MENU

BUSCA

Primeiros 6 meses de 2022 no Pará tem o dobro de ocorrências de injúria racial que 2021

A maior dificuldade encontrada por movimentos antirracistas é a falta de uma estrutura adequada que acolha e leve adiante as denúncias das vítimas, fato que deslegitima a luta

Camila Azevedo

Mesmo com os longos anos de luta por igualdade de direitos da pessoa negra e as diversas, mas insuficientes, conquistas alcançadas, o Pará segue encontrando entraves no combate ao preconceito: de janeiro a junho deste ano, 60 casos de injúria racial foram registrados. Os números são o dobro dos que a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) contabilizou no mesmo período de 2021, quando a pasta somou 30 ocorrências. Especialistas e militantes de movimentos antirracistas afirmam que, entre as principais dificuldades listadas, a falta de preparo do poder público para atender a demanda e a ineficiência em aplicar punições, como prisões e multas, colocam a batalha em uma posição delicada e sem visibilidade. 

A realidade tem um destaque ainda mais negativo quando é feita uma análise geral dos últimos dois anos no estado: a Segup computou 67 registros totais de injúria e racismo em todo o ano de 2020 e 2021, o que reflete a preocupação de toda a comunidade em termos de melhorias, segurança, igualdade e qualidade de vida para a população. Em Belém, a luta ganhou um reforço com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial pela Prefeitura, o primeiro da região Norte, criado para definir formas para eliminar a intolerância étnico-racial, defender os direitos raciais individuais e coletivos, incluir vítimas da desigualdade, valorizar a igualdade e fortalecer a identidade negra na capital paraense.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que o país tenha cerca de 56,1% de brasileiros que se declaram negros ou pardos. São pessoas atingidas diariamente pela estrutura racista que limita diversos setores sociais: a geração de emprego, renda, acesso à saúde, alimentação, educação e que ganha novas narrativas a cada momento. A consequência é vista na taxa de mortalidade do Brasil, apontada pelo Atlas da Violência 2021 como sendo 18% maior para negros.

São 33 anos que a Constituição garante o regime criminal do racismo, mas o que é fácil de observar são as deficiências por parte das autoridades em afirmar que as políticas propostas sejam, realmente, colocadas em prática. O advogado e presidente da Comissão de Defesa e Promoção da Igualdade Étnico-Racial da OAB-PA, Peter Paulo, considera que a falta de capacitação adequada para receber as denúncias é decisiva, além da precariedade do serviço que é oferecido, fazendo com que muitas vezes haja uma deslegitimação dos casos.

“A exemplo disso, em todo estado do Pará, temos apenas uma delegacia especializada: para toda a Região Metropolitana de Belém, apenas uma, e nas demais cidades, nenhuma. Há uma falta de preparação técnica dessas delegacias para receber as denúncias. Começa no fato de que muitas vezes a vítima, quando procura, a própria delegacia desestimula o registro da ocorrência, ou não é levado pra frente por entenderem que se trata de crime de menor potencial ofensivo”, explica o especialista. 

A Comissão trabalha na fiscalização e implantação de políticas étnicas-raciais na sociedade civil, realizando, ainda, um trabalho de acolhimento e encaminhamento de demandas para o jurídico. Peter afirma que o caminho a ser seguido para que haja um fortalecimento eficaz da igualdade passa por uma educação antidiscriminatória que ensine as pessoas a não odiarem as outras. “A sociedade precisa entender que o racismo, além de ser um crime, é um fato imoral, principalmente no Brasil, que é o segundo maior país do mundo em população negra e o primeiro fora da áfrica em população negra. A gente verifica, ainda hoje, vários atos e práticas racistas porque a nossa educação precisa ser uma educação antidiscriminatória. Só aumentar as leis e só punir sem uma educação não vai solucionar”, pondera o advogado. 

Muitas vítimas não levam denúncias adiante

Outra entidade que atua para desenvolver e promover o protagonismo negro em Belém é o Centro de Estudo e Defesa do Negro (Cedenpa), que deu início aos debates sobre o tema ainda durante a ditadura militar. Oficinas e aulas são oferecidas na sede da instituição com o intuito de integrar jovens e adultos. Um dos pontos usados pelo movimento para colocar as ações em funcionamento, o Quilombo da República, localizado na praça da República, foi alvo de ataques na última semana. A organização fala em crime de racismo. O espaço é um importante local onde negros e negras foram enterrados e é um espaço de memória coletiva.

Angélica Albuquerque, de 33 anos, é museóloga, militante, faz parte do Cedenpa desde 2016 e já passou por diversas situações em que sentiu o preconceito pela cor da pele. Para ela, o crescimento dos casos de racismo está atrelado à legitimação pelas estruturas de poder e é reafirmado pela pouca quantidade de denúncias que são levadas adiante.

“Como o governo federal, a câmara, espaços do senado, dando autorização para que as pessoas da sociedade também se sintam no direito de expor todo o racismo que a gente vem combatendo. Mesmo com provas concretas como de audiovisual, testemunhas, não são levadas adiante, muitas pessoas acabam desistindo ou sequer chegam a fazer a denúncia”, diz Angélica.

Lei do Racismo

O racismo foi tipificado como crime através da Lei nº 7.716, assinada em janeiro de 1989, e afirmada como imprescritível e inafiançável. Conhecida como Lei do Racismo, a medida pune todo tipo de discriminação ou preconceito, seja de origem, raça, sexo, cor, idade e prevê pena de um a três anos, junto com o pagamento de multa. 

O Código Penal também respalda as vítimas de injúria, que passou a ser considerado recentemente pelo Superior Tribunal Federal (STF) como tendo caráter imprescrito, por entender que se configura como uma forma de racismo. 

Pará