Assessor tinha senha de desembargador para abrir processos e assinar sentenças
Relatório da Corregedoria Nacional de Justiça indica que um assessor do desembargador Marcos José de Brito Rodrigues, do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, tinha em seu poder token e senha do magistrado para abrir processos e até assinar sentenças. Mensagens via WhatsApp recuperadas no âmbito de investigação sobre venda de sentenças na Corte estadual revelam que o funcionário do gabinete, identificado por Marcelo, era instruído por Marcos Brito a 'minutar decisão e a assiná-la ele mesmo'. Marcelo, segundo o documento, apenas informava o desembargador 'após ter consumado o procedimento'. O assessor tinha poderes para fazer uso do certificado digital.
O relatório, subscrito pelo ministro Mauro Campbell, corregedor nacional de Justiça, é a base da decisão para abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que poderá culminar na aposentadoria compulsória de Marcos Brito - apontada como a 'sanção' mais grave a magistrados sob suspeita de corrupção.
Marcos Brito é alvo da Operação Ultima Ratio, deflagrada pela Polícia Federal em outubro de 2024. Ele está afastado das funções desde então, por ordem do ministro Francisco Falcão, do Superior Tribunal de Justiça, sob suspeita de ligação com um comércio de sentenças, lavagem de dinheiro e organização criminosa, entre outros ilícitos. Uma tornozeleira eletrônica foi instalada no desembargador para mantê-lo sob vigilância severa.
Ele não é o único sob espreita da PF e da Corregedoria Nacional de Justiça. Outros quatro desembargadores foram alvo de buscas em suas residências e gabinetes no Tribunal - Vladimir Abreu da Silva, Alexandre Aguiar Bastos, Sideni Soncini Pimentel e Sérgio Fernandes Martins, então presidente da Corte estadual. Todos eles negam ligação com malfeitos.
A operação alcançou também o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado Osmar Domingues Jeronymo e o servidor do Tribunal de Justiça, Danilo Moya Jeronymo - sobrinho do fiscal de contas. Um sexto desembargador, Júlio Roberto Siqueira Cardoso, já aposentado, também é investigado. Em sua casa, na ocasião, a PF apreendeu quase R$ 3 milhões em dinheiro vivo.
Os autos da Operação Ultima Ratio bateram à porta da Corregedoria Nacional de Justiça pela via de uma Reclamação Disciplinar contra o magistrado. Há duas semanas, o corregedor Mauro Campbell redigiu extenso relatório e se manifestou pela abertura do PAD contra o desembargador Marcos José de Brito - os demais magistrados ainda estão sob escrutínio da Corregedoria.
O relatório Campbell preenche 67 páginas e abre espaço também para os argumentos da defesa, que nega desvios, tampouco venda de sentenças na rotina do desembargador. O documento comporta um capítulo sobre Marcelo, personagem emblemático, 'assessor Marcelo' - assim identificado pelos investigadores que resgataram mensagens de suspeitos de elo com o esquema que se teria instalado no Tribunal. "O assessor Marcelo possuía acesso ao token e senha do desembargador, permitindo a assinatura de decisões em seu nome, configurando delegação ilegal de atividade jurisdicional e violação de sigilo funcional", crava o corregedor.
Um filho de Marcos Brito, advogado Diogo Ferreira Rodrigues, é citado nos autos, 'revelando proximidade estrutural entre magistrados investigados e potencial conflito de interesses'. "As trocas de mensagens entre Marcos Brito e seu motorista Adão evidenciaram ainda que, com estranha habitualidade, o desembargador quitava despesas pessoais e adquiria bebidas, mediante pagamentos em espécie deixando valores em sua portaria, sem que houvesse correspondência bancária entre os gastos realizados e eventuais saques em suas contas bancárias", ressalta o documento.
Padrão de conduta
Para o corregedor, 'o padrão de conduta identificado ao longo das investigações revelou a prática sistemática e reiterada de violações aos deveres funcionais, inerentes ao nobre cargo de desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul'.
"Marcos José de Brito Rodrigues mantinha contato direto com partes e advogados fora dos autos processuais, intervinha em processos de relatoria de outros magistrados exercendo advocacia administrativa, recebia presentes de alto valor de advogados que patrocinavam causas perante o Tribunal de Justiça, exercia a função jurisdicional em situações de evidente suspeição sem declará-la, delegava ilegalmente atividades jurisdicionais ao seu assessor, compartilhava credenciais de acesso ao sistema e movimentava valores expressivos em espécie sem justificativa compatível com seus rendimentos declarados", segue o relatório Campbell.
O corregedor observa que 'o contexto das conversas interceptadas, combinado com a análise das decisões judiciais proferidas, dos saques em espécie realizados em datas próximas, por parte dos operadores, e dos agradecimentos posteriores das partes beneficiadas, formam um conjunto robusto de indícios de que o desembargador recebia sistematicamente vantagens indevidas para proferir decisões judiciais ou para interceder junto a colegas magistrados em favor de interesses privados'.
Ao votar pela abertura do PAD contra o desembargador, também mantendo o afastamento cautelar de Marcos Brito, o corregedor elencou suas razões. "O extenso e grave panorama probatório, caracterizado pela convergência de múltiplos elementos de convicção obtidos através de interceptações telemáticas, quebra de sigilos bancário e fiscal, análise de movimentações financeiras, apreensão de valores em espécie, em cotejo com decisões judiciais proferidas e depoimentos indiretos através de mensagens trocadas com terceiros, foram capazes, sob o olhar desta Corregedoria Nacional de Justiça, de configurar a chamada justa causa para a instauração de processo administrativo disciplinar, com a manutenção de seu afastamento cautelar das funções jurisdicionais."
Os indícios, diz Campbell, apontam para violação dos deveres previstos na Lei Orgânica da Magistratura Nacional e do Código de Ética da Magistratura Nacional, consubstanciando condutas análogas aos crimes de corrupção passiva, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional e lavagem de capitais, todas praticadas no exercício da nobre função judicante, com graves danos à moralidade pública, à credibilidade do Poder Judiciário e à confiança que o jurisdicionado deposita na imparcialidade e integridade dos magistrados.
"Todos esses gravíssimos elementos indiciários reforçaram a percepção desta Corregedoria Nacional de que, a abertura de procedimento administrativo disciplinar é medida impositiva", concluiu o corregedor.
'Gordo', 'Bolachinha'
O relatório Campbell detalha passo a passo os movimentos do magistrado e suas estreitas relações com lobistas, advogados e fazendeiros interessados em processos judiciais sob sua alçada. Entre eles, Brito é conhecido por Gordo ou Bolachinha, segundo mensagens recuperadas pelos investigadores da Operação Última Ratio.
A instauração do PAD em face do desembargador é medida que se impõe, segundo a convicção de Mauro Campbell. "Foram reunidos indícios robustos de que Marcos José de Brito Rodrigues incorreu em fatos análogos aos delitos de corrupção passiva, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, exercício da jurisdição marcada por situação de parcialidade ou suspeição, e possível lavagem de capitais na modalidade dissimulação, ao canalizar recursos em espécie para a quitação de despesas com atividade pecuária, despesas de uso pessoal e aquisição de bebidas alcóolicas de grande valor agregado."
A Operação Ultima Ratio reuniu elementos probatórios contra Brito e seus colegas de toga a partir de interceptações telemáticas, documentos apreendidos e análise detalhada de decisões judiciais, revelando um padrão sistemático de condutas incompatíveis com o exercício da magistratura.
Inicialmente, segundo o relatório ao qual o Estadão teve acesso, a suposta prática de corrupção passiva por parte de Marcos Brito decorreu da análise do aparelho celular do advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, apontado como lobista que intermediava decisões judiciais mediante pagamento de propinas no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
A reportagem do Estadão busca contato com Jayme. O espaço está aberto.
O advogado também possui laços com o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, Osmar Domingues Jeronymo.
'Não fura'
Os investigadores descobriram que em 2 de abril de 2019, o desembargador Brito, atuando como relator de um processo, despachou decisão favorável a dois réus. Apenas seis dias depois, em 8 de abril, interceptações revelaram que o advogado cobrou de um dos réus o "depósito do Gordo". O advogado salientou que o magistrado já tá me ligando que, por esta razão, o beneficiado pela decisão não deveria deixar de depositar: não fura.
Em 10 de abril daquele ano, Félix Jayme confirmou em uma mensagem que havia levado R$ 15 mil para o Gordo no dia anterior. Ele explicou que o valor combinado era equivalente a 9 arrobas ou cabeças de gado à razão de R$ 1.500 cada, totalizando cerca de R$ 13.500, mas que levara R$ 15 mil, razão pela qual Gordo ficou satisfeito (macio) por ter recebido mais que o acordado.
"A análise bancária demonstrou que Félix realizou múltiplos saques em espécie nos dias anteriores ao pagamento, em valores compatíveis com a quantia mencionada, sendo certo que, em verdade, a vantagem indevida combinada poderia ser consideravelmente superior à mencionada, em razão da provável utilização da atividade pecuária para o recebimento da contraprestação indevida pela decisão prolatada", assinala o corregedor.
O relatório pontua que, em 17 de abril de 2019, o desembargador enviou mensagem a Félix perguntando sobre o preço da ureia, apenas como pressuposto para iniciar uma conversação, seguida imediatamente da pergunta "Quando aparece?".
Segundo Campbell, a alegação da defesa de que a sugestão de encontro teria ocorrido após a decisão prolatada, não infirma os indícios da prática de corrupção passiva, na medida em que, o contato sugerido, evidenciou a necessidade de um encontro presencial para entregar algo que não poderia ser transferido virtualmente, ou seja, muito provavelmente, dinheiro em espécie.
O mesmo processo evidenciou um segundo episódio ainda mais grave em 2021, segundo os investigadores. Em 6 de abril daquele ano se deu o julgamento de embargos de declaração com reversão de decisão anterior que havia sido desfavorável aos interesses dos réus.
'Cada um quer mais que o outro'
Antes do julgamento, Félix Jayme antecipou o resultado a um servidor do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, Danillo Jeronymo, apontado como 'laranja' de seu tio, o conselheiro Osmar Domingues Jeronymo, do Tribunal de Contas do Estado - também alvo da Operação Ultima Ratio - ao afirmar que ganharia o feito por 3 votos a 2 e que 'foi um leilão danado'. Ele complementou. "Cada um quer mais que o outro."
Em 8 de abril de 2021, Félix Jayme confirmou em mensagem de áudio que "tava complementando um pagamento daquele que foi terça, cara, ganhei por 3 a 2'. Ele citou explicitamente os nomes Bolachinha, Marcão e Divoncir - referindo-se, segundo a Polícia Federal, aos desembargadores Sérgio Martins, Marcos Brito e Divoncir Schreiner Maran, que votaram favoravelmente ao lobista (Félix), restando vencidos os desembargadores Marcelo Câmara Rasslan e João Maria Lós.
"A expressão 'leilão e a inequívoca referência a 'complementar pagamento indicam claramente que a decisão judicial proferida por Marcos José de Brito Rodrigues foi mediante pagamento de vantagem indevida a ele e aos demais desembargadores envolvidos", sustenta o relatório Campbell.
'Com carinho'
Um segundo conjunto de eventos envolveu o pecuarista Firmino Miranda Cortada Filho e sua atuação junto ao magistrado em múltiplos processos judiciais de seu filho (Firmino Cortada Neto). Em 28 de maio de 2020, o fazendeiro contatou o desembargador pelo WhatsApp solicitando que 'olhasse com carinho processo no qual seu filho era parte.
"As mensagens demonstram que não havia intimidade prévia entre ambos, não obstante, Marcos Brito, apenas um minuto após receber o pedido, repassou pronta e passivamente o número do processo ao seu assessor Marcelo ordenando análise imediata", constatou a PF na Operação Ultima Ratio.
'Um café'
Em 2 de junho de 2020, Firmino cobrou uma posição do desembargador. Diante da ausência de resposta, em 18 de junho, o pecuarista convidou Marcos Brito para tomar um café, provavelmente para tratar pessoalmente da decisão, segundo suspeita dos investigadores. Em 24 de julho, o desembargador deu provimento parcial aos embargos de declaração com efeitos infringentes, decisão atípica, considerada a baixíssima taxa de acolhimento desse tipo de recurso no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, especialmente, em processo com valor de causa superior a R$ 4 milhões, gerando substancial proveito econômico ao pecuarista.
"A alegação da defesa do magistrado de que houve apenas a adequação do julgamento, mediante a redução dos honorários de 100% para 80% do que já teriam sido fixados em sentença, vai de encontro ao que foi apurado na investigação, pois, segundo se infere dos elementos reunidos, houve também modificação do julgado com declaração de ilegalidade de cobranças de capitalização de juros, o que gerou grande proveito econômico ao demandante", diz o relatório.
Para o ministro corregedor Mauro Campbell, curiosamente, tal fato apenas ocorreu após Firmino Miranda Cortada Filho convocar o desembargador Marcos José de Brito Rodrigues para tomar um café, o que reforça a convicção desta Corregedoria Nacional de Justiça, acerca da prolação de decisão judicial mediante recebimento de vantagem indevida.
A relação entre Firmino e o desembargador não se limitou a esse caso, diz a investigação. Passando em revista os processos despachados por Marcos Brito, os investigadores verificaram que, em 23 de setembro de 2020, o fazendeiro solicitou ajuda em um processo criminal envolvendo porte de armas, ao que Brito respondeu. Vou dar uma olhada.
O desembargador imediatamente repassou o caso ao assessor Marcelo, para que fosse identificada a relatoria. Constatado que o feito estava sob atribuição do desembargador Ruy Celso Florence, o desembargador investigado pediu ao assessor para lembrá-lo de falar com o colega no dia seguinte.
Em 24 de setembro, de fato, Brito enviou mensagem a Ruy Celso com o número do processo, informando que já havia parecer favorável do Ministério Público pela extinção da pretensão executória e acrescentando que 'o cara me ligou e disse que o Exército quer a solução do caso, caso contrário ele perderá as armas que são todas registradas no Exército.
O julgamento foi concluído em 3 de fevereiro de 2021, por unanimidade, nos termos do voto do relator Ruy Celso Florence, declarando a extinção da punibilidade por prescrição, exatamente conforme a intercessão de Marcos Brito, a caracterizar evento análogo ao delito de advocacia administrativa.
Em 5 de abril de 2023, nova conversa entre o desembargador e o fazendeiro precedeu uma decisão proferida em 20 de abril em um outro processo, extinguindo ação monitória do Banco do Brasil no valor de R$ 314.301,48 e invertendo o ônus de sucumbência em favor do filho de Firmino.
Segundo o CNJ, conforme apurado durante as investigações em andamento, agora perante o Superior Tribunal de Justiça, esta não foi a primeira vez em que o Banco do Brasil foi vitimado pela atuação do grupo.
A investigação mostra que essa ação que teve como vítima o BB encontra paralelo com outra ação sobre a qual pairam indícios de atuação com desvio funcional por parte dos desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, em que a instituição financeira foi condenada ao pagamento de mais de R$ 178 milhões, a título de honorários advocatícios. Para a Corregedoria, essa quantia, muito provavelmente, seria posteriormente partilhada com os desembargadores prolatores da decisão.
Um terceiro evento grave, diz o relatório, envolveu o procurador de Justiça Marcos Antônio Martins Sottoriva e demonstrou não apenas a provável corrupção passiva na modalidade privilegiada, como também evidenciou a possível prática do delito de violação de sigilo funcional, seguido da delegação ilegal da atividade jurisdicional, por parte do desembargador Marcos José de Brito Rodrigues.
Em 12 de março de 2020, Sottoriva enviou ao desembargador o número de um processo que tratava de agravo de instrumento relacionado à compra de uma fazenda com valor da causa de R$ 5 milhões. A mensagem não foi precedida de maiores esclarecimentos, indicando que ambos haviam conversado previamente de forma presencial.
"De maneira absolutamente irregular, Marcos Brito, sem sequer acessar os autos do processo, pediu imediatamente ao assessor Marcelo que elaborasse decisão liminar concedendo os efeitos pretendidos sem entrar no mérito", destaca o corregedor. "Outrossim, em prejuízo do desembargador, as mensagens revelaram que o assessor Marcelo possuía o token e a senha do magistrado, sendo instruído a minutar a decisão e a assiná-la ele mesmo, apenas informando o desembargador após ter consumado o procedimento."
Agradecimento
No mesmo dia 12 de março de 2020, foi proferida decisão manifestamente genérica e sem fundamentação concreta, evidenciando que Marcos Brito favoreceu indevidamente o procurador de Justiça em razão do cargo que este ocupava.
"Posteriormente, Sottoriva enviou mensagem de agradecimento informando que, graças ao deferimento da liminar, conseguiu compelir a parte adversa a celebrar acordo para o alongamento da dívida em mais uma parcela", segue Mauro Campbell.
Segundo o ministro, no caso em apreço, a alegação defensiva de que o comportamento do reclamado (Marcos Brito) era regular, e que o atendimento às partes, em plena pandemia, se dava pelo telefone pessoal do desembargador, não condiz com a verdade.
Segundo a Portaria 1.726, de 24 de março de 2020, editada pela Presidência do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, o atendimento presencial a advogados deveria ocorrer em regime de revezamento, sendo certo que, o atendimento virtual ocorreria por meio dos e-mails funcionais e dos ramais telefônicos oficiais, disponibilizados no portal do Tribunal.
Posteriormente, tal solução foi substituída pelo Balcão Virtual, criado pelo Conselho Nacional de Justiça, sendo absolutamente inadequado o atendimento das partes pelas vias não oficiais de comunicação.
Nefasta
Ainda de acordo com o relatório. "O tratamento impróprio que o desembargador dispensava ao advogado Renê Siufi, do qual recebia presentes sob a forma de bebidas de grande valor agregado, com a mesma frequência que franqueava a possibilidade de despachar por mero aplicativo de mensagens, evidenciou que Marcos Brito não apenas pode ter recebido vantagens indevidas para proferir decisões judiciais, como também, quando menos, exerceu a jurisdição em processos nos quais sua suspeição era manifesta e inequívoca."
Da mesma forma, diz o corregedor, a nefasta proximidade mantida pelo desembargador com o lobista Andreson de Oliveira Gonçalves, empresário conhecido por intermediar decisões judiciais em Tribunais Superiores e que chegou a ter sua prisão decretada pelo ministro Cristiano Zanin Martins na Operação Sisamnes, também milita em seu desfavor.
Andreson, apontado pelos investigadores como sócio dos tribunais, agia em conluio com o advogado Roberto Zampieri, o lobista dos tribunais, executado a tiros à porta de seu escritório em Cuiabá, dezembro de 2023. Atualmente, Andreson está recolhido em uma cela do Presídio da Papuda, em Brasília.
O relatório que embasou a instauração do PAD contra o desembargador destaca que a investigação constatou que Andreson negociava abertamente decisões com magistrados, indicando possuir influência até mesmo no Superior Tribunal de Justiça, onde servidores lotados em gabinetes relevantes, foram cooptados para direcionar minutas e repassar informações de seu interesse.
"Em investigações correlatas, foi observado que os valores das vantagens indevidas intermediadas por Andreson eram depositados nas contas bancárias de sua empresa Florais Transportes Ltda sendo posteriormente transferidos ou sacados em espécie para entrega a integrantes do Poder Judiciário", segue o documento.
"Significativamente, esta mesma empresa pagou mais de R$ 1 milhão ao advogado Félix Jayme Nunes da Cunha em 2017, valor que foi integralmente sacado em espécie, a indicar que, muito provavelmente, o mesmo modus procedendi observado no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, veio a ocorrer na Corte congênere, no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul", afirma Mauro Campbell.
Segundo a Operação Ultima Ratio, Andreson mantinha contato intenso com Marcos Brito, tratando abertamente de processos judiciais sob a relatoria do desembargador.
Em 2 de maio de 2023, o sócio dos tribunais enviou ao desembargador prints de extratos de processos no site do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Oito dias depois, o desembargador repassou as imagens ao assessor Marcelo pedindo para imprimir os votos do acórdão.
A consulta ao sistema do TJ revelou que os processos envolviam um conjunto de demandas cujo valor da causa superava montante de R$ 64 milhões.
A PF constatou que Marcos Brito participou do julgamento em pelo menos um dos feitos, relacionado em 2020, havendo fortes indícios da possível prática de desvio funcional, a recomendar a apuração detalhada sob o influxo do contraditório, em processo administrativo disciplinar.
Caixas, relógios, joias
Consta, ainda, do relatório a participação do desembargador no julgamento de um mandado de segurança impetrado pelo filho de um servidor do Judiciário de Mato Grosso do Sul. "Evidenciou a provável prática de conduta análoga ao delito de advocacia administrativa, a demandar idêntica apuração detalhada em processo administrativo disciplinar."
O relatório destaca que a busca e apreensão realizada na residência de Marcos Brito revelou a existência de R$ 46,8 mil em espécie, sendo R$ 30 mil encontrados em seu veículo e R$ 16,8 mil em seu quarto, em caixas com relógios de luxo e joias.
Foi localizado ainda um cheque no valor de R$ 182 mil assinado por Nilton Júnior Martins Artheman, cuja relação com o desembargador ainda demanda esclarecimentos.
"A análise do material apreendido evidenciou que Marcos Brito circulava numerosos comprovantes de depósitos bancários em dinheiro em espécie, seja em nome próprio, seja em nome de seu filho Diogo Rodrigues, de seu motorista Adão e de seus assessores Marcelo e Rafael, sem correspondência com operações bancárias regulares", pontua o relatório.
Particularmente, chamou atenção dos investigadores o relato de despesas para a compra de gado no valor de R$ 1.119.474,73, encaminhado pelo assessor Rafael, sem que fossem localizadas operações bancárias correspondentes e contemporâneas que pudessem embasar aquisição tão expressiva.
A movimentação financeira suspeita se estendia à forma como Marcos Brito realizava pagamentos relacionados a sua atividade agropecuária. "Embora seja proprietário de fazenda com aproximadamente mil hectares em Campo Grande, a análise demonstrou que, desde pelo menos 2016, o desembargador realizava o arrendamento de área pertencente ao produtor rural Carlos Nei Ferraz Garcia, registrado em seu celular como Careca, realizando o pagamento dos valores devidos em espécie", detalha o relatório.
A análise do sistema Simba evidenciou a existência de apenas duas operações bancárias documentadas entre ambos desde 2017. O Simba é o Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias, plataforma que permite agilizar a troca de dados entre instituições financeiras, Procuradoria e o Judiciário.
"O histórico de mensagens comprovou, por seu turno, que o pagamento mensal do arrendamento era rotineiramente feito em espécie por intermédio do motorista Adão ou de outros funcionários, sem correspondência na movimentação bancária formalizada do desembargador", segue Campbell. "Essa ocultação da origem de recursos através de atividades aparentemente lícitas caracteriza indícios de lavagem de capitais na modalidade dissimulação, especialmente quando considerado o contexto de recebimento de vantagens indevidas no exercício da função jurisdicional."
A constatação deve ser acrescida a explícita referência feita pelo advogado Félix Jayme de que, de fato, pagou vantagem indevida ao magistrado (Marcos Brito), combinando valores em espécie e gado de corte, em nítida situação de lavagem de capitais.
Na avaliação do ministro Mauro Campbell, a estrutura operacional revelada pelas investigações demonstra a sofisticação na execução dos ilícitos.
COM A PALAVRA, O DESEMBARGADOR
A reportagem do Estadão pediu manifestação do desembargador Marcos José de Brito Rodrigues via assessoria de Imprensa do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul.
Nos autos de Reclamação Disciplinar conduzida pela Corregedoria Nacional de Justiça, os advogados do magistrado apresentaram defesa prévia no dia 16 de setembro passado, complementando as informações previamente apresentadas, ocasião em que suscitou preliminar de cerceamento de defesa e necessidade de suspensão da presente reclamação disciplinar, em razão da dependência lógica entre os processos criminal e administrativo que apuram os mesmos fatos.
No mérito, a defesa pugnou pelo arquivamento da reclamação disciplinar por ausência de justa causa, na medida em que sua atuação teria se pautado na análise objetiva dos autos, estando ausente, em seu entender, qualquer indicativo de sua efetiva adesão ao esquema delitivo.
A defesa acrescentou que, em relação à suposta venda de decisão judicial ao advogado Félix Jayme Nunes da Cunha, a imputação não subsiste, pois as conversas identificadas pela autoridade policial datam de momento posterior ao julgamento do feito em questão, quando seu resultado já era conhecido pelas partes, o que, em seu entendimento, demonstra ser descabida e impertinente a acusação.
O desembargador esclarece que também atua no ramo da pecuária e que tais conversas se referiam a esta seara, sem demonstração de ilícito por sua parte.
Brito fez esclarecimentos sobre várias demandas julgadas por ele, e refutou qualquer hipótese de favorecimento indevido das partes processuais, bem como a ocorrência de intervenção espúria em processos judiciais.
Reiterou a alegação de inexistência de prova ou indício de ilícito a fundamentar a manutenção da reclamação disciplinar.
COM A PALAVRA, O TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MATO GROSSO DO SUL
A reportagem do Estadão pediu manifestação do Tribunal. O espaço está aberto. (fausto.macedo@estadao.com)
COM A PALAVRA, O 'ASSESSOR MARCELO'
O Estadão pediu ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul manifestação do 'assessor Marcelo'. O espaço está aberto. (fausto.macedo@estadao.com)
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