e da qual o próprio Moraes teria sido vítima via a produção de um decreto forjado de sua prisão.
Dividido em 10 capítulos, o documento que a deputada distribuiu encerra com uma 'declaração formal de inocência' de Zambelli. "Nunca ordenou, incentivou, financiou ou participou, direta ou indiretamente, de qualquer invasão a sistemas judiciais ou falsificação de documentos públicos. Jamais sugeriu, desejou ou cogitou um ato criminoso contra o ministro Alexandre de Moraes, nem em sentido figurado, tampouco em instruções reais."
O advogado afirma que Zambelli foi condenada 'com base na palavra de um réu confesso que apresentou versões contraditórias, sem credibilidade e sem qualquer corroboração'.
"As investigações não encontraram mensagens, repasses, registros bancários, gravações, comandos técnicos nem qualquer vestígio que a ligasse às ações criminosas", ressalta o texto. "Foi julgada, processada e condenada por ser quem é: opositora de um sistema que não aceita ser questionado. A ré foi condenada previamente na arena política e midiática, e a sentença judicial apenas coroou esse processo persecutório."
"Sou inocente", diz Zambelli. "E não há nada, absolutamente nada nos autos que diga o contrário."
Na avaliação do advogado, 'a ausência de provas, combinada com as violações de direitos processuais, tornam essa condenação juridicamente insustentável e eticamente insuportável'. "A história, as cortes superiores e a comunidade internacional saberão reconhecer isso."
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