Cotas para mulheres não atingem objetivo
Nas casas legislativas, a participação feminina ainda é bem inferior ao que poderia ser em comparação com a presença masculina
A partir dos anos 90, entraram em vigor regras que buscam aumentar a quantidade de mulheres candidatas e eleitas. Uma das mais significativas foi a que tornou obrigatório, pelos partidos, o preenchimento do percentual mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo. Além disso, as agremiações devem destinar no mínimo 30% do montante do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), para ampliar as campanhas de suas candidatas; e deve ser garantida a destinação de pelo menos 30% dos recursos do Fundo Partidário também para as mulheres. Apesar das profundas e importantes mudanças que essas medidas provocam, ainda não conseguiram alcançar um quadro igualitário entre homens e mulheres na política.
Na atual legislatura, a Câmara Municipal de Belém tem quatro mulheres, de um total de 35 vereadores. Os outros dois municípios paraenses com mais de 200 mil eleitores, Ananindeua e Santarém, também elegeram um número pequeno de candidatas, em comparação a quantidade de homens. Nas eleições de 2016, por exemplo, em Ananindeua, dos 25 vereadores eleitos, dois eram mulheres. Já em Santarém apenas um mulher foi eleita para ocupar uma das 21 cadeiras da Câmara Municipal.
Com 25% dos seus assentos ocupados por mulheres – elas são 10, de um total de 41 deputados – a Assembleia Legislativa se destaca pela representatividade feminina. Por mais que elas estejam em menor número que os homens, o percentual está acima do que é visto nas Câmaras Municipais ou mesmo no Congresso, onde as mulheres representam apenas cerca de 15% das cadeiras ocupadas.
“A presença da mulher na vida pública do Estado é importante para mostrar que o cenário está mudando, mostrar a representatividade dessa mulher de pensar políticas públicas para outras mulheres e não somente outras mulheres, mas a questão da infância e várias outras questões de minorias sociais, lgbtqi, a questão indígena, racial”, ressalta a Antropóloga Rachel Abreu. “As mudanças estão acontecendo, mas a gente só consegue perceber quando olha pra trás e vê como era”, completou.
No Pará, dos 5,7 milhões de eleitores, 2,9 são mulheres – elas são cinquenta mil a mais do que os homens. Ao mesmo tempo, Estado tem 322 mil filiados a partidos políticos do sexo masculino, contra 276 mil do sexo feminino, o que revela uma presença menor delas dentro das legendas políticas. A participação de mulheres em cargos nos executivos municipais e estaduais é ainda mais difícil, principalmente na chefia do Poder Executivo. Belém, por exemplo, nunca teve uma prefeita eleita. E nessa eleição, nenhuma mulher foi lançada como candidata à Prefeitura na capital paraense.
Para a antropóloga Rachel Abreu, a representação da mulher nos espaços de decisão é de um passado, em que a sociedade brasileira se ergue a partir de uma estrutura patriarcal e as mulheres tiveram uma educação diferenciada desde a infância.
“O homem foi criado a partir da força, do espaço do público, da guerra, do trabalho, a mulher foi criada e educada a partir do espaço do doméstico, do privado, da família, da meiguice, mas essas são construções culturais, de relações de poder. A partir dessa base cultural, vai se estruturar toda uma educação machista. Essa estrutura vai explicar muito da nossa realidade até hoje”, avalia.
Hoje, no mercado de trabalho, a mulher desempenha atividades que antes consideradas masculinas. “Tem a mulher conquistando sua autonomia e protagonismo, mas mesmo isso acontecendo, ainda tem a presença muito forte do estereótipo, do julgamento, do estigma, da discriminação. O preconceito nada mais é que a não aceitação dessa conquista e a relação de poder ainda muito forte, muito presente”.
Outro ponto que pode influenciar na ausência das mulheres na política, apesar da cota de gênero, pode ser a questão de noção de não pertencimento desses espaços, de acordo com Rachel. “As mulheres podem pensar que esse é um espaço de domínio masculino, mas não, é de todos”. Ela aponta também a sociedade machista, onde muitos homens não votam em mulheres, com o pensamento que a mulher está para emoção, a família, maternidade, e aos cuidados.
Para a antropóloga, mais triste ainda é quando esse pensamento está presente na mentalidade feminina, de mulheres que não vão acreditar em outras mulheres. “E aí a discussão se torna mais árdua e complexa”.
Rachel Abreu diz que as mulheres que assumem o protagonismo, estão influenciando toda uma geração. “Por mais que elas sejam em números inferiores, são números extremamente representativos, importantes para a gente salientar a importância da presença dessa mulher no espaço de decisão. Pode parecer ínfima no sentido do quantitativo, mas no qualitativo é extremamente salutar, porque ela que pode fazer a mudança acontecer a partir dos elementos que são entraves”.
Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PA, Natasha Vasconcelos considera que as desigualdades políticos sociais entre gêneros refletem a forma e a substância da participação de mulheres na política. “Aspectos como a divisão sexual do trabalho doméstico e também do político, assim como os estereótipos de gênero e a violência sexista política ou não, afetam diretamente a construção e a solidificação do capital político, do capital social e financeiro que impactam nas chances eleitorais dessas mulheres”.
Para ela, outro aspecto importante nesse cenário é a exclusão histórica e sistemática das mulheres do espaço decisório da política, e isso exige uma série de políticas afirmativas de inserção e manutenção das mulheres nesses espaços. “Existe um outro componente muito importante dessa participação, que é o fato das atividades domésticas gerarem um acúmulo de jornada de trabalho, que afeta algo muito importante para fazer política, o tempo dessas mulheres”, enfatiza.
Ela observa que década de 90 e início dos anos 2000, se discutia muito a efetividade ou não da política de cotas. Para Natasha, é possível verificar, através de dados do TSE, que essa medida não é suficiente. “O percentual de participação das mulheres no parlamento brasileiro varia entre 12% e 15%, falando do Congresso Nacional. Recentemente, levantamento feito pelo instituto Gênero e Número apontou, no primeiro semestre, de 2019, que mesmo a Câmara dos Deputados tendo atingido o maior número de representatividade feminina, somente 7% dos PLs apresentados por elas versavam sobre os direitos das mulheres. A democracia representativa apresenta limitações muito graves, não só de gênero, mas também raciais, étnicas e também da população lgbtqi+”, avalia.
Numa análise local, ela destaca dados que reforçam essa limitação democrática. “Pela primeira vez, a câmara municipal de Belém tem uma vereador negra, que é a enfermeira e advogada Nazaré Lima. Em nível estadual, a Alepa alcança a marca de 25% de representatividade de mulheres no parlamento. Além disso ser um dado histórico, representa um percentual acima da média nacional”, observa.
Para Natasha Vasconcelos, romper com a subrepresentação de mulheres e prezar pela manutenção dessa participação, representa uma maior possibilidade de terem inseridas no cenário político jurídico, leis, normas e regulamentos mais adequados para a experiência social das mulheres, reconhecimento e considerando as assimetrias entre gêneros. "A presença de mulheres na vida pública, nos cargos decisórios, desde que consciente desse contexto de hierarquia patriarcal, pode ser decisivo no avanço dos direitos das mulheres".
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