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Tráfico humano: investigações diminuíram 25% no Brasil; Pará possui apenas um caso em análise

Na região amazônica, a exploração sexual é a principal finalidade para o crime e o perfil das vítimas dos aliciadores tem gênero e cor – cerca de 60% são meninas e mulheres negras, diz promotora

Camila Azevedo

A exploração sexual é a principal finalidade do tráfico humano realizado na região amazônica. Meninas e mulheres negras são as vítimas mais comuns deste tipo de crime. No Pará, atualmente, apenas uma investigação está em curso pela Polícia Federal (PF). No ano passado eram três. Já no Brasil, a corporação registrou uma queda de 25% no número de apurações sobre a transgressão entre janeiro e outubro de 2021 e 2022: eram 205 ocorrências frente as 152 que seguem em análise. Recentemente, o assunto ganhou notoriedade após suspeitas de a ex-modelo paraense Kat Torres, que está presa, levar duas jovens de forma ilegal para trabalhar nos Estados Unidos.


O tráfico de pessoas é caracterizado pela prática de agenciar, aliciar, recrutar, transportar, transferir, comprar, alojar ou acolher pessoas, mediante grave ameaça, violência, coação, fraude ou abuso. Conforme o artigo 149 A do Código Penal define, a finalidade tem que envolver a remoção dos órgãos, tecidos ou outras partes do corpo; trabalho análogo a escravidão; qualquer tipo de servidão; adoção ilegal ou; exploração sexual - esta, responsável por 85% do dinheiro movimentado no crime, de um total de 32 bilhões de dólares que são adquiridos anualmente no mundo. O número é da Organização das Nações Unidas (ONU).

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Na Amazônia, tanto a fiscalização quanto a conscientização são consideradas um desafio. Herena Melo, promotora de Justiça e representante do Ministério Público do Pará (MPPA) na Comissão de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo Contemporâneo, explica que, além das dificuldades para acessar as zonas em que os casos ocorrem, há, ainda, o agravante da falta de informação. “Aqui, o tráfico humano é realizado, em sua grande maioria, para fins de exploração sexual. Mais ou menos 60% são mulheres ou meninas e, geralmente, negras. Além do acesso físico, tem a falta de conhecimento para que a pessoa não se torne uma pessoa traficada”, ressalta.

A vasta extensão territorial da Amazônia, com longas horas de viagem para encontrar um destino, são fatores que colaboram para o cenário. Junto a isso, o déficit informativo alcança, também, uma parcela dos servidores que precisam lidar diariamente com essa realidade. O cenário fica propício para o aumento das subnotificações. “Isso precisa ser ensinado para o próprio sistema de justiça. Os servidores precisam reconhecer que aquela pessoa é vítima. A população chega e sabe que alguma coisa está errada, que ela está sendo explorada, mas quem está realizando o atendimento não sabe sequer o tipo de acolhimento que tem que fazer”, afirma Herena.

Tráfico de pessoas é porta de entrada para diversos outros crimes

O tráfico humano pode ser divido em dois: interestadual - ou interno - e internacional. A exploração da pessoa com o objetivo de alimentar uma cadeia econômica ilegal é o início de uma questão igualmente profunda: a privação dos direitos humanos por meio de uma série de fatores. “O tráfico é como se fosse um guarda-chuva. Dentro do estado brasileiro, quando as pessoas são traficadas, ela vão para um trabalho escravo e, aí, nisso, existem as jornadas exaustivas de trabalho na pecuária, escravidão por dívidas, que se chamava aviamento, e todo e qualquer trabalho degradante, sem água potável ou comida. Ao meu ver, é a pior forma de violar os direitos”, destaca a promotora.

A confusão entre as modalidades é o que tem impedido a identificação correta do crime. Dentro do sistema judiciário, a ocorrência pode ser registrada como situação análoga a escravidão, não havendo a investigação de tráfico humano. “A gente tem que divulgar para que as denúncias cheguem até a gente. Tem pouquíssimas com os promotores. Eu acho que o ponto inicial do nosso trabalho de repressão é a denúncia de que o tráfico não é algo incomum, que há o deslocamento dentro do território nacional, que essas pessoas são invisibilizadas de falar com suas famílias. Porque tem tudo isso, de não entrar em contato, da proibição, coerção, vigilância ostensiva”, pondera Herena.

Falta de políticas públicas e vulnerabilidade social são agravantes

A busca por uma melhora de vida pode ser a chave para atrair aliciadores com promessas e possibilidades que vão desde matrimônio forçado, vida nova em outro país e ajuda para realizar cirurgias de transformação de gênero. “O tráfico pode ocorrer mediante uma violência física, uma coerção, de fato, violência psicológica ou fraude, aquela forma que você alicia, engana, através de uma promessa de melhora de vida. A pessoa não sabe o que vai enfrentar. Mas existe também o casamento forçado de meninas que são levadas e não sabem que vão ser submetidas tanto a abusos sexuais quanto a trabalhos domésticos. E, a outra possibilidade é a questão da remoção de órgãos. Nada é fora de uma cadeia econômica, é a do ser humano para fins de alimentar uma cadeia econômica ilegal”, finaliza a promotora.

Caso Kat Torres

A paraense de 30 anos é ex-modelo, tendo marcas como Victoria’s Secret e L’oreal no currículo. Desde o afastamento dos holofotes por motivos pessoais, ela tem ganhado a vida atuando como coach e influenciadora digital nos Estados Unidos - onde mora com o marido. Em outubro deste ano, Kat começou a ser investigada com a suspeita de tráfico humano após a família de duas jovens que foram, em tese, trabalhar com ela, alegar a acusação e afirmar o aliciamento. As moças foram identificadas como Letícia Maia Alvarenga, de 21 anos, e Desirrê Freitas. Elas tinham sido dadas como desaparecidas pela falta de contato com os entes que ficaram no Brasil.

Para os pais, Letícia disse que ia para o país trabalhar como au pair, um tipo de intercâmbio de moradia para cuidar de crianças em casas de famílias. Mas fotos de ambas as moças foram encontradas em sites de prostituição americanos, atividade ilegal no país. Atualmente, Kat Torres está presa em uma penitenciária em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. No Brasil, o pedido foi expedido pela 5ª Vara Federal Criminal de São Paulo, após ser acusada de expor pessoas a condições análogas à escravidão.

Au pair é alternativa para trabalho legalizado

A modalidade envolve o cuidado com os filhos de uma família que mora no destino escolhido - lá, a pessoa mora com a família anfitriã (host family, no inglês) e tem direito a alojamento, alimentação e salário. Entre os países mais procurados para o serviço, estão: Estados Unidos, Alemanha, Bélgica, Canadá, França e Holanda.

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