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Projeto de licenciamento ambiental divide opiniões entre setores do Pará; entenda o que está em jogo

Setores produtivo e político veem avanços com novas regras, enquanto pesquisador ambiental alerta para riscos sociais e ecológicos no estado.

Jéssica Nascimento

A iminente votação do Projeto de Lei 2.159/2021, que reformula o licenciamento ambiental no Brasil, tem provocado intensos debates no Pará. Enquanto representantes da indústria, agropecuária e política destacam a simplificação de processos e maior segurança jurídica, pesquisadores do meio ambiente alertam para possíveis retrocessos na proteção socioambiental, sobretudo na região amazônica.

Com destaque nacional no setor minerário e agropecuário, o Pará pode ser diretamente impactado pela nova legislação. Parlamentares e empresários locais defendem mais agilidade e menos burocracia, mas vozes acadêmicas e sociais temem que a flexibilização favoreça grandes empreendimentos em detrimento de comunidades tradicionais e ecossistemas frágeis.

Senado deve votar projeto que muda regras do licenciamento ambiental

O Projeto de Lei 2.159/2021, que estabelece a nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental, está previsto para ser votado nesta quarta, 21 de maio, nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura (CRA) do Senado. A proposta tem como objetivo principal simplificar e acelerar os processos de licenciamento ambiental em todo o país, especialmente para atividades consideradas de baixo impacto. Defensores do texto argumentam que a iniciativa busca reduzir a burocracia sem comprometer a proteção ao meio ambiente.

Após negociações, os relatores da matéria nas duas comissões, senador Confúcio Moura (MDB-RO) e senadora Tereza Cristina (PP-MS), apresentaram um texto unificado no último dia 7. O projeto, originado na Câmara dos Deputados, tramitou por 17 anos naquela Casa antes de chegar ao Senado, onde está em análise há quatro anos. Desde então, recebeu 93 emendas. Após a votação nas comissões, a proposta ainda precisará passar pelo Plenário e, caso os senadores promovam alterações, retornará à Câmara para nova deliberação.

Nova lei busca uniformizar regras e reduzir litígios

O licenciamento ambiental é o instrumento por meio do qual o poder público autoriza a instalação, ampliação ou operação de empreendimentos que utilizam recursos naturais. Hoje, a multiplicidade de normas em diferentes esferas de governo tem gerado disputas judiciais e insegurança jurídica. A expectativa dos senadores é que uma lei geral contribua para harmonizar procedimentos e garantir mais clareza e estabilidade legal.

De acordo com a proposta em discussão, a futura legislação será aplicada por todos os órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), incluindo o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), que possui funções consultivas e deliberativas.

Mineração volta ao escopo da lei

Uma das principais mudanças feitas pelos senadores em relação ao texto aprovado na Câmara é o retorno de empreendimentos minerários de grande porte ou alto risco ao alcance da lei geral. O texto original previa que essas atividades seguiriam normas específicas do Conama.

 A reinclusão foi resultado de uma emenda acolhida pelos relatores, que justificaram a alteração como necessária para manter o caráter abrangente da nova legislação.

Dispensas de licenciamento são mantidas, mas com restrições

O projeto também prevê a isenção de licenciamento ambiental para determinados empreendimentos. No entanto, os senadores reduziram a lista de atividades dispensadas, com o objetivo de limitar o benefício apenas àquelas que, de fato, não demandam controle estatal. 

Permaneceram no texto as dispensas para obras emergenciais, casos de calamidade pública e intervenções urgentes voltadas à prevenção de danos ambientais — desde que acompanhadas de relatório ao órgão competente.

Foi incluída ainda a isenção de licenciamento para serviços e obras de manutenção em estruturas já existentes ou em áreas de servidão e domínio. O texto também desobriga o licenciamento para empreendimentos de natureza militar.

Atividades agropecuárias continuam isentas

A dispensa de licenciamento para determinadas práticas agropecuárias é um dos pontos mais controversos da proposta. O relatório de Moura e Tereza Cristina manteve o entendimento da Câmara, isentando do licenciamento o cultivo de espécies agrícolas (temporárias, semiperenes e perenes), a pecuária extensiva e semi-intensiva, a criação de pequeno porte e pesquisas agropecuárias sem risco biológico.

Essa isenção, porém, só será aplicada a propriedades rurais regularizadas ou em processo de regularização. O texto também esclarece que, mesmo dispensados do licenciamento, os empreendedores continuam obrigados a obter autorizações específicas, como a de supressão de vegetação nativa e a outorga para uso de recursos hídricos, quando exigidas.

Licença de instalação pode permitir operação imediata

Outro ajuste feito pelos relatores refere-se à licença de instalação (LI) de empreendimentos lineares, como ferrovias, rodovias, linhas de transmissão, cabos de fibra ótica e subestações. O texto prevê que a LI poderá incluir, a pedido do empreendedor, condicionantes que autorizem o início da operação imediatamente após a conclusão das obras

Para isso, será necessário apresentar um termo de cumprimento das exigências ambientais, assinado por um técnico responsável — exigência que não constava na proposta original da Câmara.

Para deputado paraense, “produção e preservação podem andar juntas”

Entre os parlamentares que veem a proposta como um avanço está o deputado federal paraense Joaquim Passarinho (PL). Segundo ele, o projeto será positivo principalmente para setores de infraestrutura e pequenos empreendimentos. 

“Já para a mineração, não vejo alterações, pois esse setor já está sujeito a outros componentes de licenciamento e alvarás que já impõem restrições específicas”, explicou.

Passarinho destacou ainda que a proposta mantém exigências como autorização para supressão de vegetação e o uso de recursos hídricos, o que, em sua visão, garante a preservação ambiental

“Sem preservação, as propriedades não conseguem sobreviver. Hoje, os compradores são proibidos de adquirir produtos ou animais de áreas sem CAR ou com pendência ambiental. O próprio mercado está regulando isso”, afirmou.

O parlamentar também defendeu que o projeto não retira direitos de povos tradicionais ou indígenas. “Ele apenas diminui a burocracia e agiliza o processo. As áreas demarcadas de interesse indígena continuam com todas as restrições já existentes.”

Passarinho apontou que o verdadeiro problema na região amazônica não está no licenciamento, mas na ausência de regularização fundiária

“A União não consegue acompanhar a velocidade da economia. A legislação ambiental na Amazônia já é a mais restritiva do mundo, e ela continua valendo e precisa ser respeitada”, reforçou.

Para ele, o texto representa um equilíbrio entre crescimento econômico e proteção ambiental. “As duas coisas — produção e preservação — podem e devem andar juntas e em paralelo.”

Setor industrial vê oportunidade de avanço com nova Lei de Licenciamento

Deryck Martins, engenheiro florestal e presidente do Conselho de Meio Ambiente e Sustentabilidade da Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), avalia que a dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias pode representar um avanço

“Isso pode facilitar o acesso a recursos e acelerar a produção, sem que isso signifique menor controle ambiental”, afirmou. No entanto, ele adverte que, sem fiscalização adequada, os riscos de impacto ambiental podem crescer.

Martins também defende que a regularização fundiária é essencial para que o projeto atinja seus objetivos. 

“Muitos setores enfrentam dificuldades em adequar suas terras às normas ambientais por falta de regularização. Isso gera insegurança jurídica, dificulta o acesso a crédito e compromete os investimentos”, explicou. Segundo ele, sem esse passo, os benefícios da lei podem não se concretizar plenamente.

Outro ponto considerado positivo pelo especialista é a exigência de autorizações específicas, como para a supressão de vegetação e o uso de recursos hídricos, mesmo nos casos de dispensa de licenciamento. “São instrumentos importantes para garantir a sustentabilidade das práticas produtivas.”

Sobre a possibilidade de autorizar a operação imediata de empreendimentos junto com a licença de instalação, Martins vê ganhos logísticos, mas faz um alerta: “Os órgãos de fiscalização devem focar no monitoramento rigoroso das condicionantes estabelecidas, pois é nesse equilíbrio entre eficiência e responsabilidade que se sustenta o verdadeiro desenvolvimento.”

Pesquisador alerta para riscos socioambientais do novo licenciamento

Para o pesquisador André Farias, do Núcleo de Meio Ambiente da Universidade Federal do Pará (NUMA/UFPA), o texto representa um sério retrocesso, sobretudo para a Amazônia.

“Esse projeto pode ampliar danos, riscos e conflitos socioambientais, especialmente em estados como o Pará, que concentram uma enorme diversidade social e ecológica”, afirma Farias, que também lidera o grupo de pesquisa Grandes Projetos na Amazônia (GPA). 

Ele destaca que comunidades tradicionais — indígenas, ribeirinhos, quilombolas e extrativistas — estão entre os mais vulneráveis aos impactos de uma flexibilização dos controles ambientais.

Segundo o pesquisador, ao priorizar interesses de grandes empreendimentos agroindustriais e mineradores, o país estaria “na contramão da história”, apostando em um modelo de desenvolvimento que já se mostra insustentável

“O capital ditaria o ritmo dos projetos, e os conflitos tenderiam a se espalhar. O Pará pode virar um barril de pólvora”, alertou.

Farias ressalta que o Brasil já possui uma estrutura normativa robusta, como a Política Nacional de Meio Ambiente, a Constituição Federal e diversas resoluções do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente), mas que o problema está na sua aplicação e fiscalização. 

“Precisamos melhorar a gestão ambiental, não enfraquecê-la. É urgente ampliar a participação popular, fortalecer instrumentos como o EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental) e investir em servidores públicos e tecnologia”, declarou.

Ele também critica o que considera uma “manobra política” em relação à mineração: “O setor queria estar fora do PL, mas foi incluído de forma ambígua, talvez como moeda de troca para ampliar apoio da bancada ruralista. Isso vai aumentar ainda mais a insegurança jurídica.”

Para o pesquisador, os impactos já visíveis em municípios paraenses como Barcarena, Parauapebas e Canaã dos Carajás mostram que mesmo com os atuais instrumentos, os danos ambientais são severos. 

“Barragens de mineração se tornarão verdadeiras bombas ambientais. E o novo projeto, longe de oferecer segurança jurídica, pode até ser questionado no STF por inconstitucionalidade, por violar o direito ao meio ambiente equilibrado previsto no artigo 225 da Constituição”, analisou. 

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