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Uso de arma por agentes de segurança têm limites e consequências

Transgressões acarretam penalidades mesmo em casos de armas particulares

Camila Guimarães

A morte do campeão mundial de jiu-jítsu, Leandro Lo, baleado por um policial militar dentro de uma casa noturna, em São Paulo, no último domingo (7), acendeu questionamentos sobre os limites do uso de armas de fogo por agentes de segurança pública. No mesmo dia, no Pará, um policial penal atirou contra um policial militar, em Marabá, sudeste do Estado, após um desentendimento no trânsito. Condutas como essas são consideradas crimes e passíveis de penalidades aplicadas por órgãos reguladores.

De acordo com a Lei Federal nº 10.826/2003, que regulamenta porte e posse de arma no Brasil, o porte de arma de fogo é permitido a agentes de segurança pública (com condições específicas às guardas municipais) em todo o território nacional, visando a segurança do agente e dos demais cidadãos, estando o servidor em serviço ou não. Entretanto, esse uso deve seguir alguns critérios, explica o delegado da Polícia Federal, Alain Wuerges Pagel:

“Existem limites que são disciplinados por cada órgão de segurança, seja civil, estatal, federal ou militar. Cada órgão possui um normativo próprio que é observado por corregedoria própria, para garantir que o integrante da força de segurança não extrapole os limites impostos ao uso da arma de fogo”.

O delegado explica que o agente de segurança pode fazer uso da arma para defesa pública, em primeiro lugar e, em seguida, para defesa pessoal contra um mal injusto. Entretanto, essa permissividade não é irrestrita:

O seu uso para outros fins, como uma ameaça a terceiros, a resolução de um problema pessoal não ligado ao seu trabalho, acarreta uma transgressão disciplinar, que deve ser punida pela Corregedoria do órgão ao qual o agente está ligado”.

A transgressão disciplinar, conforme enfatiza o delegado, é cabível mesmo em casos em que o agente de segurança utilize uma arma própria, ou seja, sem ser a arma concedida em função do cargo que possui. Porém, no caso de atividade irregular com arma própria, cabe à Polícia Federal entrar com procedimento:

“Em caso de porte funcional, quem determina a cassação é o próprio órgão funcional, mas quanto à arma pessoal, compete à Polícia Federal abrir um procedimento para averiguar o uso dessa arma e, após garantida a ampla defesa ao agente de segurança, decidir pela suspensão ou cassação do registro da sua arma de fogo particular”, detalha.


Crimes são investigados por Divisão da Polícia Civil 

Em casos em que o agente de segurança pública transgride as normas de uso do armamento, ele fica sujeito à apuração e, se for o caso, à penalização do órgão ao qual está ligado. Entretanto, quando a transgressão configura algum crime, previsto em lei, a apuração passa para a Divisão de Crimes Funcionais da Polícia Civil (PC) do Pará, conforme explica o delegado assistente da Corregedoria Geral da PC, Geraldo Pimenta:

“No âmbito da Polícia Civil, na Corregedoria Geral, nós nos incubimos de apurar transgressões disciplinares imputadas a qualquer servidor da Polícia Civil e também de apurar crimes praticados por todos os servidores do Sistema de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Sieds), sejam eles da Polícia Militar, Penal, Científica ou do Departamento de Trânsito do Pará. A apuração criminal passa por aqui”.

O delegado esclarece que esta Divisão favorece a integridade das apurações, uma vez que impede que o suspeito exerça algum tipo de influência sobre o processo se ele transcorresse em seu órgão de origem:

“Vamos tomar como base um delegado que pratique um crime. Se ele tivesse sua conduta apurada pela delegacia do bairro, talvez ele pudesse exercer algum tipo de influência ou pressão, de modo que o procedimento não corresse da forma que deveria. Então a Corregedoria assume para si essa questão para que a outra parte não fique prejudicada”, explica.

A única exceção diz respeito aos crimes militares, ressalva o delegado: “A legislação sofreu uma alteração relativamente recente e todos os crimes praticados por policiais militares, no exercício da sua função, passam a ser crimes militares. Estes são apurados pela corregedoria da PM e julgados pela Justiça Militar do Estado”.

Critérios da Legítima Defesa

O delegado Geraldo Pimenta diz, ainda, que nem todas as situações em que armas são utilizadas por agentes de segurança pública fora de serviço podem ser, a princípio, consideradas legítima defesa sem uma investigação apurada. Para serem tomadas como tal, é necessário levar em conta dois grandes critérios:

“Só é crime o que a lei considera como tal. Matar alguém, por exemplo, é crime. Mas para isso, a conduta precisa ser típica, ou seja, prevista no Código Penal, e ser culpável. Quando um servidor mata um assaltante que tentou lhe tirar a vida, durante uma tentativa de roubo, por exemplo, esse servidor não comete um crime. Embora ele tenha preenchido o requisito da tipicidade, ele não foi antijurídico. Então uma legítima defesa exclui a juridicidade de uma conduta que é tipificada”, explica.


Ambientes públicos e privados podem ter restrição

O promotor militar Armando Brasil, da Promotoria de Justiça Militar do Pará, esclarece que, apesar de o porte de arma, fora de serviço, ser permitido a agentes de segurança pública, esse direito se limita às regras normativas de espaços públicos ou privados, que podem determinar a liberação ou a restrição do porte de arma dentro desses ambientes.

Sobre o caso que resultou na morte do campeão de jiu-jítsu, Leandro Lo, Armando Brasil exemplifica que, se houvesse alguma proibição explícita ao porte de arma de fogo dentro da casa noturna onde tudo aconteceu, o policial militar que realizou o disparo não poderia ter entrado no local com seu armamento: “Nesse caso, deve prevalecer a lei domiciliar, desde que ele ofereça um local para o policial armazenar a arma, em segurança”, informa o promotor.

Segundo Armando, no Pará, o porte ilegal de arma de fogo por agentes de segurança é uma das infrações mais comuns envolvendo armamento. Além disso, ele também enfatiza que portar arma de fogo e ingerir bebida alcoólica é crime: "Mesmo que haja uma autorização para o servidor andar armado naquele local, em hipótese alguma ele pode ingerir álcool e estar de posse do armamento ao mesmo tempo”.

Pará