Relatório da OEA alerta: medidas de exceção do Judiciário brasileiro ameaçam se tornar regra
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) publicou nesta sexta-feira, 26, o Relatório especial sobre a situação da liberdade de expressão no Brasil. Embora afirme que o País possui "instituições democráticas fortes e eficazes", o documento faz alertas sobre o uso de medidas de caráter excepcional pelo Poder Judiciário e seus possíveis efeitos sobre a liberdade de expressão.
O relatório é resultado de uma visita que a Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão, da CIDH, fez ao Brasil em fevereiro de 2025, a convite do governo federal, no contexto da tentativa de golpe do 8 de janeiro.
Chefiada pelo relator especial Pedro Vaca Villarreal, a delegação percorreu Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo entre os dias 9 e 14 de fevereiro, ouvindo representantes de diferentes setores, entre eles, opositores do atual governo, parlamentares de todo o espectro político, defensores dos direitos humanos, organizações não governamentais e jornalistas.
Logo na introdução, o documento registra que as autoridades brasileiras, com o apoio de certos setores da sociedade civil, às vezes se mostram relutantes à autocrítica e a questionamentos da compatibilidade das restrições à liberdade de expressão com os padrões interamericanos:
"A defesa da democracia não pode ser alcançada por meio de restrições exageradas que equivalem à censura. Ao mesmo tempo, a liberdade de expressão não deve ser usada para minimizar o imperativo de que se alcance verdade, justiça e responsabilização pelas tentativas de alterar a ordem constitucional em 2023."
Embora reconheça que o Supremo Tribunal Federal (STF) desempenhou um "papel fundamental" ao iniciar procedimentos para investigar os ataques às instituições, a CIDH demonstra preocupações de que essas medidas constituam uma concentração de poder.
"Há o risco de transformar uma solução temporária, destinada a ser excepcional, em um problema duradouro, ao criar precedentes que podem ser usados em benefício de regimes potencialmente autoritários no futuro", afirma a delegação, para quem mitigar esse risco requer o reconhecimento de "quaisquer excessos na ação do Estado".
O relatório observa que movimentos que contestavam os resultados eleitorais e as próprias instituições democráticas brasileiras exigiram do Poder Judiciário o uso de ferramentas consideradas "extraordinárias", consideradas decisivas para preservar a institucionalidade. Mesmo assim, a CIDH insta todos os órgãos do Estado a garantir que essas iniciativas, seja para a defesa da democracia ou para qualquer outro objetivo legítimo, não se prolonguem para além do necessário.
O documento alerta que, embora a organização de crimes graves exija uma resposta do Estado, o Poder Judiciário deve ter cuidado para não expandir o escopo destas limitações extraordinárias a ponto de "sancionar opiniões políticas legítimas".
"Nesse contexto, a Relatoria chama a atenção para os desafios de longa data do Brasil, em distintos órgãos do Poder Judiciário, no que diz respeito às restrições à expressão de pessoas defensoras de direitos humanos, jornalistas e ativistas políticas", afirma o relatório. Segundo o texto, esses problemas são anteriores às investigações sobre a tentativa de golpe, e o Judiciário deve se esforçar para criar precedentes que diferenciem de forma clara condutas ilícitas de "críticas legítimas".
Para a delegação, a gravidade dos eventos que ameaçaram a democracia brasileira nos últimos anos reforça a necessidade de que quaisquer restrições à liberdade de expressão "sejam mais, e não menos, compatíveis com os parâmetros internacionais de proteção e restrição da liberdade de expressão".
Limitações ao uso de contas de redes sociais
O relatório menciona a existência de "intensos debates" em torno dos atrasos nos mecanismos de investigação, sem informações conclusivas sobre o seu encerramento, e defende que a celeridade dos processos é especialmente importante quando envolvem limitações cautelares ou interlocutórias à liberdade de expressão.
Como mostrou o Estadão, o inquérito das fake news, aberto para apurar ataques ao Supremo e a seus ministros, está prestes a completar sete anos e deve permanecer aberto por tempo indeterminado.
A CIDH também reforça que as autoridades brasileiras devem avaliar continuamente se as medidas cautelares que restringem a liberdade de expressão são indispensáveis para a preservação das investigações ou se essas limitações podem ser relaxadas. O relatório afirma que, embora o prolongamento das investigações e a adoção do sigilo podem ser legítimos e úteis, eles "também podem contribuir para a incerteza vivida no Brasil em relação aos mecanismos judiciais".
Outro ponto de crítica foram as limitações ao uso de contas nas redes sociais, usadas como parte das medidas restritivas impostas de forma provisória em inquéritos, investigações e processos judiciais. Essas limitações incluem a remoção de publicações específicas, a remoção de contas, a proibição de divulgar publicações futuras potencialmente ilegais e a proibição da criação de novas contas.
Para a comissão, as autoridades estatais, especialmente o Poder Judiciário, devem se esforçar para notificar os usuários e as plataformas sobre as limitações impostas ao uso das redes sociais e outros canais de liberdade de expressão. Exceto em casos muito urgentes, explica o relatório, as plataformas e os usuários devem poder contestá-las antes que elas comecem a ser aplicadas.
"Embora circunstâncias excepcionais possam modificar essa notificação, ela deve, como regra geral, conter uma explicação da ordem adotada e da ilegalidade do conteúdo especificado."
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