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Rádio Educadora de Bragança se prepara para fazer a migração para a FM

Pioneira na educação a distância na Amazônia, emissora católica da região dos Caetés ajudou a formar mais de 100 mil pessoas em 61 anos de aulas pelo rádio

Filipe Sanches
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A rádio Educadora AM de Bragança (PA), que há 61 anos leva ao ar o mais antigo projeto de educação pelo rádio da Amazônia, se prepara para fazer a migração para a FM. A mudança, que implica no desligamento do sinal de Ondas Médias utilizado desde as primeiras transmissões, está agendada para o dia 8 de julho de 2021, dia do aniversário de 408 anos da cidade. E marca o início de um novo capítulo para a emissora que ajudou a escrever a história da educação pelo rádio no Brasil. A nova Educadora passará a transmitir na frequência FM 93,7 MHz. O sinal AM na faixa dos 1390 MHz será mantido no ar simultaneamente por 30 dias, sendo desligado no dia 8 de agosto de 2021.

Criada no fim da década de 1950 pelos padres Barnabitas, na então prelazia do Guamá, a rádio Educadora AM mantém no ar a mais longevaexperiência de educação pelo rádio da região Norte, o Serviço Educativo Radiofônico de Bragança (Serb). O projeto de educação básica de jovens e adultos (EJA) com aulas a distância pelo rádio hoje funciona como uma escola regular, vinculada à Secretaria de Estado de Educação (Seduc), com 19 turmas e mais de 600 alunos matriculados que acompanham as lições transmitidas diariamente do estúdio na Praça da Bandeira, centro de Bragança.

"O modelo de escola radiofônica do Serb foi um projeto pioneiro no estado do Pará. E é o único que subsiste até os dias atuais", diz o professor Valdson Mario Morais Castro, 53 anos, que há 20 dá aulas de ciências pelo Serb. "A nossa sala de aula é o nosso estúdio. E o raio de abrangência das ondas radiofônicas é o limite da nossa escola. Até onde vão as nossas ondas, nós temos alunos. E o aluno está lá do outro lado, com o radinho ligado, escutando, como se estivesse na sala", diz Valdson.

image Imagem da antiga Kombi da Educadora passando pelas comunidades (Divulgação)

O funcionamento das escolas radiofônicas, como o Serb, é regulamentado pelo decreto nº 50.370, de 21 de março de 1961. E ainda que pareçam anacrônicas em tempos de dominação de plataformas digitais, com Ensino a Distância (EAD) e atividades remotas pela internet, as escolas radiofônicas cumprem um papel nobre no interior do Brasil: ajudam milhares de pessoas sem acesso à rede ou às escolas a avançar ou concluir os estudos.

Foi pelo rádio, acompanhando as aulas do período da noite, que Meury da Silva de Melo, 36 anos, moradora da comunidade do Alto Alegre, zona rural de Bragança, conseguiu concluir o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. Foram mais de 10 anos entre idas e vindas nas escolas regulares, entre matrículas e desistências por causa da distância e do transporte precário entre o lugar onde morava e o centro de Bragança.

“Estudar, no meu caso, foi uma decisão contra tudo e contra todos”, diz Meury, que aos 11 anos precisou ir para a cidade trabalhar em casas de família, com serviços domésticos. Depois vieram outras dificuldades e a escola acabou em segundo plano. “A gente se acomoda, né? Vai cuidar de filho, vai cuidar de marido. Na época, onde eu morava tinha muito essa questão de que mulher casada não estuda, porque tem que fazer as coisas da casa”, conta Meury, que hoje é mãe orgulhosa de três filhos estudiosos.

Graças às aulas do Serb, que ela ouvia em um radinho de pilha que ganhou em uma das visitas à Educadora, Meury concluiu o Ensino Médio e foi aprovada, em 2016, no Enem, para um curso de graduação no IFPA campus Bragança. Em março de 2021, Meury se tornou a primeira em muitas gerações da família a concluir o ensino superior: conquistou um diploma no curso de Agroecologia.

“Sem o Serb, lá no começo, eu teria parado de estudar. E eles nunca me deixaram desistir. Sempre serei grata", diz Meury, no cantinho de estudos que divide com os filhos e com o marido, que cedeu à pressão e retomou os estudos.

Até 2023, todas as 1.781 emissoras AM brasileiras deverão ter concluído a migração; 1.721 delas já solicitaram a mudança, segundo a Associação Brasileira de Rádios e Televisão (Abert).

image Alunos do Serb se reuniam em volta de um rádio, nas zonas rurais, para ouvir as aulas (Divulgação)

Os doutores formados na Educadora

As aulas transmitidas diariamente em faixas no começo da tarde e no começo da noite ajudaram a formar mais de 100 mil pessoas, segundo levantamento feito nos arquivos do Serb e da Educadora. Os números de alunos, porém, são imprecisos, já que o alcance da rádio vai além dos estudantes matriculados, que cumprem as rotinas de atividades e provas para a obtenção de um diploma.

“O nosso querido Celso Leite costumava dizer que tem muito doutor por aí, em Bragança, na capital, lá em Brasília, levando um 'DR' no nome graças à Educadora”, diz o professor Cledson Jair, o Tubarão, uma das vozes mais conhecidas da rádio bragantina. Cledson coleciona histórias de ouvintes que cresceram ouvindo a 1390 AM. Na região de Bragança e também fora dela.

O sinal da Educadora por ondas tropicais, que esteve no ar por mais de 40 anos, viajava para além das fronteiras da Amazônia, sendo captado em outros estados e até países. Até o início dos anos 2000, vários grupos de alunos acompanhavam as aulas em comunidades rurais no interior do Maranhão, na ilha de Santa Bárbara, Areia Branca, dos Pássaros. O que leva a crer num número bem maior de estudantes atendidos com o serviço de aulas pelo rádio.

“Anos atrás nós recebemos cartas de pessoas que ouviam a Educadora no norte da África. De pescadores que pegavam o nosso sinal em alto mar, embarcados, de muito longe”, conta o professor Beto Amorim, que hoje trabalha como locutor e como gestor na Educadora.

Beto Amorim é o responsável pela migração da Educadora AM para FM, um processo iniciado em 2014, quando o Governo Federal autorizou a mudança das mais de 1,7 mil rádios brasileiras na faixa AM para a Frequência Modulada. “A mudança para a FM leva ao ouvinte um sinal livre de interferências e amplia o alcance da nossa programação para todos os municípios da região de Bragança. É um marco da história da Fundação Educadora, que passou por muitas transformações ao longo dos anos, mas manteve sempre o compromisso com o ouvinte, de ser a voz da educação e da evangelização”.
A ida da Educadora AM para a FM ocasionará outra mudança para os ouvintes de Bragança, que já conheciam uma Educadora FM no rádio, na faixa dos 106,7 MHz. Fundada em 2003, a Educadora FM 106,7 trazia uma programação mais musical, eclética e comercial do que a AM. Com a chegada da Educadora AM na FM, a frequência dos 106,7 MHz será rebatizada, ganhando um novo nome e uma nova identidade, em homenagem à padroeira de Bragança, Nossa Senhora do Rosário. "A Rádio Rosário FM, que também entra no ar no dia 8 de julho, terá perfil educativo e religioso, ampliando a programação da Fundação Educadora na região e dando mais espaço para as atividades educacionais pelo rádio", explica Beto Amorim.

image Meury, uma ex-aluna do Serb e feliz pela formação conquistada graças à Educadora (Filipe Sanches / Especial para O Liberal)

Escola pelo rádio de Bragança chegou a ter 6,2 mil alunos simultâneos matriculados

Nas primeiras décadas de atividades, o Serviço Educativo Radiofônico de Bragança (Serb), núcleo responsável pelas atividades escolares fundado junto com a rádio Educadora nos anos 1960, contava com o apoio de radio-postos para orientar e organizar as aulas fora de Bragança. Montados em núcleos de comunidades rurais, em espaços improvisados em centros comunitários, os radio-postos eram equipados com aparelhos de rádio de sintonia cativa, fixados na frequência da Educadora. Os rádios foram adquiridos ainda no fim dos anos 1950 e distribuídos pelos padres por toda a região para difundir a ideia da educação pelo rádio: sem custos, acessível a todos e em todos os lugares.

A rede de escolas radiofônicas que tinha a Educadora como emissora chegou a ter 362 rádio-postos e 6,2 mil alunos simultâneos na década de 1960. Hoje, 640 alunos jovens ou adultos estão regularmente matriculados e registrados pela Seduc no Serb, em turmas da 3ª e 4ª etapa do Ensino Fundamental, e de 1ª e 2ª etapa do Ensino Médio.

Além das lições ministradas a distância, os rádios cativos da Educadora também transmitiam o sinal das missas e celebrações festivas da igreja, cumprindo o duplo propósito com que a Educadora foi concebida pelos padres Dom Eliseu Maria Coroli e Dom Miguel Giambelli na década de 1960: o de educar e evangelizar. Mas além disso, antes e depois de cada aula, a Educadora tocava música popular brasileira.

 

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