Pesquisa científica na Amazônia pede socorro: MPEG precisa de R$ 30 milhões de orçamento

Cisam reúne pesquisadores de 13 universidades federais na região e quer viabilizar avanço de pesquisas em sociobiodiversidade

Eduardo Rocha

Instituições de pesquisa na Amazônia encontram-se no limite de recursos financeiros para se manter e viabilizar pesquisas científicas na região, a ponto de uma delas e das mais antigas do Brasil, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), necessitar de um orçamento, no mínimo, de cerca de R$ 30 milhões para manutenção e avançar em pesquisas sobre a região. Essa situação reforça a necessidade de maior atenção por parte do Governo Federal e Congresso Nacional para com a Região Amazônica, conforme o alerta de um grupo de pesquisadores autores do estudo "Brazilian public funding for biodiversity research in the Amazon (Financiamento público brasileiro para pesquisa de biodiversidade na Amazônia)", publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation. E isso em pleno período de preparação do país para receber a Conferência Mundial do Clima, da ONU, a COP 30, a ser realizada em Belém, em novembro de 2025.

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O trabalho analisou investimentos em pesquisa das principais fontes de recursos nacionais entre 2016 e 2022 e identificou que instituições amazônicas receberam aproximadamente 10% de todo o orçamento federal disponibilizado para subsidiar projetos de pesquisa na área e cerca de 23% dos recursos destinados a apoiar estudos ecológicos de longa duração, entre outros aspectos preocupantes.

Por meio do estudo, foi verificado, entre outros aspectos, que as regiões Sul e Sudeste concentraram juntas 50% desses recursos disponibilizados no período - o Sudeste recebeu cerca de R$ 9 por quilômetro quadrado (km²) para essas pesquisas em biodiversidade pelo edital Universal e a região Norte ficou com  apenas US$ 0,13; somente 12% dos pesquisadores trabalhando em biodiversidade no país estão na Amazônia. A partir desse trabalho, os cientistas recomendam a descentralização de recursos e criação de fundo federal exclusivo para pesquisas em biodiversidade na Amazônia. Foram analisados os dois principais editais de recursos federais para pesquisa no Brasil: o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (Peld) e o edital Universal, ambos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e a maior agência federal de capacitação de recursos humanos, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O estudo é resultado de uma grande rede de pesquisa consolidada no âmbito do projeto Synergize, que faz parte do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose/CNPq), reúne pesquisadores de 12 instituições nacionais e internacionais e é coordenado pela Embrapa e pela Universidade de Bristol, no Reino Unido.

Dinâmica

Joice Ferreira, bióloga, doutora em Ecologia e pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), é co-autora e coordenadora da pesquisa. Ela informa que na dinâmica das verbas para a pesquisa da biodiversidade o edital é disponibilizado para pesquisadores do Brasil inteiro.

image Joice Ferreira, da Embrapa, defende um fundo específico de recursos financeiros para pesquisas na Amazônia (Foto: Ronaldo Rosa / Ascom Embrapa)

"O que vem ocorrendo nos últimos anos é que tem cláusulas no edital que, por exemplo, disponibiliza, vamos supor, 20% do recurso ou 30% do recurso vai ser destinado à Amazônia. Já aconteceu isso em alguns editais, mas, em geral, você tem um montante de recursos e, exceto no caso dessas regras específicas que variam de edital para edital, não existe divisão por região. Em geral, os pesquisadores do país inteiro concorrem, e essa concorrência é avaliada pelo currículo dos pesquisadores. Então, os pesquisadores que têm mais produção científica, que têm mais artigos científicos, publicam mais, têm mais alunos, esses pesquisadores vão ter mais vantagem. Então, geralmente é avaliada a proposta, a qualidade científica da proposta, a pergunta de pesquisa, o método, qual a relevância daquele projeto e o currículo do pesquisador. Quanto melhor, quanto mais trabalho tiver publicado, quanto mais alunos esse pesquisador orienta, quanto mais produção científica, maiores são as chances, ele vai ter uma pontuação maior. Em geral, não tem essa cota por região, salvo essas cláusulas em alguns editais", pontua Joice.

A pesquisadora pontua que, no agrupamento de estados por macrorregião, no caso de bolsas em biodiversidade, o Pará teve 255 bolsas em 2022, ao passo que São Paulo recebeu 642 bolsas e o Rio de Janeiro, 440 bolsas, demonstrando a diferença entre as macrorregiões do país. O diminuto percentual de pesquisadores em biodiversidade na Amazônia  reflete, como assinala Joice, o fato de que a pós-graduação começou muito depois na região, e  como são poucos os centros de pesquisa no interior, com estrutura,  nos estados amazônicos, daí a concentração das bolsas em Manaus (AM) e Belém.

Desafios e avanços

O Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), com quase 158 anos de história, tem um orçamento em 2024, somente para manutenção (despesas fixas), na ordem de R$ 16 milhões, quando, na verdade, para poder também viabilizar e impulsionar pesquisas na Amazônia, em especial sobre a biodiversidade, precisaria, no mínimo, de cerca de R$ 30 milhões/ano, como recursos próprios, quase o dobro do montante hoje disponível, como destaca o diretor do MPEG, Nilson Gabas Júnior. "Nós precisamos levar a Amazônia a sério!", enfatiza.

image Nilson Gabas Júnior: Amazônia precisa ser levada a sério (Foto: Janine Valente / Ascom MPEG)

Como repassa Gabas Júnior, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) já fez dotação orçamentária de R$ 11 milhões para reforma do prédio-sede da Rocinha, no Parque Zoobotânico do MPEG. O MCTI usará o Goeldi como sede dele durante a COP30. Com recursos próprios, o Museu construirá um centro de convenções no campus de pesquisa. No entanto, os desafios ainda são grandes para a instituição com sede em Belém (PA).

O diretor do MPEG relata ter contatado os parlamentares da Bancada do Pará no Congresso Nacional e conseguiu uma dotação orçamentária de R$ 20 milhões (em infraestrutura). Com esses recursos, a casa onde morou Emílio Goeldi (no parque zoobotânico), seria reformada e para funcionar com espaço de mostras, inclusive, de ações de tecnologia social, num investimento de  cerca de R$ 6 milhões. É intenção do MPEG aperfeiçoar os recintos dos animais, o setor de quarentena no parque zoobotânico em Belém, incluindo o auditório como um minicentro de convenções, bem como impulsionar ações de tecnologia social e extensão científica.

No entanto, na definição orçamentária em 2024, em Brasília (DF), os R$ 20 milhões foram cortados. "Eu vou reiniciar o movimento junto aos parlamentares que esse montante entre em uma rubrica específica. Espero recuperar pelo menos metade dos R$ 20 milhões, como ajuda importante para preparar o Museu Goeldi para a COP30", destaca Gabas Júnior. Ele ressalta que foi criada uma subsecretaria específica de C&T para a Amazônia, na atual gestão do MCTI.

Mais pesquisadores

Acerca da falta de recursos para pesquisa na Amazônia, o diretor do MPEG afirma: "É um problema histórico, não ter o bioma reconhecido a partir da sua importância ecológica. Nós precisamos ter um programa de estado para a Amazônia, de recursos, de forma perene". Como um passo para reverter esse contexto, o MCTI anunciou recentemente o repasse de R$ 500 milhões como parte de um programa para a Amazônia.

Contudo, Gabas Júnior defende mais instituições de pesquisa na Amazônia - são três institutos de pesquisa do MCTI na região: o MPEG, o INPA e o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Gabas espera que a maioria dos mais de 100 institutos federais a serem criados pelo Governo Federal. Um dos focos de estudo seria das águas na foz do Rio Amazonas no oceano, para pesquisas nos ecossistemas da área. O MPEG pretende realizar, em breve, um concurso público, após 11 anos, para suprir suas necessidades de pessoal.

Marlúcia Martins, pesquisadora e vice-coordenadora de Pesquisa e Pós-Graduação do MPEG, destaca que conservação e aproveitamento adequado da biodiversidade exige permanência do fluxo de recursos financeiros. O Programa de Pesquisas em Biodiversidade (PPBio), iniciado em 2004, precisa ser reestruturado para internalizar novamente a distribuição de recursos na região. Marlúcia informa que, entre os principais projetos do MPEG na biodiversidade, figuram os PELDs, Programa Genoma, o PPBio e outros editais, além de parcerias estaduais, nacionais e internacionais, relacionados à flora e fauna da região que têm garantido a sobrevivência dos trabalhos.

Ima Vieira, pesquisadora e ex-diretora do MPEG e co-autora do estudo sobre o orçamento para biodiversidade, afirma que pela primeira vez foi quantificado o subfinanciamento das pesquisas em biodiversidade na Amazônia, que gera "baixo conhecimento, desagregação dos grupos de pesquisa, compromete a viabilidade da bioeconomia. "Falta financiamento de grande porte e de forma constante, um fundo de pesquisa para a Amazônia", enfatiza.

Sociobiodiversidade

O biólogo Leandro Juen, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA) e co-autor do estudo, informa que a instituição, além de projetos, tem duas redes de estudos em biodiversidade: o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) “Sínteses da Biodiversidade Amazônica” (SinBiAm) com ações relacionadas à biodiversidade florestal e aquática amazônica, e reúne 32 instituições; e o Centro Integrado da Sociobiodiversidade da Amazônia (Cisam), para fortalecer as parcerias de pesquisas, ensino e extensão das Instituições de Pesquisa e Ensino Superior amazônicas. O Cisam engloba as 13 Universidades Federais (UFs) da Amazônia, correspondendo a mais de 13 mil professores e 203 mil estudantes de 840 Cursos de Graduação e 323 pós-graduações.

image Leandro Juen: união de esforços em prol da pesquisa na Amazônia por meio do Cisam (Foto: Divulgação)

"A falta de recursos apontada no estudo envolve até mesmo a compra de material de consumo que serve para funcionamento das atividades básicas no laboratório, como a compra de insumos (água, formol, etc), manutenção de equipamentos e bolsas de estudos para os estudantes. Além disso, há o problema de deslocamento para pesquisas. A falta de recursos e de acessibilidade causa um ciclo vicioso e perverso, principalmente nos interiores dos estados, o que limita nossa compreensão dos desafios socioambientais amazônicos. Menos investimentos em pesquisa limitam a disponibilidade de equipamentos e bolsas de estudos, bem como a fixação de cientistas, resultando em uma menor produção científica; consequentemente, a capacidade de competir por futuros financiamentos se torna extremamente limitada, diminuindo ainda mais os investimentos em pesquisa nas instituições isoladas", assinala o pesquisador.

Daí, ter sido construído ao longo de 2023 o Cisam liderado pela UFPA e coordenado por Leandro Juen. "Em um cenário de recursos escassos sempre uma boa alternativa é unir forças, para isso o Cisam visa somar esforços para lutar por melhores condições e oportunidades, partilhando sempre os benefícios alcançados, bem como compartilhar estruturas e equipamentos", reitera o professor.  Esse pesquisador nota uma melhora no repasse de recursos em 2023. "Um fato muito positivo foi o aumento do valor das bolsas de iniciação científica, mestrado e de doutorado que depois de 10 anos sem reajustes, tiveram um aumento, motivando o envolvimento dos alunos no desenvolvimento de suas pesquisas", completa.

Enfrentamento

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) informa que possui um conjunto de iniciativas para estruturar a capacidade científica e tecnológica, ampliar a formação de pesquisadores e promover o desenvolvimento sustentável da região amazônica. "A estratégia para a Amazônia deve incluir a geração de conhecimento e a definição de ferramentas para a difusão de tecnologias para o setor produtivo e para a sociedade, fortalecendo a base científica para alcançar uma verdadeira estrutura produtiva regional", entende o MCTI. Em agosto, o ministério anunciou um volume recorde de investimento em CT&I na Amazônia, voltados a consolidar a infraestrutura de pesquisa; aperfeiçoar os sistemas de monitoramento da Amazônia e apoiar a inovação e o desenvolvimento de cadeias produtivas, no valor de R$ 3,4 bilhões até 2026.

O ministério tem empreendido iniciativas para a retomada dos investimentos e valorização da ciência, onde se incluem a recomposição integral do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), reajuste de bolsas de pesquisa e os editais do Pro-Infra para ampliação e modernização de laboratórios de universidades e Instituições de Ciência e Tecnologia nas cinco regiões do país.

CAPES

A CAPES informa que "tem atuado no sentido de olhar as especificidades e diversidades regionais nas definições das políticas para a pós-graduação". "Por isso, elabora ações de buscam a equidade e a inclusão em diálogo com as instituições de ensino superior e pesquisa do País. O novo Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), que está em fase de conclusão e vigorará de 2024 a 2028, tem como um dos seus objetivos ampliar a diversidade e a inclusão dos estudantes e reduzir as diferenças regionais de oferta da pós-graduação".

Mas a CAPES já tem ações com foco em investimentos na Amazônia Legal: Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação – Amazônia Legal tem o objetivo de consolidar os cursos (e criar novos) das instituições de ensino superior e pesquisa sediadas na região, além de investir na nucleação de novas áreas de concentração, entre outras ações, em investimento de R$ 38,4 milhões em bolsas e recursos de custeio, envolvendo 27 instituições; Programa Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia (PROCAD – Amazônia), para o fortalecimento da pós-graduação na Região Norte e no estado do Maranhão, por meio do apoio a projetos de cooperação acadêmica, com apoio a 79 projetos, com investimento de R$ 15 milhões até 2025.

O Programa de Desenvolvimento da Pós-Graduação (PDPG) – Equipamentos na Amazônia Legal tem contribuído para a formação de profissionais de alto nível com o financiamento de equipamentos de pequeno e médio portes de uso compartilhado destinados à melhoria da infraestrutura de investigação acadêmico-científica na Amazônia Legal, com 23 projetos, em investimento de R$ 4, 6 milhões. Uma nova iniciativa da Capes é o Programa de Redução de Assimetrias na Pós-Graduação, voltado a todo o País, mas atenderá várias instituições localizadas na Amazônia Legal, cujo edital teve resultado publicado em novembro de 2023 e os 100 projetos selecionados estão em fase de implementação. Serão investidos R$ 118,8 milhões nessa ação com mais de mil bolsas no país e no exterior. Dos 100 projetos selecionados, 78% são para cursos localizados nas regiões, Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Série histórica de recursos do orçamento da União ao MPEG (só para manutenção):

  • 2016 - R$ 11.181.736,00
  • 2017 - R$ 13.377.166,00
  • 2018 - R$ 15.158.202,00
  • 2019 - R$ 15.479.707,00
  • 2020 - R$ 15.453.148,00
  • 2021 - R$ 12.315.600,00
  • 2022 - R$ 18.200.000,00

Projetos de biodiversidade - recursos externos captados:

  • 2016 - R$ 2.503.553,00
  • 2017 - R$ 406.679.08
  • 2018 - R$ 361.627,20
  • 2019 - R$ 5.101.840,00
  • 2020 - R$ 1.829.716,00
  • 2021 - R$ 485.412,00
  • 2022 - R$ 262.324,92

Recursos públicos captados - projetos de biodiversidade:

  • 2016 - R$ 661.422,00
  • 2017 - R$ 135.130,00
  • 2018 - R$ 99.457,00
  • 2019 - R$ 80.000,00
  • 2020 - R$ 1.649,00
  • 2021 - R$ 330.912,00
  • 2022 - R$ 165.000,00

Fonte: MPEG

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