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Casos de stalking sobem 30,8% no Pará

A Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup), de janeiro a outubro de 2024, registrou 2.595 ocorrências, enquanto no mesmo período deste ano foram 3.395

Saul Anjos

O Pará registrou um salto de 30,8% nos casos de perseguição (stalking) no comparativo de janeiro a outubro do ano passado para o atual: foram 2.595 ocorrências em 2024 contra 3.395 em 2025, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Pará (Segup). O crime, tipificado na legislação brasileira como a conduta de perseguir alguém de forma insistente e repetitiva, ameaçando sua integridade física ou psicológica e restringindo sua liberdade, tem se tornado mais complexo com o avanço tecnológico. Especialistas alertam que ferramentas de inteligência artificial podem ampliar a capacidade de vigilância, monitoramento e manipulação de informações pelas mãos de perseguidores.

Ainda conforme a Segup, 83 pessoas foram detidas em 2023 pelo crime de stalking, enquanto no ano seguinte o número de prisões chegou a 46. Neste ano, de janeiro a outubro, a Secretaria contabilizou 36 prisões pelo mesmo motivo. Em 2023 e 2024, no mesmo período, foram 72 e 34 prisões, respectivamente.

Renata Valéria Pinto Cardoso, promotora de justiça e coordenadora do Núcleo Mulher do Ministério Público do Estado do Pará (MPPA), explicou que o crime de stalking, também chamado de perseguição, se caracteriza pela conduta reiterada de perseguir alguém, por qualquer meio, de forma capaz de ameaçar sua integridade física ou psicológica, restringir sua liberdade de locomoção ou perturbar sua esfera de privacidade e autonomia.

Ela disse que a lei não exige contato físico nem violência direta para a configuração do crime; basta que a vítima seja colocada em estado de medo, tensão, vigilância forçada ou mudança de rotina em razão das insistentes investidas do agressor. “Essa perseguição pode ocorrer tanto presencialmente quanto por meios tecnológicos, como ligações constantes, mensagens incessantes, monitoramento em redes sociais e invasões da vida digital”, afirmou.

A promotora comentou que a legislação reconhece que a perseguição não é um ato isolado, mas um padrão contínuo de comportamento que afeta a liberdade da vítima. Se a conduta é praticada contra mulheres por razões de gênero, crianças, adolescentes, idosos, ou quando envolve emprego de arma ou atuação conjunta de mais de uma pessoa, a pena, que inicialmente é de seis meses a dois anos e multa, pode aumentar até a metade.

“Trata-se, portanto, de um crime que tutela a liberdade, a tranquilidade e a segurança pessoal, frequentemente inserido em contextos de violência de gênero, nos quais a perseguição funciona como mecanismo de controle, intimidação e escalada de violência”, contou.

Stalking nas redes sociais

Dentro do ambiente digital, a perseguição se manifesta por um conjunto de ações insistentes e direcionadas que invadem a privacidade, expõem a vítima ou produzem nela medo, ansiedade ou sensação de vigilância constante, prática conhecida como “cyberstalking”. É o que a promotora Renata comentou. Segundo ela, a configuração do delito não depende de ofensas explícitas, mas da repetição de condutas que, somadas, restringem a tranquilidade e a liberdade de agir.

Nas redes sociais, ela citou que isso ocorre quando o agressor monitora de forma contínua a rotina da vítima, por exemplo, “quando acompanha todas as suas publicações, envia mensagens incessantes, mesmo após bloqueios ou pedidos para que cesse o contato, cria perfis falsos para se aproximar, vigiar ou obter informações”. Há também o enquadramento do crime quando o agressor utiliza a plataforma para “difundir boatos, expor dados pessoais, comentar de maneira invasiva ou ameaçadora, ou marcar presença constante nos espaços virtuais que ela frequenta”.

Existe outra prática comum, apontada por Cardoso, que consiste em rastrear locais por meio de “check-ins”, interagir de forma obsessiva com amigos e familiares da vítima ou tentar controlar seus relacionamentos e sua imagem pública.

“São comportamentos que, embora muitas vezes iniciem de forma aparentemente inofensiva, convergem para um padrão persecutório que interfere diretamente na vida cotidiana, desencadeando medo, isolamento, alteração de hábitos e forte abalo emocional. Por isso, quando a perseguição se dá em meios digitais, ela mantém a mesma gravidade jurídica da perseguição presencial, revelando-se uma forma atualizada de violência que exige resposta firme do sistema de justiça”, disse ela.

Padrões na perseguição

Renata relatou que estudos indicam que a perseguição virtual, em muitos casos, não permanece confinada às telas, e sim integra um processo de escalada que pode culminar em violência física e até feminicídio. Ela alertou que a perseguição virtual não deve ser tratada como mera “importunação online”, mas como fase inicial de uma violência.

“(...) Primeiro vêm o monitoramento digital, as mensagens insistentes, a vigilância em redes; depois, a utilização dessas informações para localizar a vítima, aproximar-se de sua residência ou trabalho e, em muitos casos, praticar violências de gênero. (...) Em síntese, há um padrão claramente observado: a perseguição virtual, sobretudo quando associada a relações afetivas e motivada por controle de gênero, tende a se articular com outras formas de violência psicológica, física e sexual, constituindo importante sinal de alerta para o risco de feminicídio e demandando resposta célere das instituições de justiça e de proteção às mulheres”, afirmou.

Grupos vulneráveis

A promotora comentou também que o stalking digital não afeta todos os grupos da mesma forma; existem padrões de vulnerabilidade que se repetem e que estão diretamente ligados a desigualdades de gênero, idade, raça, classe, orientação sexual, exposição social e posição de poder. Adolescentes e jovens também estão entre os grupos mais impactados por esse crime, devido à exposição intensa às redes sociais, especialmente em plataformas de compartilhamento de vídeos curtos, além da ausência de esclarecimentos na avaliação de riscos e à hiperssexualização de meninas na cultura digital, “cria um cenário fértil para a perseguição”. Segundo a promotora, o agressor, em muitos casos, “é um conhecido da escola, da vizinhança ou da própria família, o que agrava o impacto emocional e aumenta a probabilidade de escalada”.

Outro grupo vulnerável apontado por Cardoso é o de pessoas públicas e influenciadores, já que a presença constante em ambientes digitais amplia a exposição e facilita o acesso de perseguidores. 

Em resumo, Renata observou que as mulheres, sobretudo jovens, negras, periféricas e em situação de “ruptura afetiva”, são o grupo mais vulnerável e o mais atingido pelos efeitos psicológicos e pela escalada da violência associada à perseguição. “Esse padrão confirma que o stalking digital, longe de ser uma prática neutra, é profundamente marcado pelas desigualdades de gênero e pelos mecanismos históricos de controle sobre os corpos, a liberdade e a autonomia das mulheres”, avaliou.

Demora em perceber o stalking

Para Renata, as vítimas costumam demorar a reconhecer que estão sendo perseguidas. Isso porque, de acordo com ela, o stalking não começa de forma explícita ou abrupta, ele se instala de maneira gradual, disfarçado "de interesse, cuidado, insistências ‘inofensivas’ ou comportamentos que a sociedade ainda naturaliza, como ciúme e vigilância masculina”. Por isso, ela afirmou que essa normalização cultural contribui para que muitas mulheres só identifiquem o stalking quando o padrão já está consolidado e seus efeitos psicológicos são evidentes.

Esse atraso em assimilar os traços do stalking também está ligado a fatores emocionais e estruturais. “A dificuldade de romper ciclos de controle, o medo de represálias, a minimização social da violência psicológica e a constante responsabilização feminina, que muitas vezes faz a vítima duvidar de sua própria percepção. Em especial quando há vínculos afetivos anteriores, a perseguição tende a ser interpretada, no início, como tentativa de reconciliação ou como manifestação de ‘ciúme’, o que atrasa o reconhecimento do risco real”, afirmou.

Mas existem indícios que ela elencou e que podem indicar o padrão persecutório e evitar que o stalking evolua para formas mais graves de agressão, e são: a presença constante do agressor nos mesmos ambientes físicos ou digitais; o recebimento recorrente de mensagens, comentários ou contatos indiretos, mesmo após bloqueios; a obtenção de informações pessoais sem consentimento; o interesse excessivo pela rotina, amizades ou deslocamentos; a criação de perfis falsos para monitoramento; e a sensação persistente de estar sendo observada. Outro sinal importante comentado pela promotora é a mudança involuntária de hábitos, como evitar sair sozinha, alterar rotas, restringir publicações nas redes, provocada por medo ou desconforto gerado pelas atitudes do agressor.

Provas importantes

A comprovação do crime de stalking depende, especialmente, da captação do padrão de perseguição. Registros digitais como capturas de tela de mensagens insistentes, comentários reiterados, tentativas de contato após bloqueios, criação de perfis falsos, solicitações de amizade sucessivas, menções indiretas que demonstram vigilância, histórico de chamadas e conversas por aplicativos são elementos probatórios mais relevantes nos registros digitais, assim como os prints de perfis e publicações que indiquem exposição indevida ou até o monitoramento da rotina da vítima, datas, horários, registros de bloqueio e novas tentativas posteriores.

“A coleta de e-mails, mensagens arquivadas, registros de IP, quando possível, e o relato de testemunhas que observam a insistência online também contribuem para a reconstrução do cenário persecutório. Em situações em que a perseguição digital transborda para o ambiente físico, fotos de aparições inesperadas, relatos de familiares e registros de câmeras podem complementar a cadeia probatória”, assegurou.

O trabalho do Ministério Público

Renata Cardoso disse que o MPPA desenvolve uma atuação articulada, institucional e proativa no enfrentamento ao stalking. Ela explicou que, por meio do Núcleo de Proteção à Mulher (Núcleo Mulher), o combate a esse crime vinculado à violência de gênero é visualizado na missão de capacitar membros do Ministério, servidores públicos e a sociedade civil para identificar, prevenir e agir em casos de stalking. “Isso inclui a oferta de formações, workshops, diretrizes de atuação, bem como a mobilização da rede de proteção para assegurar que essas condutas sejam reconhecidas como expressões de violência de gênero e que merecem resposta institucional coordenada e imediata”, afirmou.

Além disso, o MPPA dispõe da Ouvidoria das Mulheres, canal de acolhimento para denúncias, relatos e encaminhamentos de situações de violência contra mulheres, o que inclui perseguição digital e presencial. “A ouvidoria faz a ponte entre a vítima e as promotorias que atuam em temas de violência doméstica, familiar e de gênero. As promotorias especializadas, dentro da estrutura ministerial, têm competência para investigar esses casos, propor medidas protetivas, atuar junto ao Judiciário e articular com parceiros das redes de atendimento”, informou.

Também há projetos como o Conexões para a Equidade de Gênero, em que se aborda a sensibilização de comunidades, mobilização institucional e ação resolutiva contra crimes de gênero, como o stalking.

Ampliação nas redes sociais

Allan Costa, professor universitário de segurança cibernética, disse que o ambiente digital aumentou significativamente a capacidade de vigiar e perseguir alguém sem contato físico. “Antes, o perseguidor precisava estar próximo da vítima; hoje, com redes sociais, mensageiros e geolocalização, ele consegue acompanhar rotina, círculos de amizade, deslocamentos e hábitos em tempo real”, afirmou.

Para Costa, o agressor consegue monitorar múltiplas vítimas com uma maior facilidade e em grande escala, criando perfis falsos, automatizando contatos, registrando prints e vídeos. E, segundo ele, a exposição excessiva da vida privada cria um “mapa comportamental” perfeito para o stalker.

Outra falha grave que é comumente cometida nas redes sociais e que é dita por Allan é relacionada aos perfis públicos, nos quais qualquer pessoa consegue ver fotos, stories, lista de amigos, comentários e locais marcados, o que facilita o trabalho de quem quer monitorar ou perseguir alguém. A utilização da mesma senha em diferentes serviços ou compartilhamento dela com parceiros ou familiares pode ser perigosa, podendo abrir porta para invasões em cadeia.

“A instalação de aplicativos de procedência duvidosa também cria brechas sérias. Alguns desses apps funcionam, na prática, como ‘stalkerware’: monitoram localização, mensagens, ligações e outras atividades do dispositivo sem que a vítima perceba. Por fim, há o hábito de não revisar dispositivos conectados. Muitas pessoas mantêm contas logadas em celulares, notebooks ou navegadores de terceiros, como um ex-parceiro que ficou com a senha, permitindo que o acesso continue mesmo depois do fim da relação ou da perda de confiança”, destacou.

Sinais de monitoramento

Quando uma pessoa “sabe demais”, comenta lugares em que a vítima esteve ou conversas que ela teve em privado, é preciso ter cuidado com esse tipo de comportamento. “Outro indicativo são mensagens e contatos em horários e contextos muito específicos, quando a pessoa liga ‘coincidentemente’ sempre que a vítima chega em casa, no trabalho ou em um local recorrente, demonstrando conhecimento em tempo real da rotina”, contou.

“Também chamam atenção comportamentos estranhos do dispositivo, como aquecimento fora do normal, consumo de bateria exagerado, aplicativos que aparecem instalados sem lembrança de instalação ou permissões de acessibilidade ativadas sem explicação. Sessões ativas desconhecidas em contas de e-mail, redes sociais ou mensageiros, com logins em dispositivos e locais que a vítima não reconhece, são outro sinal importante. Da mesma forma, alterações em configurações de privacidade sem consentimento, como localização sempre ativada, backups em nuvem vinculados a contas que não são da vítima ou redirecionamento de e-mails e SMS, podem indicar que alguém está manipulando o ambiente digital dela”, complementou.

Dicas de segurança digital

- Ativar a autenticação em duas etapas em e-mails, redes sociais, bancos;

- Usar senhas fortes e diferentes para cada serviço;

- Evitar publicar localização em tempo real nas redes sociais;

- Manter o perfil pessoal fechado e aceitar apenas pessoas conhecidas;

- Optar que as marcações em fotos nas redes sociais sejam aprovadas manualmente antes que apareçam no perfil;

- Restringir mensagens diretas (DMs).