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Teoria do Elo: violência contra animais e contra mulheres estão mais relacionadas do que se imagina

Belém poderá ter o primeiro projeto de cruzamento de dados entre delegacias especializadas para investigar o crime duplo

Camila Guimarães / Especial para O Liberal

Quando os animais sofrem violência em casa, as mulheres estão em risco. Quando as mulheres são agredidas em casa, quem pode estar em risco são os animais. Essa inter-relação é apontada pela Teoria do Elo, uma série de estudos, ainda recentes no Brasil, que comprovam que o homem que pratica maus-tratos contra os animais tem mais chances de praticar violência doméstica contra a mulher (também crianças e idosos) e vice-versa.

A Teoria do Elo foi tema do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) da aluna da Universidade Federal Rural do Pará (Ufra), Annanda Pereira, estudante de medicina veterinária. Ela conta que começou a se interessar pelo tema ao perceber muitos casos de abandono de animais em situação de maus tratos na Universidade.

Ao se aprofundar na teoria, Annanda percebeu que o assunto ainda é pouco explorado, mas pode ser muito útil para a segurança pública na capital. Ela afirma que entrevistou mulheres vítimas de violência e constatou a Teoria do Elo na prática: “algumas mulheres demoram a tomar uma atitude e sair de casa por medo de deixar os animais para trás, outras relatam que o homem agredia os animais para mostrar o que eles poderiam fazer com elas, como se fosse uma ameaça”, relata.

Apesar  da constatação, Annanda conta que teve dificuldade de desenvolver sua pesquisa porque não há, em Belém, um banco de dados que cruze informações sobre os dois tipos de violência. Por isso, ela recorreu, de maneira separada, às duas principais delegacias responsáveis: a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam) e a Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal (Demapa).

O que os dados do levantamento apontam é, principalmente, o modo como a pandemia agravou ambos os tipos de violência, mas Annanda ressalta que também houve grande subnotificação no período: em 2020, teriam sido registrados, em média, 6 boletins de ocorrência por mês sobre maus-tratos de animais no estado do Pará. Em 2021, a média só entre janeiro e março foi de 13 registros por mês. Já os registros de violência contra a mulher teriam aumentado em 12% de 2020 para 2021.

“Os números são muito abaixo do que de fato acontece, assim como a violência doméstica ainda é muito mais notificada que os maus-tratos aos animais”, afirma a pesquisadora. Por essa razão, Annanda acredita que a pesquisa desenvolvida aqui na capital pode ajudar as autoridades em segurança a proporem políticas que conectem os dois tipos de denúncias. “É importante que o governo faça essa ligação entre as delegacias especializadas e comecem a investigar de modo interligado”, afirma Annanda.

Teoria do Elo é pouco conhecida na Delegacia da Mulher, mas na Divisão de Meio Ambiente já existem estudos iniciais sobre o assunto

A delegada Ana Paula Chaves, da Deam, contou que ainda não tinha conhecimento dessa teoria, mas que julgou interessante a relação proposta na pesquisa. "Tudo que pode ajudar a fazer justiça é bem-vindo", garante. Ela explica, ainda, que, no seu dia a dia, ainda não conheceu vítimas de violência que relatassem também a violência sofrida por seus pets:

"Na minha experiência, não é comum as mulheres contarem que seus animais também sofrem violência, quando elas chegam relatando a violência que elas mesmas sofreram. A menos que elas mencionem, não é comum perguntar sobre isso", diz Ana Paula.

Contudo, ela explica ainda que, ao chegar à delegacia especializada, a mulher tem a oportunidade de preencher um formulário de risco, documento no qual são coletadas informações específicas sobre o agressor para saber se ele também é violento com parentes, filhos ou animais. Mas a delegada ressalta que nunca atendeu um caso em que a mulher marcou essa opção no formulário.

"Porém, é claro que, se a mulher mencionar durante o relato dela, que em casa o seu animal também sofre maus-tratos, a gente repassa a denúncia para a delegacia especializada. Nesse sentido, esse cruzamento de informações é possível, sim", garante a delegada.

Entretanto, essa cooperação entre os dois serviços especializados pode estar mais próxima do que se imagina. O delegado da Demapa, Waldir Freire, conta que já existe um projeto que tem em vista a Teoria do Elo, surgido também a partir de estudo iniciado na Ufra, dessa vez, com autoria da graduanda em medicina veterinária Suellen Paedauil.

Estagiária na Demapa, Suellen tem aproximado sua pesquisa do dia a dia da delegacia especializada e comenta em que fase está o estudo: "Até o momento contamos com resultados preliminares. Estamos coletando os dados do sistema de procedimentos policiais, correlacionando com os maus-tratos aos animais, com a situação socioeconômica das vítimas e com dados referentes às demais delegacias especializadas”, explica.

Para ela, a criação desse banco de dados vai ser fundamental e inovador para a região Norte: “A partir desse cruzamento a polícia terá maior previsibilidade diante dos casos que envolvam violência dessa categoria. Todas as esferas ganharão com essa pesquisa, a população, principalmente”, afirma.

O delegado explica que, no contexto da Divisão Especializada em Meio Ambiente e Proteção Animal, a Teoria do Elo não é estranha, mas admite que estão nos passos iniciais para unir esforços com a delegacia da mulher e fazer o cruzamento de dados de forma objetiva. "Estamos iniciando um trabalho que faça esse paralelo, para se comunicar com a Deam e começar a fazer esse link, para ver se as pessoas que praticam maus tratos agora estão praticando crimes contra a mulher também", conta o delegado.

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Denúncias podem e devem ser feitas para combater a violência contra a mulher e os animais

Enquanto o trabalho conjunto não se estabelece, as denúncias de violência doméstica e maus-tratos contra animais podem ser feitas em suas respectivas delegacias: no caso dos animais, é possível ligar para o número 181, que funciona 24 horas por dia, ou pelo telefone da Demapa (91) 3238.1225, em horário comercial.

Já as denúncias de violência doméstica devem ser encaminhadas à Central de Atendimento à Mulher, pelo número 180, que funciona 24h por dia. A mulher tem direito à escuta e acolhida qualificada, registro e encaminhamento de denúncias aos órgãos competentes, bem como acesso a informações sobre os seus direitos: locais de atendimento mais próximos e apropriados para cada caso, como a Casa da Mulher Brasileira, Centros de Referências, Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam), Defensorias Públicas, Núcleos Integrados de Atendimento às Mulheres, entre outros.

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