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Maio Roxo: campanha alerta para conscientização das Doenças Inflamatórias Intestinais (DIIs)

Dificuldade de acesso a especialistas, diagnóstico complexo e falta de informação são os principais desafios relatados por pacientes do Pará

João Thiago Dias

Dificuldade de acesso a especialistas, diagnóstico complexo e falta de informação são os principais desafios relatados por pacientes do Pará que têm alguma Doença Inflamatória Intestinal (DII). Nesta terça-feira (19), quando é celebrado o Dia Mundial da Doença Inflamatória Intestinal, mediante a campanha de conscientização e prevenção “Maio Roxo”, que tem ascensão em vários países, uma das lutas é o diagnóstico precoce e maior visibilidade.

As DIIs são doenças crônicas autoimunes e multifatoriais, marcadas pelo processo inflamatório do trato gastrointestinal. São sistêmicas, levando em consideração a possibilidade de manifestações extraintestinais. Os dois tipos principais são: retocolite ulcerativa, restrita à mucosa e submucosa, iniciando no reto e acometendo uma porção variável do intestino proximal, restringindo-se ao reto e intestino grosso; e a doença de Crohn, que pode acometer qualquer segmento do trato gastrointestinal (da boca ao ânus), sendo que este comprometimento se dá em todas as camadas da parede, podendo levar a estenoses (obstrução) e perfurações.

Confira os principais sintomas:

- Alteração de hábito intestinal;
- diarréia;
- presença de sangue nas fezes;
- perda de peso;
- dor e distensão abdominal;
- f
ebre;
- u
rgência evacuatória;
- t
enesmo (vontade constante de evacuar, mesmo que não haja necessidade) e entre outros;
- p
resença da alteração do hábito intestinal, perda de peso e sangramento são sintomas de alarme. 

Paciente relata rotina difícil

Para a auxiliar financeira Gabriela Efima, de 26 anos, de Belém, que foi diagnosticada com retocolite ulcerativa quando tinha apenas oito anos de idade, muitos desses sintomas representaram uma rotina difícil. Antes de conseguir um tratamento eficaz, eram idas constantes ao banheiro.

"Não conseguia estudar nem andar de ônibus. Nem mesmo fazer uma viagem longa de carro. Era totalmente dependente de banheiro 24 horas por dia. Além da fraqueza constante e da vergonha pela barriga inchada o tempo todo. Insônia constante e, durante esse processo, perdi mais de dez quilos rapidamente", lembrou. 

"Tive uma crise em que, além da diarréia com sangue, comecei a vomitar com sangue, entrando em colapso da crise da doença. Precisei ficar internada mais de 20 dias, fiz transfusão de sangue, precisei usar sondas e todo o processo de reabilitação do meu organismo", detalhou Gabriela. 

Pela falta de informação, o diagnóstico foi um susto acompanhado de mudanças de hábitos. "Passei a regularizar minha alimentação, meu sono e principalmente comecei a buscar relatos de pessoas com a mesma doença. Comecei a trabalhar meu psicológico e viver uma fase de adaptação. Causou a inflamação no intestino todo. Nem mesmo uma cirurgia poderia ajudar", ressaltou.

Com uma resposta positiva diante de medicações, ela consegue manter uma estabilidade sem crise. Por dia, em média, são cinco comprimidos, entre remédios controlados da doença e vitaminas necessárias para reposição do organismo.

"Não posso comer mariscos, comidas típicas, pimenta, condimentos e produtos industrializados, nem tomar bebida alcoólica. Devo comer frutas, legumes e faço o uso de um complemento alimentar. Bebo muito líquido. Uma alimentação saudável e equilibrada ajuda demais em manter o quadro estável".

“No começo foi bem difícil, deixei de ‘viver’ a adolescência, pois não tinha um tratamento certo e isso me deixava com crises constantes. Mas depois que encontrei a minha médica e ela abraçou a causa, encontrei vida novamente”, comemorou. “Tenho uma vida normal e busco usar isso como exemplo para pessoas e principalmente jovens que acham que essa doença é o fim. O tratamento começa na nossa mente e depois com as medicações”, finalizou Gabriela.

DII não tem notificação compulsória

Segundo a Federação Européia de Associações de Crohn e Colite Ulcerativa (EFCCA), estima-se que mais de dez milhões de pessoas no mundo vivem com a doença de Crohn e colite ulcerativa. A Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) esclareceu que DII não é uma doença de notificação compulsória, ou seja, não tem esse registro que obriga e universaliza as notificações, visando o rápido controle de eventos que requerem pronta intervenção.

"No entanto, de acordo com o Departamento de Assistência Farmacêutica da Sespa, cerca de 150 pacientes são atendidos mensalmente com medicamentos para tratamento dessa patologia no Sistema Único de Saúde (SUS) no Pará", informou a Sespa.

O diretor da Associação de Pessoas com Doenças Inflamatórias Intestinais do Pará (Adiipara), Leivanio Rodrigues, que é portador de DII há cerca de 17 anos, mas só teve diagnóstico preciso há cerca de oito anos, estima que o número de pessoas com a doença no Estado seja muito maior e explica que esse balanço é difícil justamente pela complexidade do diagnóstico.

“Como o Pará é um estado muito grande em termo territorial, o acesso a especialistas que trabalham e tratam DII é muito difícil, pois existe uma fila enorme para consultas especializadas e exames necessários para auxiliar no diagnóstico”, ponderou Leivanio.

“Muitos pacientes da rede publica ficam de 6 a 1 ano aguardando vaga, uma vez que os profissionais são escassos no Pará e a maioria se concentra na capital. Imagino que nos interiores a dificuldade desses pacientes seja bem maior, já que é uma doença que, em alguns casos, tem de difícil diagnostico, pois muitos sintomas não se restringem ao trato intestinal. Estando em atividade, compromete a vida do pacientes em todas as esferas, sobretudo, física e mental”, frisou.

Falta de informação ainda é um obstáculo

O diretor da Adiipara, que ministra palestras sobre a temática em vários eventos regionais e nacionais, diz que a falta de informação é outro grande desafio, pois muitos pacientes se sentem perdidos durante o diagnóstico. Por conta disso, a Associação tem o papel de orientar e acolher esses pacientes com o objetivo de que possam conhecer os caminhos de acesso ao tratamento especializado.

Além disso, busca informar a sociedade em geral para que tenha atenção aos sinais e sintomas, uma vez que não há cura, mas existe tratamento de controle e o portador pode, em remissão da doença, gozar de uma vida dita normal tomando as devidas precauções.

No ano passado, durante a campanha mensal, a Associação realizou uma ação de conscietização na Praça Batista Campos. Em 2020, a pandemia da covid-19 levou a adaptações. “Durante o Maio Roxo deste ano, as ações foram adaptadas para a internet. “Estamos realizando live’s com especialistas e levando informações para seus membros e seguidores no nosso instagram (@adiipara)”, comentou o diretor da Adiipara.

Além disso, Leivanio também faz parte do comitê cientifico da Diibrasil, que realiza ações nacionalmente durante todo ano "Nesse mês, estamos realizando um congresso virtual via o Youtube da ONG DiiBrasil para toda as pessoas interessadas com vários dos melhores profissionais que tratam essa enfermidade e trabalham apoiando essa causa no Brasil", completou.

Especialista explica detalhes sobre DII

A coloproctologista Carmen Lobo, que é membro titular do Grupo de Estudos de Doença Inflamatória Intestinal do Brasil (GEDIIB), explica que a etiologia destas doenças não está completamente esclarecida, mas tratam-se de doenças multifatoriais.

“Há a predisposição genética e a pessoa pode ou não desenvolver a doença. Um dos fatores mais importantes parece ser nossa flora intestinal. Hábitos de vida saudável ajudam a ter uma flora melhor, o que pode ser um fator de proteção. Fatores ambientais como exposição a antibióticos (principalmente nos primeiros anos de vida), uso de anti-inflamatórios e tabagismo podem estar envolvidos", explicou a a coloproctologista.

Em geral, a diferenciação das duas formas de doença é baseada na história clínica junto a exame físico e avaliação complementar, sendo a colonoscopia um dos principais exames. "Dentre as complicações destacamos o risco de perfuração, obstrução e predisposição a neoplasias", citou.

Gastroenterologistas e coloproctologistas prestam o atendimento especializado. No Sistema único de saúde, de forma geral, os pacientes são encaminhados a partir das unidades primárias. Em Belém, há este tipo de atendimento, inclusive com dispensação de medicação, nos Hospitais Barros Barreto e Gaspar Vianna, nas URES Presidente Vargas, Universidade do Estado do Pará (Uepa), entre outras unidades, conforme orientou a especialista.

“Teoricamente, a retocolite ulcerativa tem cura cirúrgica mas o risco e consequências da operação, a possibilidade de recidiva de inflamação em segmento intestinal (bolsite) e a possível persistência de manifestações extraintestinais tornam esta verdade menos absoluta”, detalhou.

"Ou seja, em ambos os tipos de doença o tratamento é preferencialmente clínico e deverá, a princípio, ser mantido pelo resto da vida, como em outras doenças crônicas como diabetes e hipertensão arterial sistêmica. Existem medicamentos de alta eficácia e o acesso a tratamento adequado antes do advento de complicações irreversíveis é crucial para o sucesso do tratamento", concluiu a doutora. 

Pará