Proprietários de casarões da Cidade Velha buscam preservar patrimônio histórico
Proprietários tem direito até 100% de desconto do IPTU em casarões históricos
O patrimônio histórico de Belém, que inclui desde prédios públicos até casarões antigos, revela parte da história de quem viveu nos séculos passados na capital paraense. Apesar das dificuldades, os moradores do bairro da Cidade Velha lutam para preservar parte deste patrimônio histórico. Diferentemente de muitas casas que estão em ruínas e abandonadas, a residência de Michel Camarão é um exemplo do apreço, cuidado e amor pela história de Belém.
Michel Camarão tem um verdadeiro amor pelo bairro da Cidade Velha. Morador que cresceu no bairro, quando o avô comprou 15 casarões na rua Doutor Malcher, a terceira rua criada em Belém. Apesar de ter se mudado, após vários anos ele sempre se sentiu muito ligado ao bairro. Ao formar sua família, decidiu junto com a esposa que é apaixonada por arquitetura realizar um antigo sonho e comprar um casarão histórico na Cidade Velha.
Juntos eles reformaram o imóvel de uma casa na mesma rua, que estava para vender. A residência era de propriedade da mesma família da década de 1940. Michel adquiriu a residência por aproximadamente R$ 500 mil em uma situação muito difícil com telhado quebrado, forro com as madeiras podres, muita infiltração, mato e risco de desabamento de uma parede que estava solta. A casa tombada pelo patrimônio histórico precisou de uma recuperação total, totalizando mais de R$ 500 mil de gastos. “Não era reformar a casa. Era restaurar o imóvel do jeito como nós acreditamos que ele era. Colocar coisas que não estavam, mas que existiam ali”, conta Michel.
A reforma valeu a pena. Ao entrar no casarão, o visitante tem a verdadeira impressão de voltar no tempo devido a preservação da residência. Além do cuidado com o imóvel, os proprietários também investiram em móveis históricos, comprados em antiquários, que se somam às centenas de presentes ganhos por outras pessoas apaixonadas pela história da cidade que querem ver a preservação desses objetos. O proprietário conta com orgulho os traços coloniais dos arcos internos - herança arquitetônica das primeiras casas construídas em Belém. Nos séculos seguintes, a residência foi ganhando características de cada época com detalhes da Art Nouveau e da Art Decó.
“Tirei um empréstimo. Era um sonho, minha filha tem 16 anos. Nós queríamos morar aqui. Tem azulejo aqui da década 40, quando ela tinha 14 anos ela me disse ‘esse azulejo é igual do Manoel Pinto’. Eu não sabia disso. A caixa de descarga é inglesa”, conta. A casa em formato de C tem uma arquitetura diferente, com o jardim no meio da residência, com um grande corredor, que liga a varanda aos quartos e a cozinha, inclusive ao “quarto de banho”.
DESCONTO - A Prefeitura de Belém informou, por meio da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, que cumpre, rigorosamente, a Lei Municipal 7.709/1994 (Lei de Patrimônio Histórico), que garante aos proprietários de imóveis tombados descontos no IPTU das propriedades, como forma de incentivo à conservação.
A Semcult disse, ainda, que os proprietários de imóveis tombados e em áreas tombadas devem ficar atentos aos editais de desconto no IPTU, publicados, todos os anos, no segundo semestre, por meio do site da secretaria e Diário Oficial do Município. O edital garante descontos de até 100% a depender do estado de conservação do imóvel.
A Secretaria esclarece que não é responsável pela aplicação de multas em obras irregulares. Demandas e solicitações ligadas à aplicação de multas devem ser resolvidas com os órgãos responsáveis.
Já a Secretaria de Estado de Cultura (Secult) respondeu, por meio do Departamento de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural (Dphac), que o Centro Histórico de Belém não possui tombamento na esfera estadual. A Secult é responsável apenas pelos prédios públicos, na maioria museus localizados no centro histórico.
APOIO - Michel Camarão reclama da falta de apoio dos órgãos governamentais para ajudar a preservar os casarões. Ele diz que a responsabilidade recai toda sobre os proprietários. Michel nem tem acesso ao desconto integral do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), apesar do laudo da antiga Fundação Cultural de Belém (Fumbel).
“O proprietário tem que ir na Fumbel que faz a vistoria e o laudo. Eles mandam uma carta, e você vai na Fumbel pegar o laudo, de lá é você que tem que levar na Sefin (Secretaria Municipal de Finanças). Ou seja, você tem que provocar a Sefin. Na lei diz que é 100% de desconto, mas não nos dão 100%. Aqui é 88% de desconto. Isso não existe! Está errado! Deveria ser 100% o que a lei diz. Quando compramos a casa nós fomos atrás de financiamento. Eu vendi tudo o que tínhamos para restaurar a casa. Não tem financiamento. Não tem um arquiteto, que acompanhe a obra, cedido pelos órgãos. Não tem nada”, reclama.
Para Michel, é necessário o maior envolvimento dos órgãos públicos para preservar o patrimônio histórico com linhas de crédito, financiamento, redução de impostos e desburocratização para que os moradores sejam efetivamente incentivados a manter os casarões.
O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), da esfera federal, informou por meio de nota que “atua na proteção do Patrimônio Cultural Brasileiro e, especialmente em relação a bens tombados em Belém (PA), monitora e fiscaliza por meio de sua Superintendência no Estado do Pará todos aqueles imóveis reconhecidos na esfera federal e suas respectivas áreas de entorno”.
O órgão cumpre o que está previsto na Portaria Iphan nº 420/2010, os proprietários responsáveis pelos imóveis podem executar serviços de conservação, manutenção ou reformas desde que apresentem previamente a proposta para análise e parecer da Superintendência estadual.
“Os critérios para tais análises buscam preservar o bem tombado em seus aspectos arquitetônicos, morfológicos e estéticos, sendo estabelecidos de acordo com as características do imóvel e sua relação com as edificações vizinhas. Já intervenções em edificações inseridas na área de entorno, não tombadas, devem ser observadas a manutenção da ambiência e a visibilidade do bem tombado, visando proteger as relações visuais e estéticas existentes com a vizinhança”, diz a nota.
Em relação aos bens tombados individualmente, não são permitidas intervenções que descaracterizem ou causem danos/riscos à sua integridade, considerando os valores e atributos que motivaram seu tombamento. O mesmo vale para imóveis localizados em área tombada, onde a preservação e a conservação de características externas são priorizadas. Já para imóveis que não apresentam características a preservar, mas estão localizados em área tombada, nas análises técnicas, é observada a relação harmônica da proposta com as demais edificações, considerando a estrutura predominante da área.