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Produtora de Ruthetty relata dificuldades para internar cantora, diagnosticada com esquizofrenia

Rute Gomes dos Santos foi encontrada morta dentro da própria casa no bairro da Marambaia, em Belém

O Liberal

A produtora Ciane de Moraes, amiga da cantora Rute Gomes dos Santos, conhecida como Ruthetty, disse que a família tentou várias vezes fazer a internação da artista devido ao retorno das crises de esquizofrenia nos últimos meses. Durante o velório de Ruthetty, nesta quinta-feira (4), Ciane relatou que os médicos só autorizavam a internação se a artista estivesse em surto grave, o que, segundo ela, impedia qualquer tratamento contínuo. Ela destacou que esse obstáculo teria contribuído para o agravamento do quadro emocional da artista.

Ciane explicou que cuidar da trajetória da cantora sempre exigiu mais do que funções profissionais. “Era uma relação além do profissional, de amizade e cuidado. Trabalhar com a Ruthetty era muito mais do que ser produtora dela. Era ser como uma cuidadora, por causa da doença. A gente tinha todo o cuidado, toda a paciência, porque quem sofre de esquizofrenia sabe os sintomas que tem. Era uma relação de muito afeto”, destacou.

Internação

Ao falar sobre as internações, a produtora afirmou que a cantora respondia bem ao tratamento. “Antes de ela ser internada a última vez, ela já tinha esse diagnóstico (de esquizofrenia). Como ela estava muito em crise, foi internada em São Paulo. Lá ela teve tratamento, ganhou peso, podia levar uma vida quase normal”, detalhou. Segundo a produtora, após receber alta, o médico recomendou apenas um show por mês. “Era só para matar a vontade dela, porque ela não podia sofrer sono. Aí alinhei com o irmão dela: “A gente vai fazer um show por mês”.

Ciane contou que, com a visibilidade do retorno da artista, surgiram convites de outros contratantes, o que dificultou o controle médico sobre a rotina de trabalho da cantora. “Ela já não queria ficar só na casa do irmão. Queria ficar na casa dela, só que ela não podia morar sozinha. Pessoas se aproximavam para fechar show em qualquer lugar, porque eu era contra e o irmão dela também. O certo era só um show por mês. Tudo isso foi piorando a situação dela”, contou.

Em diversos momentos, segundo Ciane, Ruthetty deixava de tomar a medicação ao retornar para a casa onde insistia em morar sozinha. “Foi aí que ela acabou morando sozinha mesmo e a doença voltou. Ela não tomava o remédio dela. Eu falei para ela que só voltava a ajudar com os shows se ela voltasse para a casa do irmão. Ela era muito teimosa, e isso faz parte da doença, essa teimosia”, disse. 

A produtora relatou que, ao retornar ao trabalho com a artista, tentou reforçar os limites que vinham sendo definidos. “Eu falei: Rute, eu vou te ajudar, mas você vai voltar para a casa do seu irmão. Você está muito magra. E vai ser um show por mês. Você aceita? No início não, depois ela aceitou.”

Lamento

Embora aceitasse em alguns momentos, a produtora disse que a cantora sempre acabava voltando para a casa onde queria viver sozinha. “Ela estava dois dias na casa dela, depois voltava para a do irmão. Era assim.” Ciane revelou que, depois do último show que havia sido fechado, em Oeiras do Pará, Ruthetty seria internada. “Eu já tinha combinado com o irmão dela que a gente ia interná-la. A gente tinha plena consciência de que ela precisava. Ela não se alimentava direito, não queria tomar os remédios.”

Ciane disse que tanto a família quanto ela enfrentavam entraves médicos para conseguir uma internação. “A gente estava correndo atrás dessa internação, mas para o hospital aceitar, a pessoa tinha que estar em surto grave. E nem sempre ela estava assim. Às vezes eu colocava ela numa entrevista e ela fazia direitinho. Mas depois ela ficava aérea, falava sozinha. A gente via que não estava bem, não se alimentava.”

Diante das recusas, Ciane decidiu registrar vídeos para comprovar aos médicos a oscilação do quadro da cantora. “Eu pensei com o irmão dela: ‘Eu vou filmar a situação da Ruth’. Tenho as filmagens de como ela se comportava e iria mostrar na consulta. Porque às vezes ela estava ótima e aí o médico dizia que não ia internar. Mas ela estava variando muito.”

A produtora fez uma crítica à forma como os protocolos de internação são aplicados. “Eu acho muito errado isso. Que sirva de exemplo para mudar essas regras. A pessoa não tem que estar só em surto grave para ser internada. Vai esperar a pessoa morrer? Ela não morreu disso, ela foi cometida por um crime. Tenho certeza de que não fez algo contra si mesma. Mas se ela tivesse internada, se a gente tivesse conseguido, talvez ela não estaria morta.”

O velório de Ruthetty reuniu familiares, amigos e fãs e segue sendo marcado por forte comoção. O sepultamento está previsto para sexta-feira (5), em Ananindeua. A morte da cantora é investigada como possível homicídio pela Delegacia de Feminicídio (Defem), que apura se a artista foi vítima de violência antes de ser encontrada morta na quarta (3).