Moradores exigem justiça em Barcarena
Representantes de comunidades se sentem cansados de lutar e cobrar providências

Barcarena, assim como Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais, tem barragens. Estruturas que, após rompimentos, criaram desgraças socioambientais. Com acidentes de menor dimensão, com vazamentos e transbordamentos das barragens - Imerys, em 2007, e Norsk Hydro/Alunorte, no ano passado -, a vida de milhares de habitantes do município foi drasticamente alterada. Águas foram poluídas, pessoas adoeceram, atividades econômicas foram prejudicadas e o meio ambiente sofreu mudanças severas.
Moradores de comunidades barcarenenses atingidas por crimes ambientais fizeram um protesto, no último dia 30. O ato teve poucas pessoas. Muita gente se sente acuada e cansada de lutar por indenizações e compensações. Foi uma mobilização, uma forma de se organizar para cobrar providências para garantir mais segurança e qualidade de vida às comunidades que são vizinhas das barragens. Ou que foram atingidas por crimes diversos e ainda não foram acolhidas no rol de indenizações.
No último crime ocorrido, quando houve transbordamento das bacias de rejeitos da Norsk Hydro/Alunorte - devido a chuvas fortes -, em fevereiro do ano passado, algumas comunidades foram incluídas num termo de ajustamento de conduta (TAC). No entanto, movimentos sociais de Barcarena demandam que outras mais de 80 comunidades (somando cerca de 8 mil pessoas), igualmente prejudicadas, sejam incluídas no TAC. Mas muitas sequer foram visitadas pelos ministérios públicos Federal (MPF) e estadual (MPPA). E são comunidades que já acumulam prejuízos de outros desastres, como o naufrágio do navio Haydar, quando mais de 5 mil bois afundaram, junto com uma carga de óleo.
“As pessoas não dormem mais a cada chuva. Vivem com medo. A DRS-1 está cheia. E agora está cheio de câmeras de seguranças para não chegarmos perto e olhar”
Além do salário emergencial - um salário mínimo -, Paulo Feitosa, líder do movimento social dos ribeirinhos e presidente do Instituto Barcarena Ambiental, reforça que as comunidades precisam passar por exames médicos, receber água mineral e serem incluídos em projetos de limpeza do meio ambiente e outras ações sociais. Os recursos para essas ações, afirma, já foram pagos ao MPF, MPPA e Governo do Estado pela empresa. Só precisam ser melhor distribuídos.
O manifesto tinha também o objetivo de prestar solidariedade às mais de 100 vítimas mortas de Brumadinho. E mostrava a preocupação dos moradores com rompimentos das grandes barragens que existem no município.
Dona Ângela Maria Vieira, moradora da comunidade Vila Nova, diz que essa e as comunidades Burajuba e Bom Futuro, estão muito perto das bacias de rejeitos da Norsk Hydro/Alunorte. Cerca de 400 metros da DRS-1. Essas comunidades foram incluídas no TAC. Ela aponta que alguns líderes comunitários estão sendo aliciados pelas empresas. Os movimentos e associações que processaram a empresa, como a Associação dos Caboclos, Quilombolas e Indígenas da Amazônia (Cainqueama), nem é procurada.
“As pessoas não dormem mais a cada chuva. Vivem com medo. A DRS-1 está cheia. E agora está cheio de câmeras e seguranças para não chegarmos perto e olhar. Já faz um ano desde os vazamentos e nada é feito por nós de efetivo. Ainda sofremos ameaças. O cartão do TAC, de R$ 675, só foi por quatro meses. As águas dos poços estão contaminados. O que vamos fazer quando esse dinheiro acabar? Isso não paga uma vida de transtornos que essas empresas causam”, questiona Ângela.
Osnildo Cardoso mora no bairro Industrial, que é vizinho, por alguns metros, da barragem da Imerys. Ele afirma que muitas pessoas só não saem de casa por falta de dinheiro. É uma comunidade pobre e já massacrada por contaminações das águas dos igarapés próximo, como o Dendê, que não é mais fonte de sustento de centenas de famílias por causa da poluição. “A qualidade da nossa água é péssima. Não presta pra consumo. Nossa praia, de Vila do Conde, está parada. As pessoas têm medo de um acidente com a barragem”, diz.
GEÓLOGO AFIRMA QUE MICROBIOTAS DEIXARAM DE EXISTIR
O geólogo Marcelo Moreno, professor mestre da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), diz que historicamente faltam mecanismos eficientes de monitoramento e controle da qualidade da água, do solo e do ar de Barcarena. Do ar, principalmente, que ele aponta como o mais grave problema ambiental da cidade. Também considera que a falta de mecanismos de punição mais rigorosos apenas dão margem a comportamentos destrutivos das indústrias.
No entanto, o professor lamenta que a academia seja palco de discussões e produção de conhecimento constantes, sobre tudo o que o meio ambiente e a população de Barcarena sofrem. Só que com baixo ou nenhum aproveitamento. Já ocorreram mudanças, possivelmente irreversíveis, de ecossistemas da cidade e praticamente nada em termos de legislação. Algumas microbiotas, destaca Moreno, deixaram de existir. E a interação humana com o meio ambiente, que para muitas comunidades é o que garante o sustento das pessoas, foi prejudicada ou interrompida.
Algumas águas, antes fartas de pescado, hoje não possuem mais peixes. Para ele, a crise social é grave e a população está no final da fila de soluções. “A academia só é chamada de novo quando ocorre um evento mais sério. Aí muito se fala, mas pouco se faz. São crises momentâneas. As academias quase não têm mais o que falar. Se tornou exaustivo. Precisamos agora que os tomadores de decisão e que o poder legislativo criem instrumentos e mecanismos de monitoramento, fiscalização e punição. Ou os problemas vão continuar ocorrendo”, ressalta Moreno.
Quando a Norsk Hydro/Alunorte comprou as operações da Vale, a Ufra, que antes era uma consultora formal e isenta, foi deixada de lado. E quando os conselhos da universidade começaram a apontar falhas e possíveis problemas, a prefeitura de Barcarena também começou a afastar a academia, afirma o professor. “Já existe até um ranço da comunidade com órgãos de controle. A gente às vezes vai fazer uma coleta de água e há pessoas das comunidades que dizem: ‘De novo? Pra quê, pra nada?’”, lamenta.
Barcarena possui duas grandes barragens de rejeitos. Uma das Imerys, de caulim. E duas da Norsk Hydro/Alunorte. Mas uma das bacias da Hydro, a DRS-2, o geólogo Marcelo Moreno considera como uma das mais perigosas. Primeiro pelo material contido, que é altamente tóxico: soda cáustica e arsênio. Segundo, pelo tamanho, superior a 100 hectares, que em caso de rompimento, poderia afetar uma área imensa.
SEMAS FAZ ESCLARECIMENTOS
Em nota enviada à redação, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) informa que as seis barragens sob responsabilidade da secretaria “são classificadas pela Agência Nacional de Águas como de ‘risco e dano potencial alto’. O que na prática não significa que elas estejam comprometidas. A classificação se deve ao dano que o empreendimento pode causar em um possível rompimento.”
Sobre as questões relacionadas a licenciamento ambiental, a Semas informa que “revisará seus atos normativos, com o objetivo de melhorar a legislação. Em paralelo a isto estão em andamento medidas para melhorar cada vez mais a capacitação dos servidores da Secretaria.” Em relação aos empreendimentos em Barcarena, a secretaria informa que a “Hydro Alunorte possui dois depósitos.
O DRS2 continua embargado pela justiça desde março de 2018. A empresa usa apenas o DRS1. Todas as duas bacias são monitoradas via câmeras. Com a intensificação das chuvas, a SEMAS vai notificar a empresa para que ela envie diariamente relatórios. Além disso, no dia 25 de janeiro deste ano, uma equipe técnica foi in loco verificar a situação das lagoas e nenhuma inconformidade foi encontrada.”
“A IMERYS não possui barragens, mas sim 8 bacias de rejeitos, sendo duas inativas, uma que só funciona em caso de emergência e as outras 5 seguem em operação. A SEMAS faz este acompanhamento continuamente. A última vistoria técnica foi realizada em novembro. Visualmente nenhuma inconformidade foi encontrada. Em janeiro, a Semas solicitou uma declaração de estabilidade e um relatório atualizado dos registros e controles das condições operacionais das bacias”.
“Com relação à Hydro, a Semas tem participado de reuniões com a empresa, o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal, bem como a ProcuradoriaGeral do Estado. A mineradora apresenta as ações que estão sendo realizadas para as compensações previstas no termo de ajuste de conduta. A secretaria reavalia as ações executadas pelo empreendimento”. “Com relação à IMERYS, a empresa possui programas socioambientais onde realiza ações. A secretaria esta reavaliando a efetividade das estratégias apresentadas.”
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